Tiago Ferreira

 

Jit Phumisak e a popularização do marxismo na Tailândia através das artes (1950-1976)


 

Apesar de ter sido peça relevante no tabuleiro da Guerra Fria na Ásia, há reduzido interesse da academia na introdução e propagação de ideias comunistas na Tailândia em comparação ao atrativo desperto por nações vizinhas do sudeste asiático. Isso possivelmente se dá porque, enquanto países como Laos, Camboja e Vietnã se tornaram comunistas, a Tailândia, pelo contrário, serviu de base (tanto militar quanto ideológica) para operações norte-americanas contra o avanço do comunismo na região. Com tantas revoluções comunistas bem-sucedidas no sudeste da Ásia, a Tailândia, que permaneceu firmemente do lado norte-americano durante a Guerra Fria, acaba recebendo menor atenção de historiadores e estudiosos do marxismo fora da Ásia. 

Entretanto, a história do avanço dos ideais socialistas e comunistas no pequeno reino asiático pode revelar surpresas, ajudar a preencher lacunas e ainda possibilitar diálogos com a América Latina. Nesse sentido, Jit Phumisak (จิตร ภูมิศักดิ์) (1930-66), historiador, filólogo, músico, poeta, revolucionário tailandês e um dos maiores expoentes do marxismo na história da Tailândia, representa um capítulo importante na história intelectual e política do sudeste asiático, visto que ele foi, ao lado de Pridi Banomyong, o maior nome da esquerda tailandesa no século XX.

Neste texto, pretendo introduzir o leitor à vida e ao contexto histórico de Jit Phumisak, dando ênfase à sua produção intelectual sobre arte, possivelmente seu maior legado, impulsionado sobretudo durante o curto período democrático (1973-76), quando o conceito defendido por ele de “arte pela vida” se torna dominante nos meios artísticos, intelectuais e estudantis da Tailândia.

 

As ondas de esquerda na Tailândia do século XX

Os ideais socialistas e ou marxistas começaram a penetrar no antigo reino do Sião nos anos de 1920, antes do país mudar seu nome para Tailândia. Os sino-tailandeses desempenharam um papel vital nesse processo, pois muitos deles tinham contato direto com o Partido Comunista da China e do Vietnã [KASIAN 2001, pp.18-24].

A segunda geração de movimentos contestatórios de esquerda na Tailândia se dá entre intelectuais tailandeses e sino-tailandeses das áreas urbanas durante os regimes autoritários de Phibun (1948-57) e Sarit (1958-63). Jit faz parte dessa geração, tendo escrito livros muito influentes, especialmente Chomna Sakdina Thai (โฉมหน้าศักดินาไทย, “A Face do Feudalismo Tailandês” em português) e Sila Pheua Chiwit Sila Pheua Prachachon (ศิลปะเพื่อชีวิต ศิลปะเพื่อประชาชน, “Arte pela vida, Arte pelo povo”), ambos de 1957. [Flood 1975, pp.58-59].

Morto em 1966, Jit não veria a terceira onda de esquerda, dominada pelos estudantes universitários dos anos de 1970. Entretanto, se não estava presente fisicamente, suas ideias foram mais do que presentes, foram a inspiração dos revolucionários de 73 [Ruenruthai 2000, p.100], convertendo-o num dos grandes ícones políticos da história tailandesa.

 

A breve vida de Jit

Jit nasceu em 25 de setembro de 1930 na província de Prachinburi, na Tailândia, mas passou parte da sua infância no Camboja, onde sua família trabalhou para o governo tailandês que ocupava a porção oeste do país. Sabe-se pouco sobre o seu pai. Aparentemente ele abandonou a família depois que voltaram do Camboja em 1946. A mãe de Jit, que passou a criar os filhos sozinha, levou o rapaz e sua irmã para Bangkok onde poderiam continuar os estudos [REYNOLDS 1987, pp 18-19]. Jit, um aluno brilhante, seria aceito na Universidade Chulalongkorn em 1950, passando a estudar línguas e história [PIYADA 2018, p.105].

