Jit Phumisak e a popularização do marxismo na
Tailândia através das artes (1950-1976)
Apesar
de ter sido peça relevante no tabuleiro da Guerra Fria na Ásia, há reduzido
interesse da academia na introdução e propagação de ideias comunistas na
Tailândia em comparação ao atrativo desperto por nações vizinhas do sudeste
asiático. Isso possivelmente se dá porque, enquanto países como Laos, Camboja e
Vietnã se tornaram comunistas, a Tailândia, pelo contrário, serviu de base
(tanto militar quanto ideológica) para operações norte-americanas contra o
avanço do comunismo na região. Com tantas revoluções comunistas bem-sucedidas
no sudeste da Ásia, a Tailândia, que permaneceu firmemente do lado
norte-americano durante a Guerra Fria, acaba recebendo menor atenção de
historiadores e estudiosos do marxismo fora da Ásia.
Entretanto,
a história do avanço dos ideais socialistas e comunistas no pequeno reino
asiático pode revelar surpresas, ajudar a preencher lacunas e ainda
possibilitar diálogos com a América Latina. Nesse sentido, Jit Phumisak
(จิตร ภูมิศักดิ์) (1930-66),
historiador, filólogo, músico, poeta, revolucionário tailandês e um dos maiores
expoentes do marxismo na história da Tailândia, representa um capítulo
importante na história intelectual e política do sudeste asiático, visto que ele
foi, ao lado de Pridi Banomyong, o maior nome da esquerda tailandesa no século
XX.
Neste
texto, pretendo introduzir o leitor à vida e ao contexto histórico de Jit
Phumisak, dando ênfase à sua produção intelectual sobre arte, possivelmente seu
maior legado, impulsionado sobretudo durante o curto período democrático
(1973-76), quando o conceito defendido por ele de “arte pela vida” se
torna dominante nos meios artísticos, intelectuais e estudantis da Tailândia.
As
ondas de esquerda na Tailândia do século XX
Os
ideais socialistas e ou marxistas começaram a penetrar no antigo reino do Sião
nos anos de 1920, antes do país mudar seu nome para Tailândia. Os
sino-tailandeses desempenharam um papel vital nesse processo, pois muitos deles
tinham contato direto com o Partido Comunista da China e do Vietnã [KASIAN
2001, pp.18-24].
A
segunda geração de movimentos contestatórios de esquerda na Tailândia se dá
entre intelectuais tailandeses e sino-tailandeses das áreas urbanas durante os
regimes autoritários de Phibun (1948-57) e Sarit (1958-63). Jit faz parte dessa
geração, tendo escrito livros muito influentes, especialmente Chomna Sakdina
Thai (โฉมหน้าศักดินาไทย, “A Face do
Feudalismo Tailandês” em português) e Sila Pheua Chiwit Sila Pheua
Prachachon (ศิลปะเพื่อชีวิต ศิลปะเพื่อประชาชน, “Arte pela vida,
Arte pelo povo”), ambos de 1957. [Flood
1975, pp.58-59].
Morto
em 1966, Jit não veria a terceira onda de esquerda, dominada pelos estudantes
universitários dos anos de 1970. Entretanto, se não estava presente fisicamente,
suas ideias foram mais do que presentes, foram a inspiração dos revolucionários
de 73 [Ruenruthai 2000, p.100],
convertendo-o num dos grandes ícones políticos da história tailandesa.
A
breve vida de Jit
Jit
nasceu em 25 de setembro de 1930 na província de Prachinburi, na Tailândia, mas
passou parte da sua infância no Camboja, onde sua família trabalhou para o
governo tailandês que ocupava a porção oeste do país. Sabe-se pouco sobre o seu
pai. Aparentemente ele abandonou a família depois que voltaram do Camboja em
1946. A mãe de Jit, que passou a criar os filhos sozinha, levou o rapaz e sua
irmã para Bangkok onde poderiam continuar os estudos [REYNOLDS 1987, pp 18-19].
Jit, um aluno brilhante, seria aceito na Universidade Chulalongkorn em 1950,
passando a estudar línguas e história [PIYADA 2018, p.105].
Apesar
da fama de aluno indisciplinado, o talento de Jit rapidamente se fez conhecido
nos círculos literários e eruditos de Bangkok. Mesmo antes de ingressar na
universidade, já escrevia artigos para jornais estudantis e demonstrava talento
para a filologia e a história. Um de seus artigos publicado em 1950 chamou a
atenção de um linguista estadunidense radicado na Tailândia, William Gedney,
que escreveu para Jit para elogiar seu trabalho. Jit passou a trabalhar para
Gedney, auxiliando o norte-americano com a língua e os estudos tailandeses, bem
como com traduções do/para o inglês. [REYNOLDS 1987, p.22].
É
incerto em que exato momento Jit se tornou comunista. É provável que sua
conversão tenha ocorrido gradualmente, ao longo de um processo de estudo e
leitura de livros e textos a que teve acesso. Entretanto, é certo que Jit já
era um completo marxista em meados dos anos 50, o que leva a crer que os anos
na universidade foram decisivos nessa transformação, apesar do conservadorismo
da Universidade Chulalongkorn [PIYADA 2018, p.108].
Em
1953, Jit foi eleito editor do anuário da universidade, e embora admirado por
seu domínio da língua tailandesa, causava desconforto no campus porque expunha
em publicações universitárias suas posições críticas, que eram entendidas como
subversão política. Ao longo do ano acadêmico de 1953, Jit trabalhou duro no
anuário, reuniu diversos poemas e escritos, dentre os quais dois chamaram
atenção — um poema sobre a maternidade; o outro, uma crítica materialista
histórica do budismo — e os enviou para a publicação [REYNOLDS 1987, p.31].
