EXORCISMO E IDEALIZAÇÃO NA ÍNDIA MÉDIA: A RELIGIOSIDADE POROSA NA ETIÓPIA E O ATRITO LUSITANO NA PRIMEIRA MODERNIDADE
Introdução
O
trabalho em questão analisa o livro “Oh Preste João das Índias”, escrito pelo
padre secular Francisco Álvares durante a empreitada na Etiópia, pensada como
as Índias do Preste João, entre os anos de 1520 e 1526, sendo impresso em 1540.
Observando-se o principal atrito, aos olhos lusitanos: a religiosidade. Para a
análise da obra, utilizarei o método de Análise de Conteúdo de Laurence Bardin,
isolando do texto as unidades de conteúdo mais importantes para a análise,
como, por exemplo, a noção de gente/cristão/etíope e em quais contextos as
aparições foram mais recorrentes na obra.
A visão
dos europeus, e em específico dos portugueses, nos séculos XIV e XV, era dotada
de generalizações, pois as noções que não conheciam cabiam apenas ao papel de
imaginá-las. O melhor exemplo que podemos utilizar é a própria noção de Índias,
que cobre um vasto território da África Oriental até a região de Coromandel. A
ideia sobre as Índias seria a terra que guardaria o exotismo, que habitaria no
Oriente pela perspectiva ocidental, aquilo que Edward Said afirmou ser uma
espécie de tradução ocidental. O conceito de Etiópia seguia pelo mesmo viés,
sendo também uma generalização existente desde a Antiguidade para determinar
toda a região da África. O termo etíope, em sua etimologia grega, significa
“caras queimadas”, uma franca distinção da África Negra pelos gregos, pela
incidência de luz solar, próximo ao que eles entendiam como uma zona tórrida.
A
região da Índia Média
Aquilo
que chamamos hoje de Etiópia foi categorizado pelos jesuítas em Etiópia Alta,
separando-a das regiões do Congo, Angola, Monomotapa e Moçambique, todas
denominadas como partes da Etiópia na Idade Média (CARAMAN, 2001, p. 1339). O
reino da Etiópia teria sido originado da cidade de Axum, formada por um intenso
ciclo de migrações de povos semíticos do sul da Península Arábica, como os
sabeus, do atual Iémen. Esses povos estariam migrando para a região ainda no
século VII a.C., seguindo um ritmo mercantil com os povos “abissínios” de
origem cuxita (SILVA, 2006, p. 184).
Partindo
para um período posterior, a Etiópia adotaria o cristianismo como religião
oficial ainda no século IV, graças à influência de S. Frumêncio. Vendido como
escravo e comprado pelo Negus, rei de Axum, ele teve grande importância como
administrador e professor do jovem príncipe Ezana (MEKOURIA, 2010, p. 427–430).
A lenda afirmava que Frumêncio fez um processo proselitista naquelas terras e
teria convertido a família real, incluindo o jovem Negus. Ezana, ao subir ao
trono, deu liberdade a Frumêncio, que partiu para Alexandria a fim de
conquistar um bispo e formar um clero na região de Axum e seus reinos
tributários. Atanásio de Alexandria, patriarca copta, escolheu o próprio
Frumêncio para essa função. Esse evento teria criado uma tradição ritualística:
todos os bispos da Etiópia seriam investidos pelos patriarcas de Alexandria.
Isso fez com que a Etiópia se comunicasse para além do seu contexto local,
dialogando com a cristandade mediterrânica, como, por exemplo, o Império
Bizantino.
O
cristianismo foi adotado na região da Etiópia no século IV, em concomitância
com elementos religiosos vindos da região do Iémen, assim como elementos da
terra de origem cuxita e amárica (SILVA, 2006, p. 200–201). Deve-se ressaltar
que a região já conhecia o monoteísmo, graças à presença de judeus que fugiram
da região de Jerusalém por causa da segunda destruição do templo, no ano 70.