Apesar da fama de aluno indisciplinado, o talento de Jit rapidamente se fez conhecido nos círculos literários e eruditos de Bangkok. Mesmo antes de ingressar na universidade, já escrevia artigos para jornais estudantis e demonstrava talento para a filologia e a história. Um de seus artigos publicado em 1950 chamou a atenção de um linguista estadunidense radicado na Tailândia, William Gedney, que escreveu para Jit para elogiar seu trabalho. Jit passou a trabalhar para Gedney, auxiliando o norte-americano com a língua e os estudos tailandeses, bem como com traduções do/para o inglês. [REYNOLDS 1987, p.22].

É incerto em que exato momento Jit se tornou comunista. É provável que sua conversão tenha ocorrido gradualmente, ao longo de um processo de estudo e leitura de livros e textos a que teve acesso. Entretanto, é certo que Jit já era um completo marxista em meados dos anos 50, o que leva a crer que os anos na universidade foram decisivos nessa transformação, apesar do conservadorismo da Universidade Chulalongkorn [PIYADA 2018, p.108].

Em 1953, Jit foi eleito editor do anuário da universidade, e embora admirado por seu domínio da língua tailandesa, causava desconforto no campus porque expunha em publicações universitárias suas posições críticas, que eram entendidas como subversão política. Ao longo do ano acadêmico de 1953, Jit trabalhou duro no anuário, reuniu diversos poemas e escritos, dentre os quais dois chamaram atenção — um poema sobre a maternidade; o outro, uma crítica materialista histórica do budismo — e os enviou para a publicação [REYNOLDS 1987, p.31].

As autoridades universitárias, lideradas sobretudo pelo professor anticomunista Sumonnachat Sawatdikun, reagiram censurando o anuário e exigindo a renúncia de Jit do papel de editor. Foi designada uma espécie de audiência pública no dia 28 de outubro onde seria explicado o motivo do banimento do anuário. Jit acabaria sendo acusado de comunismo e convocado ao palco do evento para se explicar. A eloquência de Jit, entretanto, mudou a opinião geral a seu favor. Ele alegou que apenas queria romper com a tradição e produzir um anuário mais atraente. Foi então que estudantes de Engenharia (conhecidos como nakleng, algo como “valentões” em português), os mais conservadores da universidade, invadiram o palco, agarraram Jit e o arremessaram contra o chão, fazendo-o perder a consciência. O episódio é tão marcante que é referido em tailandês como korani yonbok (O incidente do arremesso contra o chão) [REYNOLDS 1987, p.31].

É possível entender toda essa histeria se levarmos em conta o contexto histórico. Um ano antes, o ditador do país, Plaek Phibunsongkhram (ou somente Phibun) havia iniciado uma caça às bruxas contra o comunismo, numa aliança entre os militares tailandeses e o governo dos Estados Unidos [SUWANNTHAT-PIAN, pp.273-291]. O expurgo de 1952, desencadeado pela Revolta da Paz (um movimento de protesto contra a participação tailandesa na Guerra da Coreia) inaugurou uma práxis “macarthista” na Tailândia, simbolizada pela promulgação do Estatuto Anticomunista de 13 de novembro de 1952. Qualquer menção à monarquia ou ao budismo de maneira não-ortodoxa poderia ser facilmente enquadrada nesse dispositivo legal [PIYADA 2018, p.105].

Gedney, que ironicamente era conhecido por ajudar as autoridades estadunidenses na confecção de propagandas anticomunistas, deu uma entrevista defendendo Jit das acusações, o que só piorou a situação. A histeria passou a incluir também Gedney, que foi acusado pelos conservadores tailandeses de ser um comunista disfarçado que estaria doutrinando jovens tailandeses inocentes como Jit. A situação escalou a tal ponto que o primeiro-ministro Phibun emitiu uma declaração dizendo que o assunto estava nas mãos da polícia [REYNOLDS 1987, p.32].

O que dava mais substância à teoria conspiratória era o fato da embaixada norte-americana ter pedido para Gedney traduzir O manifesto comunista para o tailandês. O objetivo não era, obviamente, promover o marxismo, mas sim “assustar” as autoridades tailandesas para que tomassem medidas enérgicas contra o comunismo. A questão é que Gedney não se sentia seguro em traduzir a obra sozinho e contratou Jit para ajudá-lo, coisa que ele já tinha feito antes em diversas ocasiões. Entretanto, o que era apenas uma coincidência se tornou evidência para os detratores de Gedney e Jit. [REYNOLDS 1987, p.32]. O desfecho desse imbróglio foi o banimento de Gedney em janeiro de 54, e o ostracismo de Jit, obrigado a abandonar os estudos temporariamente e a reportar-se para a polícia regularmente [REYNOLDS 1987, p.31]. Jit foi trabalhar numa escola como professor e também no jornal Traimai. Retornaria à universidade em 55 e se formaria dois anos depois.

