VOZES SINO-BRASILEIRAS: Os imigrantes
chineses no Rio de Janeiro Imperial
Introdução
Quando
se discute sobre imigração asiática, logo citamos a entrada de imigrantes
japoneses no Brasil. Porém, antes dos japoneses, outros asiáticos já estavam em
terras brasileiras. Por quatro séculos (do segundo terço do século XVI até o
segundo quarto do século XIX) o Brasil foi influenciado pela cultura chinesa de
tal forma, que até os dias de hoje, podemos observar a influência dos chineses
em nossa cultura material e imaterial de uma forma, muitas vezes, até mais
expressiva do que a atuação japonesa.
É
esta influência que me incentivou a pesquisar sobre os imigrantes chineses no
Brasil o que acabou virando minha pesquisa de monografia. O que será lido neste
texto é apenas o início desta busca por demonstrar que as relações Brasil e
China ultrapassam os 50 anos.
Imigração
chinesa no Brasil
Os imigrantes chineses vieram, de forma não
oficial, em naus portuguesas como marinheiros em serviço da marinha lusitana no
período colonial. Embora existam registros destes marinheiros trabalhando para
a coroa portuguesa, não há, oficialmente, presença desses marujos em
territórios coloniais, embora pareça improvável que não tenha ocorrido devido
aos trajetos que os navios portugueses faziam (LEITE, 1999, p. 18).
Contudo, há registros de presença chinesa, de
forma oficial, no Brasil, no período de Dom João VI, por meio do plano do
Ouvidor de Macau, Brum da Silveira. A ideia era trazer mais um produto para a
produção agrícola da colônia lusitana da América, e este produto era o chá.
Para Silveira, a utilização de trabalhadores chineses de Macau iria beneficiar
a colônia americana e a própria Macau. O plano de Silveira foi aceito pelo
Príncipe Regente (D. João VI), que decretou o envio anual de chineses para o
Brasil. Estes macaenses, porém, não vieram apenas para o cultivo de chá, mas,
também, como força de trabalho em obras civis. (MOURA, 2012, p. 4).
É neste contexto de migração que os chineses
adentram os territórios brasileiros e tornam-se figuras recorrentes em diversos
locais do Brasil, principalmente o Rio de Janeiro, local onde estes migrantes
trabalharam nas fazendas de chá, com a Fazenda Imperial Santa Cruz, na atual
zona oeste carioca, sendo o local mais bem documentado de atuação destes macaenses
que vieram servir a coroa lusitana.
Avançando mais na história, os chineses também
foram presentes na ampliação da Estrada de Ferro Dom Pedro II no atual
município de Queimados, como trabalhadores civis. Porém, esta história ganha
rumos trágicos, quando os chineses acabaram sofrendo com um surto de malária,
que ceifou vidas sino-brasileiras. Graças a morte destes operários, existe a
história, corroborada pela própria prefeitura fluminense, que Queimados ganhou
este nome graças a cremação dos chineses que morreram de malária durante as
obras, o que deu origem ao nome da estação Queimados e, posteriormente, adesão
do nome para a cidade (PREFEITURA DE QUEIMADOS). Contudo, há controvérsias em
relação a origem do nome; porém, independentemente de sua origem, é inegável
que esta história da linha ferroviária fluminense está indelevelmente conectada
a formação da memória local, com estes trabalhadores sendo lembrados até hoje
na região.
Seropédica também parece ser um caso de estudo
profundo. O município de Seropédica recebe este nome graças a um neologismo,
formado pelas palavras "sericio”, de origem latina, que significa seda, e
“paideía”, de origem grega, que significa cultivo ou criação. Portanto,
Seropédica significa “região onde se cultiva seda” (FREITAS, 2017, p.p). A
cidade ganhou este nome, pois foi palco de grandes produções de seda, inclusive
sendo a sede da Companhia Seropédica Fluminense, que contou com trabalhadores
escravizados e estrangeiros, com chineses possivelmente nestas listas de
trabalhadores estrangeiros como auxiliares nas linhas de produção.
Influência chinesa na cultura brasileira
É importante ressaltar que a presença chinesa
também é forte na arquitetura urbana fluminense. As casas coloniais apresentam
claras referências ao estilo chinês de arquitetura, com seus telhados sendo
praticamente idênticos aos encontrados na China (LEITE, 1999, p.13).
Além da cultura material e da historiografia, há
presença chinesa em nossa cultura imaterial. A China nos influenciou nos
hábitos alimentares como, por exemplo, o consumo frequente de arroz e a mistura
de ingredientes no prato, algo tipicamente chinês (SONATI; VILARTA; SILVA,
2009, p.140). Há também - no que menos poderíamos esperar, como na contravenção
– a inspiração para o famoso Jogo do Bicho, uma herança chinesa indireta em
terras brasileiras (LEITE, 1999, p.13).
Se há historiadores falando sobre o assunto, qual o motivo de estudar
mais sobre presença chinesa no Brasil?
Historiadores, como Moura e Leite, já debateram
sobre a presença chinesa constante no Brasil colonial e pós-colonial. Porém,
ainda é um debate pouco conhecido na historiografia brasileira.
Outro problema, é que a área da Arqueologia, a
qual a autora deste texto faz parte, não há nenhum trabalho sobre os imigrantes
chineses no Brasil e, se há, é muito pouco debatido por arqueólogos e pela SAB
(Sociedade de Arqueologia Brasileira). Algo bastante problemático, pois o
Brasil é um país diversos que abrigou diversos povos, incluindo os chineses.
Ignorar a história da imigração e influência
chinesa no Brasil é silenciar um grupo étnico que viveu e ainda vive no Rio de
Janeiro que, de acordo com diversos registros historiográficos, fizeram (e
ainda fazem) parte do cotidiano fluminense. Estes indivíduos não podem
continuar como uma curiosidade de rodapé de livros de história do Rio de
Janeiro.