Diversos elementos religiosos permearam a Etiópia, graças à sua circulação
constante pelo Mar Vermelho. No século VI, com o domínio sassânida na região da
Pérsia e sua expansão para a Península Arábica e, posteriormente, no século X,
o domínio fatímida na região do Egito, houve um isolamento da Etiópia de seus
aliados cristãos. Isso gerou, por sua vez, um intenso contato entre cristãos e
muçulmanos, além de outros grupos, na região da Etiópia (SILVA, 2006, p. 297;
TAMRAT, 2010, p. 489).
Chamo
de "porosidade religiosa" essa relação do cristianismo etíope, pela
sua complexidade. Os etíopes adotaram o cristianismo e, graças às relações de
proximidade com outros grupos, em contato constante, acabaram adotando outros
elementos ou se adaptando. Era comum o cristão etíope casar-se com mais de uma
mulher, além de ter várias concubinas, assim como dar o divórcio. Outro
elemento comum seria a manutenção da dieta kasher e dos rituais de circuncisão
e prática do Shabat, à moda judaica. As tradições semitas e o culto judaico,
presente no Pentateuco, foram adaptados pelos etíopes em um forte movimento de
religiosidade porosa. Uma das casas reais mais importantes foi a dos
salomônicos, que reivindicavam ser o verdadeiro povo de Israel, pois os
monarcas de Axum seriam da linhagem de Menelik, filho de Makeda, a rainha de
Sabá, com Salomão. Seria na Etiópia que estaria guardada a Arca da Aliança,
roubada pelos séquitos de Menelik, e por isso o reino mudou de nome para Sião,
no século XIV.
O
sonho lusitano da cristandade oriental
Essa
explicação serve para nos situarmos contextualmente naquilo que os portugueses
não conheciam e, por não conhecer, imaginavam à sua maneira. O Oriente sempre
esteve no repertório ocidental como o lugar fantástico e de possibilidades,
contendo inúmeros personagens. As campanhas militares ocidentais rumo ao
Oriente foram uma grande fonte de alimentação para essa literatura de viagem. Pode-se
dizer que as cruzadas foram um desses eventos que aguçaram a curiosidade e as
repetições das imagens sobre esse Oriente e seus mitos. Durante a segunda
cruzada, as cartas de um rei cristão nestoriano teriam sido enviadas para o
Imperador Bizantino e para o Papa. Essas cartas foram difundidas pela Europa
por Otto, bispo de Freising (RAMOS, 1997, p. 42).
Nelas,
eram narradas as histórias de um rei cristão no Oriente que auxiliaria na
guerra contra os infiéis. A devoção do rei era tão grande que toda a sua corte
era composta por nobres que possuíam funções clericais, e o rei, dentre os
demais nobres, assumiu a postura de humildade e servidão, escolhendo para si o
título de Presbítero. O Preste João seria o ícone entre os reis cristãos, pois
sua terra no Oriente resguardaria as benesses que não existiriam no Ocidente,
jorrando do seu solo leite e mel e caindo maná dos céus. Elas estariam nas
cercanias do paraíso e, dessa forma, o Preste João usava como símbolo a cruz à
sua frente, como signo da vitória.
O Preste
João foi idealizado no contexto das cruzadas, sendo um dos personagens mais
recorrentes nas narrativas de viagem. Marco Polo, no século XIII, narrou o
reino do Preste João enquanto fazia sua viagem até a China, situando o reino
mitológico na região tártara, perto dos domínios dos Khans mongóis (POLO,
1997). Já no livro "As Viagens de Mandeville", escrito no século XIV,
o Preste João seria um monarca que estaria na região das Índias, nas ilhas para
além das terras de Jerusalém, rumo ao Oriente (MANDEVILLE, 2007).
Em
todas as referências, há elementos que destoam uns dos outros; porém, a base se
mantém a mesma. Alguns elementos são tácitos para explicar esse reino que
peregrina pelo Oriente: primeiro, a religiosidade; o cristianismo, em todas as
narrativas, é assegurado como nestoriano; segundo, a riqueza, natural e
econômica; a terra do Preste João abundaria em todas as coisas, cuja população
jamais teria necessidade, sendo provida por fontes maravilhosas, naturalmente
ou sobrenaturalmente; e, por último, há o elemento cruzadístico: o rei cristão
teria um enorme exército capaz de fazer frente aos potentados infiéis que
cercam os cristãos, abrindo uma nova frente de combate pela retaguarda.