Nos próximos anos ele continuará exercendo trabalhos nas áreas de ensino e jornalismo. Em 1957 lança seu livro mais importante sobre arte, que serviria de base para o movimento Arte para a Vida nos anos 70, o ensaio Sila Pheua Chiwit Sila Pheua Prachachon (Arte pela vida, Arte pelo povo). Ainda em 1957, Jit é convidado a escrever um texto de história para o anuário da Faculdade de Direito da Universidade Thammasat e publica Chomna Sakdina Thai (A Face do Feudalismo Tailandês), hoje um marco na historiografia tailandesa. Ele tinha apenas 27 anos e ainda se preparava para ingressar no mestrado em Educação. [REYNOLDS 1987, pp.32-34].

A queda do ditador Phibun e a ascensão em outubro de 58 de outro militar mais repressor e sanguinário, o general Sarit Thanarat, se mostraria um grande desastre para os intelectuais progressistas do país. Grande parte deles, incluindo Jit, acabariam presos sem direito a julgamento [REYNOLDS 1987, p.36; PIYADA 2018, p.106]. Durante os seis anos na prisão, Jit escreveria prolificamente, desde ensaios e estudos etnológicos, até canções e poemas. [PIYADA 2018, p.115]. 

Seria solto em dezembro de 1964 e, meses depois, decide se dirigir às selvas do interior, onde o Partido Comunista da Tailândia (PCT) liderava uma insurgência contra o governo. Era novembro de 1965 quando Jit partiu. Em 5 de maio de 1966 seria morto a tiros na província de Sakhon Nakhon aos 35 anos de idade. Apesar do PCT tratar Jit como um membro pleno depois de sua morte, sabe-se que ele nunca chegou a ser filiado, o que só veio a ocorrer retroativamente, quando o partido queria surfar na onda de sua imensa popularidade. Jit tinha um estilo de vida insubmisso, o que o levou a entrar em choque com o PCT ainda quando estava na prisão. Udom Sisuwan, principal líder do PCT nessa época, gostava de manter os mais jovens sob sua tutela, no velho sistema tailandês de senioridade, onde os mais velhos mandam e os mais novos obedecem. Jit não era o tipo que obedecia facilmente. Além do problema hierárquico, Jit também discordava de Udom ideologicamente. Seu livro Chomna Sakdina Thai se opunha a ideias do livro de Udom, ไทยกึ่งเมืองขึ้น (“Tailândia, uma semicolônia”). [REYNOLDS 1987, pp.37-38].

A causa de sua morte ainda é motivo de especulação até hoje. Alguns relatos apontam que ele foi morto por aldeões influenciados pela tática de contra-insurgência criada pelos franceses na Indochina e depois desenvolvida pelos estadunidenses no Vietnã. Tailandeses que estudaram no exterior contam histórias de um homem que teria confessado dar o tiro fatal em Jit e que teria recebido de presente do governo estadunidense uma viagem para o Havaí. Uma das versões mais famosas de sua morte é a de que ele estava com fome e pediu arroz para uma senhora aldeã, que o denunciou para o chefe da aldeia. Essa versão aumentou ainda mais a popularidade de Jit na geração de 70, pois solidificou a imagem de um herói que depositava fé no povo, perdendo a sua vida por confiar na honestidade do povo simples. [REYNOLDS 1987, pp. 38-40].

 

Jit e a Arte pela Vida

Jit foi “redescoberto” nos anos 70 por alunos de um clube literário da Universidade Thammasat, que encontraram um volume de Sila Pheua Chiwit Sila Pheua Prachachon (Arte pela vida, Arte pelo povo) na biblioteca da instituição. Inicialmente eles não conseguiram identificar o autor, que assinou a obra sob um pseudônimo [REYNOLDS 1987, p.39]. Entretanto, a partir desse momento, Jit se tornou uma celebridade, primeiro entre os progressistas (comunistas ou não), e mais recentemente, entre conservadores e monarquistas [PIYADA 2018, p.115].