Minha monografia será uma forma de utilizar a
cultura material e imaterial como uma ferramenta para dar voz a história dos
chineses que ajudaram a construir o Brasil como conhecemos nos dias de hoje e
dar voz para sino-brasileiros, que foram ignorados no apanhado étnico
brasileiro durante todo este tempo.
Considerações finais
Mostrar que o Brasil e a China são mais iguais
do que o senso comum acredita é uma maneira de caminhar contra a sinofobia que
parece ter se aprofundando nos últimos anos.
Entender que nossa cultura é muito aparentada à
chinesa, é uma forma de retirar preconceitos, demonstrando que o “outro” não é
tão diferente como se fez pensar por tanto tempo.
Também é importante compreender que as relações
de amizade entre Brasil e China são mais antigas do que os 50 anos de relações
diplomáticas. Em tempos de propaganda anti-China, pesquisas como essa podem
contribuir para frear preconceitos terríveis que deveriam ter sido erradicados
de nossa cultura.
Referências
Vittória Sampaio é
graduanda em arqueologia da UERJ.
CONHEÇA A ORIGEM DO NOME DE
QUEIMADOS. Prefeitura de Queimados, Queimados. Disponível
em: https://queimados.rj.gov.br/conheca-a-origem-do-nome-de-queimados/
FREITAS, Wyllian. Sericicultura e sua
inspiração ao nome da cidade de Seropédica. Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro - UFRRJ, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: https://portal.ufrrj.br/cultivo-do-bicho-da-seda-na-universidade/#:~:text=O%20que%20poucos%20sabem%20%C3%A9,local%20onde%20se%20cultiva%20seda.
LEITE, José Roberto Teixeira. A China no
Brasil – Influencias, marcas, ecos e sobrevivências chinesas e na arte
brasileiras. Editora da Unicamp, Campinas, SP, 1999.
MOURA, Carlos Francisco. Chineses e Chá no
Brasil – No início do século XIX. Instituto Internacional de Macau e
Real Gabinete Português de Leitura, Rio de Janeiro, 2012.
SONATI, Jaqueline; VILARTA, Roberto; SILVA, Cleliani.
Influências Culinárias e Diversidade Cultural da Identidade Brasileira: Imigração,
Regionalização e suas Comidas. In Qualidade
de Vida e Cultura alimentar. Campinas: UNICAMP/Ipes, 2009. Disponível em: https://www.fef.unicamp.br/fef/sites/uploads/deafa/qvaf/cultura_alimentarcap14.pdf
TAVARES, José Pereira. Memória sobre a
Sericultura no Império do Brazil. Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve,
Rio de Janeiro, 1860.
Olá Vittória.
ResponderExcluirMuito bom o seu tema de pesquisa, fiquei muito curioso sobre o tema, não tinha conhecimento da vinda de chineses no período colonial, ainda mais para o cultivo específico de um produto oriental. Sobre o cultivo de chá, qual era o tipo de Chá trazido pelos orientais? Outro ponto é se ocorreu uma aceitação desse produto no comércio local ou seria somente para exportação do mesmo?
Parabéns pelo seu trabalho.
Anderson da Silva Schmitt
Oi, Vittória! Seu texto primeiramente me chamou atenção pois eu pesquiso século XIX, mas durante a leitura outra coisa despertou meu interesse: a busca por vestígios materiais e imateriais desses imigrantes. Minha pergunta é: você pretende se aprofundar na questão da seda, e eventualmente abordar vestuário?
ResponderExcluirUm abraço,
Natália de Noronha Santucci
Oi, Vittória.
ResponderExcluirParabéns pelo texto! Essa pesquisa ainda vai dar muitos frutos!
Realmente, nos falta material primário e arqueológico desses imigrantes para entendermos sua vivência. Todavia, seu texto me lembrou de fontes que retratam e documentam o contexto, como a gravura de Rugendas, "Plantação Chinesa de Chá". Ainda existem as ilustrações satíricas de Angelo Agostini, que demonstram claro teor Orientalista e sinofóbico. Talvez seja essa postura que dificulte tanto o contato com material arqueológico, o que acha?
Por último, gostaria de indicar a leitura da antologia China Tropical de Gilberto Freyre, acho que seria de muito bom proveito.
Depois quero ver como essa pesquisa vai se desenvolver!
Avante e abraço!
Cara Vittória,
ResponderExcluirGostaria de cumprimentar-lhe pelo tema. Os estudos sobre a presença chinesa no Brasil, e em especial sobre a chinoiserie, ainda são muito incipientes, e todo esforço de trazer a questão à luz são sempre muito bem-vindos!
Eu gostaria de trazer uma questão singela: embora você seja da área da arqueologia, você considera que seria possível estabelecer diálogos com a História Oral? Digo, no sentido de investigar onde estão os descendentes desses chineses hoje, quais aspectos materiais e imateriais eles conservam desse período, se há alguma memória ou anedota familiar desse período etc.
Eu também gostaria de lhe recomendar alguns textos (caso você não os conheça). Os dois primeiros são a dissertação de Kamila Rosa Czepula, "Os indesejáveis 'chins'", e a de Victor Hugo Luna Peres, "Os 'chins' nas sociedades tropicais de plantação", que tratam justamente dos planos de trazer trabalhadores chineses ao Brasil para atuar nas plantações de chá como escravizados. O terceiro é o artigo "Os esforços dos abolicionistas britânicos contra a imigração de chineses para o Brasil no final do século XIX", que trata da influência britânica para a abolição deste mesmo tráfico.
Muito obrigado!
Cláudio César Foltran Ulbrich