Ao
longo do tempo, vários estados europeus buscaram no Oriente esse rei cristão.
Neste ponto, a história da Etiópia convergiu com a história do mitológico rei
Preste João. Vários etíopes, em peregrinação para Jerusalém, em livre trânsito
pelo território muçulmano, encontravam cristãos ocidentais ainda no século XIV.
O movimento de cristãos ocidentais rumo à região do Chifre da África se via
mais dificultado pelos embargos muçulmanos, que temiam esse contato. Ao longo
do século XIV, a imagem do Negus e a do Preste João foram paulatinamente
conjugadas, até situarem as Índias do Preste João na região do Chifre da África
(RAMOS, 1999, p. 240).
Portugal,
assim como outros estados europeus, buscava o contato com o mitológico rei
desde suas empreitadas na costa atlântica da África, tendo como objetivo
navegar os rios acima e encontrar a nascente do Nilo, que estaria próxima ao
paraíso, que, por sua vez, seria próximo das Índias do Preste João (BOXER,
1969, p. 43; 54). Na empresa de Bartolomeu Dias, em 1488, que superou o Cabo
das Tormentas, o navegante carregava consigo uma carta ao Preste João das
Índias. Em paralelo, o rei D. João II enviou Pêro de Covilhã e Afonso Paiva, em
1487, em uma empresa mediterrânica para alcançar as terras do Preste João.
Afonso Paiva morreu em sua empreitada e Pêro de Covilhã sumiu, tendo seu último
paradeiro na região do Cairo. Para os portugueses, em um franco processo de
expansão para as Índias, um aliado no Oriente seria importantíssimo para
garantir a hegemonia cristã no Mar Vermelho e asfixiar as rotas islâmicas.
O exorcismo dos sonhos
A embaixada
portuguesa nas terras do Preste ocorreu em 1515, com a chegada de um mercador
armênio, Mateus, nos domínios de Portugal em Goa, ainda em 1512. Ele seria
transportado para Lisboa a fim de enviar as mensagens que trazia do Negus, com
o objetivo de estreitar os laços entre os portugueses e o rei cristão no
Oriente contra o avanço islâmico na região.
A
empreitada diplomática teria sido encabeçada por D. Duarte Galvão, membro da
corte de D. Manuel e grande adepto desse contato com o cristianismo oriental na
defesa de um posicionamento cruzadístico contra o Islã. Essa empresa em
Portugal sofreu resistências do 3º governador-geral das Índias, Lopo Soares de
Albergaria, que defendia um contato comercial mais a Oriente do que um contato
diplomático com cristãos orientais e uma empresa militar contra os islâmicos.
Esses entraves na região das Índias fizeram com que a embaixada não progredisse
nos anos subsequentes; uma das tentativas levou à morte de D. Duarte Galvão, em
1517 (ALVARES, 1540, p. 1).
Apenas
com o novo governador, Diogo Lopes de Siqueira, a embaixada, capitaneada por D.
Rodrigo de Lima, conseguiu êxito em entrar no território, apenas em 1520. Com a
embaixada nas terras etíopes, pensadas como as Índias do Preste João, os
portugueses tiveram um choque frente ao seu exercício de idealização. Nas
palavras do embaixador, os portugueses estavam naquelas partes para ligar
cristãos com cristãos e não com finalidade mercantil. Porém, aquilo que foi
visto na Etiópia rompeu com esses objetivos.
Na
Etiópia, os portugueses tiveram de lidar com uma realidade que fugia da
idealização das Índias do Preste João. Os contextos mais comuns para a
classificação dos etíopes eram a aparência, ressaltando a negritude dos nobres
da terra, além da falta de capacidade técnica, seja pelas obras arquitetônicas,
seja pelo domínio da natureza. Outro elemento criticado, na visão dos
portugueses, foi a natureza das terras etíopes, marcada pela miséria e pelos
perigos, naturais e humanos. Isso rompeu ainda mais com a visão das riquezas existentes
nesse Oriente idealizado.