A obra Sila Pheua Chiwit Sila Pheua Prachachon, respondia aos anseios dos escritores e artistas progressistas da Tailândia dos anos 70. Apesar do termo “Arte pela vida” se originar com o poeta Atsani Phonlajan (1918-87), foi Jit quem consolidou esse movimento artístico no imaginário popular. O autor tailandês foi bastante influenciado pela obra “O que é arte?” de Tolstói, segundo a qual o artista deve fazer uma arte que coloca o povo no centro [Ruenruthai 2000, p.93]. A arte que serve ao povo, segundo Jit, é “aquela que desperta o povo para a realidade objetiva da vida, impulsionando uma reviravolta em suas vidas” [Thanapol 2011, p.56]. Jit costumava utilizar a metáfora da lança e do lampião para se explicar. Dizia ele que a lança serviria “para ferir os inimigos do povo – os inimigos que tornam suas vidas miseráveis” enquanto a lâmpada ajuda a guiar o povo a melhores condições ao revelar as causas da exploração social e como subvertê-las [Thanapol 2011, p.56].

Segundo Jit, uma Literatura para Vida deveria seguir quatro princípios: “1) revelar a feiura da vida real; 2) revelar a origem dessa feiura; 3) revelar as maneiras de transformar essa feiura em beleza; 4) revelar exemplos da beleza da vida vindoura” [Ruenruthai 2000, p.94]. Essa formulação em quatro etapas parece ser uma clara referência às Quatro Nobres Verdades do Budismo, numa reinterpretação marxista.

As Quatro Nobres Verdades se referem ao desejo de Buda de eliminar o sofrimento mental e interromper o ciclo de renascimentos. De acordo com o Buda, a felicidade é sempre temporária e impermanente (primeira verdade), e a impermanência da felicidade é causada pelo incessante desejo da mente que nunca pode ser saciado (segunda nobre verdade). O Buda, portanto, propõe que seria possível encontrar um estado de bem-estar genuíno se o desejo insaciável fosse eliminado (terceira nobre verdade) e o caminho budista seria o tratamento para alcançar esse objetivo (quarta nobre verdade) [PAYUTTO 2019, pp.1455-57]. Essa técnica do Buda se assemelha ao procedimento de um médico, onde primeiro verificam-se os sintomas (insatisfação e sofrimento), depois propõe-se um diagnóstico (o desejo insaciável causa a doença da mente), seguido da proposta de tratamento (eliminar a causa da doença através do caminho budista). Jit aceita a abordagem filosófica pragmática do budismo, mas desloca o foco da mente para a matéria. Ele propõe uma arte popular que faça pela condição material do povo o que o budismo propõe ser feito no plano mental/espiritual. O artista deve, portanto, tal qual o Buda e a medicina, procurar dar um diagnóstico sobre a origem dos males e propor um tratamento, um antídoto para eles.

Levando em conta essa proposta, Jit irá desferir uma crítica ferrenha aos temas e pontos de vista predominantes na literatura siamesa/tailandesa até o começo dos anos de 1930. Dominada por poemas aristocráticos, essa antiga literatura foi acusada por Jit de excluir o povo. O gênero Rueang Chakchak Wongwong (contos populares sobre personagens da realeza de um passado imaginário), por exemplo, foi classificado por ele como um instrumento da elite governante para fazer lavagem cerebral no povo e reforçar o sistema Sakdina (termo tailandês geralmente traduzido como “feudalismo”). De acordo com Jit, esses contos comumente retratavam a elite governante através de personagens formosos e talentosos, ao mesmo tempo em que os pobres eram vilões ou palhaços. Pessoas boas eram aquelas que eram leais à classe dominante [Thanapol 2011, p.57].