O
elemento mais importante que ocasionou atrito entre etíopes e portugueses foi a
religiosidade. Utilizando o método de Análise de Conteúdo de Laurence Bardin,
segregaram-se as unidades de conteúdo etíope/etíope-cristão/gente, suprindo
suas repetições desnecessárias e em quais contextos eles foram apresentados. O
maior contexto foi a religiosidade, com vinte aparições, marcando 37% de todos
os contextos específicos envolvendo os etíopes. Essa relação numérica nos dá o indicativo
tácito da busca dos portugueses: a religião, e como eles a usaram como elemento
categórico da idealização. Porém, encontraram uma religiosidade imbricada de
inúmeros elementos, em específico o judaísmo. O padre Álvares, capelão da
embaixada e responsável por imortalizar as passagens naquilo que virou o livro
“Oh Preste João das Índias”, afirmou que, naquelas terras, eles judaizavam
(ALVARES, 1540, p. 11).
Obviamente,
a religiosidade etíope não foi bem vista aos olhos dos portugueses, tendo em
vista que esses, em Portugal, estavam articulando o surgimento de uma
instituição que caçaria os criptos-judeus no início do século XVI (MARCOCCI;
PAIVA, 2013). Os etíopes possuíam uma miscelânea contraditória em seu interior:
havia uma religiosidade oficial copta, com um bispo escolhido por Alexandria;
uma religiosidade popular, defendida pelos mosteiros, que tinha uma forte
presença judaica; uma presença sólida e considerável de islâmicos, dentro e
fora do reino; além de um monarca que oscilava de um lado para o outro no
poder, se aproximando de determinados grupos e se distanciando de outros, por
necessidade.
O
principal requisito para a quebra da idealização seria a religião dos etíopes,
pois não se encontrou aquilo que almejava. A partir desse contato, precisou ser
reconfigurada essa visão, cuja idealização deu lugar à objetivação, sendo
caracterizados como hereges. Isso mudou a postura portuguesa frente à Etiópia
Alta. Essa relação torna-se interessante quando observada à luz das relações
americanas. Segundo John Elliott, a América fez um impacto embotado na Europa,
pois os viajantes europeus, frente à novidade, em um processo de assimilação,
usaram os seus sonhos para compreender as relações existentes. Desta forma, os
viajantes europeus não viram o ameríndio de fato, e, sim, a idealização
sonhada. Porém, ao longo do contato, essa relação teria esmorecido e a visão
objetiva ultrapassaria o contato idealizado (ELLIOTT, 1972, p. 30–40).
Partindo
dessa premissa, na perspectiva reversa, a África já contava no arcabouço
imaginário e cultural do homem português desde o período medieval, graças ao
intenso contato na Península. A empreitada lusitana no Atlântico foi comparada
a um exorcismo por Sérgio Buarque de Holanda, pois empurrou para além da esfera
empírica as relações idealizadas no momento em que avançava (HOLANDA, 2010, p.
48). Não haveria com a África esse impacto embotado, pois ela não era uma
novidade e, por meio das interpretações portuguesas, os etíopes foram levados
para o campo da heresia. O contato dos portugueses com os etíopes fez com que
eles usassem a comparação (HARTOG, 1999, p. 240–244) para compreender a
situação religiosa, tão idealizada, o que resultou na identificação como um
“cristianismo-judaizante”, algo muito próximo do que se afirmava existir em
Portugal.
A
embaixada, com muito custo, saiu das terras etíopes em 1526 e levou para
Portugal as novas sobre as Índias do Preste João. Com o novo rei, D. João III,
a coroa portuguesa mudou a postura em relação aos etíopes, de uma diplomacia
cristã para um processo catequético. Nas palavras do próprio monarca ao Papa,
em 1532, sobre a Etiópia: “era preciso debater a forma de emendar a religião
daquela gente” (CORPO DIPLOMÁTICO PORTUGUÊS, 1865, p. 350). Na década de 40 do
século XVI, o monarca negociaria a presença dos jesuítas na região como uma
esfera de influência portuguesa, que se misturariam na região e atuariam de
dentro para fora no processo de correção do cristianismo infecto.