Apesar de suas críticas ao Sakdina e à sua arte, Jit acreditava que ele e seus contemporâneos não estavam inventando a Arte pela Vida. Essa perspectiva teria existido em todos os períodos da história, mesmo que fosse minoritária. Havia, por exemplo, os poemas atribuídos ao poeta Si Prat no período Ayuthaya, e a peça teatral Raden Lan Dai (ระเด่นลันได) de Phra Mahamontri no período inicial de Bangkok. Essas obras refletiriam, segundo Jit, o espírito de luta das pessoas comuns [Thanapol 2011, p.57]. Em outras palavras, eram obras onde os protagonistas eram plebeus que enfrentavam dilemas do povo e venciam obstáculos que só afligiam os mais pobres. Jit, portanto, entende a Arte pela Vida como um movimento ao mesmo tempo inovador e tradicional, rompendo com o Sakdina, mas honrando obras artísticas do passado que não estavam completamente pactuadas com ele.

 

As músicas de Jit e seu atual legado disputado

De todos os legados artísticos de Jit, as músicas são as mais populares. Através de um processo semelhante ao que ocorreu com Che Guevara no Ocidente, Jit foi lentamente incorporado ao discurso dominante [Thikan 2012]. Hoje, suas populares canções são cantadas por diferentes grupos políticos durante protestos e manifestações, inclusive por monarquistas, mesmo Jit sendo contra essa forma de governo [PIYADA 2018, p.115]. Sendo uma personalidade pop, Jit surge com diferentes faces em diferentes contextos. Para estudantes de literatura, ele é um teórico da arte; para historiadores, fonte de pesquisa sobre o período absolutista; para estudiosos da língua tailandesa, um grande filologista. E para o público em geral, ele é o autor de músicas que inspiram a lutar, seja qual for a sua ideologia política.

Muita gente não conhece com precisão a que se referem as letras de suas canções. Seng Dao Heng Satha (แสงดาวแห่งศรัทธา) ou “Luz Estelar da Fé”, por exemplo, fala sobre a certeza de Jit que a prisão não seria capaz de deter o brilho da estrela, numa referência à estrela usada como símbolo do movimento comunista [ATIPHOB 2013, pp.184-187]. Na canção อาณาจักรแห่งความรัก (Reino do Amor), por exemplo, fala não do amor romântico, mas do amor das classes subalternizadas. O verso diz:

“o amor verdadeiro do coração se espalha pelo céu, tal qual um pássaro voando. O reino do amor se estende ao povo (...) Nenhuma vida é inútil. Fique; espere pelo brilhante futuro. Espalhe o amor, agora limitado, para os corações daqueles que sofrem por toda a terra”.

Jit morreu jovem sem ver a Tailândia progredir para uma sociedade mais livre. Até hoje governada total ou parcialmente por militares, o país asiático viu diversos golpes de Estado ao longo das últimas décadas, mas viu também muitos protestos e resistências a esses golpes. Jit continua inspirando esses movimentos, a despeito das tentativas de diluírem seu histórico revolucionário e radical. A maior prova disso vem não só da sua persistente influência intelectual, mas do seu túmulo. Para os habitantes da vila onde ele foi morto, Jit se tornou uma espécie de santo, recendo orações e preces de pessoas simples que sonham com uma vida melhor [PIYADA 2018, p.116]. Décadas depois de morto, Jit finalmente penetrou fundo, mesmo que de uma forma que ele não previu, no coração do povo tailandês.

 

Referências

Tiago Ferreira é doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor do Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade Thammasat, na Tailândia.

 

AtiPhop Phataradetpaisan, เสียงเพลง วัฒนธรรม อำนาจ. (“Música, Cultura, Poder”), Bangkok: Samnakphim Matichon, 2013.  

Flood, Thadeus. The Thai left wing in historical context. Bulletin of Concerned Asian Scholars, 7:2, 55-67, 1975. DOI: 10.1080/14672715.1975.10406373

KASIAN Tejapira. Commodifying Marxism. The formation of Modern Thai Radical Culture, 1927-1958. Kyoto: Kyoto University Press, 2001.

PAYUTTO, P.A. Buddhadhamma: The Laws of Nature and Their Benefits to Life. Bangkok: Buddhadhamma Foundation, 2019.

Piyada Chonlaworn. Jit Phumisak and His Images in Thai Political Contexts. Southeast Asian Studies, Vol. 7, No. 1, April 2018, pp. 103–119.

Reynolds, Craig J. Thai Radical Discourse: The Real Face of Thai Feudalism Today. Ithaca, New York: Cornell Southeast Asian Program, 1987.

Ruenruthai Sujjapun. Literature for Life. Chulalongkorn University. Manusya: Journal of Humanities. 2 (3): 92-107, 2000.

SUWANNTHAT-PIAN, Kobkua. Thailand’s durable premier: Phibun through Three Decades 1932-1957. Oxford University Press: New York, 1995.

Thanapol Limapichart. Literature for Life: The Context and Conditions of Its Emergence in Thailand, 1940s-50s. Asiatic: IIUM Journal of English Language and Literature. 5 (2): 40-60, 2011.

Thikan Srinara, การกีดกันความเป็นคอมมิวนิสต์ออกจากจิตร ภูมิศักดิ์ หลังพคท (“A Desconstrução da Imagem Comunista de Jit Phumisak depois do PCT). Journal of History,  vol. 36, 2012. Disponível em https://ejournals.swu.ac.th/index.php/JOH/article/view/2578. Acessado em 16 de novembro de 2024.

 

Músicas:

Jit Phumisak. แสงดาวแห่งศรัทธา (Luz Estelar da Fé). Disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=QVbTzDlwVHw. Acessado em 21 de novembro de 2024.

Jit Phumisak. อาณาจักรแห่งความรัก (Reino do Amor). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9Cvee29KetM. Acessado em 21 de novembro de 2024.

 

2 comentários:

  1. Olá Tiago!

    Agradeço a oportunidade de leitura!
    A pergunta que tenho é sobre uma possível genealogia de crítica radical na Tailândia pré envolvimento com pensamentos europeus.

    Tenho mais envolvimento com as questões do Japão e, por isso, meus exemplos são quase todos de lá. No Japão durante o Período Edo (que é analogicamente associado ao feudalismo, o que tem lá seus problemas, mas isso é outro assunto), o confucionismo e o budismo eram a base epistêmica e religiosa do sistema de governo de então. Nesse cenário, existiu pelo menos um pensador, Andô Shoeki (1703-1762), que trabalhava essa base de forma radicalmente crítica, mesmo negativa. O autor negava todas as divisões de castas de então e, em essencia, advogava pela igualdade entre todos em uma espécie de socialismo agrário utópico característico do Japão. Nisso, Shoeki passou a ser associado anacronicamente à movimentos da esquerda radical japonesa. A pergunta que tenho, então, é: você tem notícia de algum pensador que, articulando a episteme de seu tempo, tenha desenvolvido uma possível genealogia que possa ser associada, ainda que imperfeitamente, ao movimento mais amplo de defesa radical na região que hoje é a Tailândia?

    Felipe Chaves Gonçalves Pinto

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  2. Boa tarde, Felipe.

    Obrigado pela pergunta.

    Na verdade, eu desconheço qualquer autor que tenha desenvolvido uma crítica radical antes da introdução do pensamento europeu. Existiu, é claro, a influência de chineses radicais, mas estes já tinham sido influenciados pelo marxismo previamente. Aliás, a esquerda tailandesa é toda fundada por imigrantes chineses, que fizeram no Sião, de alguma forma, o papel que os italianos anarquistas fizeram no Brasil. Tudo que poderia ser considerado uma "tradição filosófica" siamesa/tailandesa até o século XX era desenvolvida por monges e nenhum deles foi um radical nesse sentido. O que vai mudar a Tailândia é o contato com chineses comunistas, de um lado, e com europeus, de outro, em especial a elite tailandesa que ia estudar fora do país. Tanto que a Revolução de 1932 que derrubou o regime "absolutista" foi liderada por tailandeses que foram educados na França e aprenderam sobre o Iluminismo e o Socialismo. A partir daí, eles tentam adaptar essas ideais ao seu contexto local, em especial ao budismo. O Jit, por exemplo, faz isso, apesar dele supostamente ser anti-budista.
    Mas a verdade é que os conservadores sempre foram muito eficientes no uso do budismo para manter o status quo. Até hoje a estrutura budista tailandesa é fortemente controlada pelo Estado. O parlamento, por exemplo, tem poder de expulsar monges da instituição da sangha. Recentemente um monge jovem que se disse comunista foi expulso da ordem, e outros dois monges que fizeram críticas aos militares foram obrigados a prestar contas ao parlamento e depois decidiram deixar o manto para não sofrerem represálias.

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