Conclusão
Os
portugueses, que na prática também possuíam um hibridismo, o
cavaleiro-mercador, viam na religiosidade um ponto crucial. A intensa
circulação religiosa na região da Etiópia, criando o evento da porosidade pelas
relações de troca, foi assumida pelos portugueses como um empecilho para a
idealização. Pode-se concluir que a estrutura idealizada deve ser considerada
como um dos elementos basilares para a imagem do etíope, tendo em vista que a
sua não correspondência criou uma imagem adversa à esperada e obrigou os
portugueses a repensarem sua empreitada na região, adaptando-se à diversidade.
Referências
Wallace de Oliveira Machado
Mestrando no PPGHS da UERJ/FFP
ALVARES, F. Oh
Preste Johan das Indias: A verdadeira informação das terras de Preste Johan.
Lisboa: Imprensa de Luis Rodrigues, 1540.
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ELLIOTT, J. H. El Viejo Mundo Y El Nuevo 1492 1650.
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T. O Chifre da África: os Salomônidas na Etiópia e os Estados do Chifre da
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UNESCO, 2010.
Parabéns pelo texto e pela participação no evento, Wallace. Acredito que seja importantíssimo estudos sobre a Etiópia como o seu. Comento aqui por querer saber melhor sobre esse conceito de religiosidade porosa. Você poderia explicar melhor? Ele é de sua autoria ou foi cunhado por algum teórico? No mais, agradeço a oportunidade de ler seu texto e sucesso na sua pesquisa!
ResponderExcluirPietro Enrico Menegatti de Chiara
Caríssimo, agradeço muito a sua pergunta.
ExcluirEu acho extremamente difícil falarmos sobre algo como autoria específica nas ciências humanas, pois muitas de nossas ideias são baseadas em outras. A questão da porosidade em si, como conceito amplo, não é nova. Muitos autores a utilizam para falar, por exemplo, sobre a região de fronteira e como elas não são estanques, permitindo um permear e uma infiltração.
Essas noções podem ser aplicadas tanto em uma questão política quanto em uma questão identitária. Por exemplo, Magalhães Godinho, ao apresentar a identidade portuguesa como híbrida, menciona a noção do "cavaleiro mercador", sendo uma cara porosidade entre medievo e modernidade.
Digo isso tudo, prolixamente, para afirmar que a porosidade sempre esteve em perspectiva. Eu apenas me apeguei a essa noção de "porosidade" e a coloquei na religião etíope como forma de análise. Não conheço um autor específico que fala sobre, porém, não me sinto como propositor.
Para mim, a porosidade religiosa se comporta quando essa identidade se deixa permear por outras noções dentro de um mesmo espaço ou contexto. Por exemplo, a etíope, que, em sua relação pendular entre isolamento e contato com diversos grupos, acabou assumindo elementos variados da região, obviamente por esse excesso de contato. Isso criou uma nova vertente de cristianismo como uma expressão popular que, no início do século XVI, era extremamente ampla na região, sendo adotada até por europeus que habitavam aquela terra.
Porém, os portugueses do século XVI não poderiam jamais aceitar uma noção como essa de porosidade, pois sua religiosidade na Península Ibérica rumava em contramão a esse efeito, tentando anular toda e qualquer influência que modificasse as práticas ortodoxas do cristianismo latino.
Eu uso a noção da porosidade dessa forma, relacionando-a com essa circularidade cultural de Ginzburg em um determinado espaço, por ter sido o melhor constructo que pude adaptar ao meu pensamento. Talvez outros grupos a utilizem de outra forma, por exemplo, nos estudos de religiosidade do "movimento Nova Era", que também apresentam elementos de porosidade, todavia isso não é o meu escopo.
Agradeço muito pela pergunta. Espero que eu tenha me feito entender. Perdoe-me se fui demasiadamente prolixo.
Ass: Wallace de Oliveira Machado