As
autoridades universitárias, lideradas sobretudo pelo professor anticomunista
Sumonnachat Sawatdikun, reagiram censurando o anuário e exigindo a renúncia de
Jit do papel de editor. Foi designada uma espécie de audiência pública no dia
28 de outubro onde seria explicado o motivo do banimento do anuário. Jit
acabaria sendo acusado de comunismo e convocado ao palco do evento para se
explicar. A eloquência de Jit, entretanto, mudou a opinião geral a seu favor.
Ele alegou que apenas queria romper com a tradição e produzir um anuário mais
atraente. Foi então que estudantes de Engenharia (conhecidos como nakleng,
algo como “valentões” em português), os mais conservadores da universidade,
invadiram o palco, agarraram Jit e o arremessaram contra o chão, fazendo-o
perder a consciência. O episódio é tão marcante que é referido em tailandês
como korani yonbok (O incidente do arremesso contra o chão) [REYNOLDS
1987, p.31].
É
possível entender toda essa histeria se levarmos em conta o contexto histórico.
Um ano antes, o ditador do país, Plaek
Phibunsongkhram (ou somente Phibun) havia iniciado uma caça
às bruxas contra o comunismo, numa aliança entre os militares tailandeses e o
governo dos Estados Unidos [SUWANNTHAT-PIAN, pp.273-291]. O expurgo de 1952,
desencadeado pela Revolta da Paz (um movimento de protesto contra a
participação tailandesa na Guerra da Coreia) inaugurou uma práxis “macarthista”
na Tailândia, simbolizada pela promulgação do Estatuto Anticomunista de 13 de
novembro de 1952. Qualquer menção à monarquia ou ao budismo de maneira
não-ortodoxa poderia ser facilmente enquadrada nesse dispositivo legal [PIYADA
2018, p.105].
Gedney,
que ironicamente era conhecido por ajudar as autoridades estadunidenses na
confecção de propagandas anticomunistas, deu uma entrevista defendendo Jit das
acusações, o que só piorou a situação. A histeria passou a incluir também
Gedney, que foi acusado pelos conservadores tailandeses de ser um comunista
disfarçado que estaria doutrinando jovens tailandeses inocentes como Jit. A
situação escalou a tal ponto que o primeiro-ministro Phibun emitiu uma
declaração dizendo que o assunto estava nas mãos da polícia [REYNOLDS 1987,
p.32].
O
que dava mais substância à teoria conspiratória era o fato da embaixada
norte-americana ter pedido para Gedney traduzir O manifesto comunista
para o tailandês. O objetivo não era, obviamente, promover o marxismo, mas sim
“assustar” as autoridades tailandesas para que tomassem medidas enérgicas
contra o comunismo. A questão é que Gedney não se sentia seguro em traduzir a
obra sozinho e contratou Jit para ajudá-lo, coisa que ele já tinha feito antes
em diversas ocasiões. Entretanto, o que era apenas uma coincidência se tornou
evidência para os detratores de Gedney e Jit. [REYNOLDS 1987, p.32]. O desfecho
desse imbróglio foi o banimento de Gedney em janeiro de 54, e o ostracismo de
Jit, obrigado a abandonar os estudos temporariamente e a reportar-se para a polícia
regularmente [REYNOLDS 1987, p.31]. Jit foi trabalhar numa escola como
professor e também no jornal Traimai. Retornaria à universidade em 55 e
se formaria dois anos depois.
Nos
próximos anos ele continuará exercendo trabalhos nas áreas de ensino e jornalismo.
Em 1957 lança seu livro mais importante sobre arte, que serviria de base para o
movimento Arte para a Vida nos anos 70, o ensaio Sila Pheua Chiwit
Sila Pheua Prachachon (Arte pela vida, Arte pelo povo). Ainda em 1957, Jit
é convidado a escrever um texto de história para o anuário da Faculdade de
Direito da Universidade Thammasat e publica Chomna Sakdina Thai (A Face
do Feudalismo Tailandês), hoje um marco na historiografia tailandesa. Ele tinha
apenas 27 anos e ainda se preparava para ingressar no mestrado em Educação.
[REYNOLDS 1987, pp.32-34].
A
queda do ditador Phibun e a ascensão em outubro de 58 de outro militar mais
repressor e sanguinário, o general Sarit Thanarat, se mostraria um
grande desastre para os intelectuais progressistas do país. Grande parte deles,
incluindo Jit, acabariam presos sem direito a julgamento [REYNOLDS 1987, p.36;
PIYADA 2018, p.106]. Durante os seis anos na prisão, Jit escreveria
prolificamente, desde ensaios e estudos etnológicos, até canções e poemas.
[PIYADA 2018, p.115].
Seria
solto em dezembro de 1964 e, meses depois, decide se dirigir às selvas do
interior, onde o Partido Comunista da Tailândia (PCT) liderava uma insurgência
contra o governo. Era novembro de 1965 quando Jit partiu. Em 5 de maio de 1966
seria morto a tiros na província de Sakhon Nakhon aos 35 anos de idade. Apesar
do PCT tratar Jit como um membro pleno depois de sua morte, sabe-se que ele
nunca chegou a ser filiado, o que só veio a ocorrer retroativamente, quando o
partido queria surfar na onda de sua imensa popularidade. Jit tinha um estilo
de vida insubmisso, o que o levou a entrar em choque com o PCT ainda quando
estava na prisão. Udom Sisuwan, principal líder do PCT nessa época,
gostava de manter os mais jovens sob sua tutela, no velho sistema tailandês de
senioridade, onde os mais velhos mandam e os mais novos obedecem. Jit não era o
tipo que obedecia facilmente. Além do problema hierárquico, Jit também
discordava de Udom ideologicamente. Seu livro Chomna Sakdina Thai se
opunha a ideias do livro de Udom, ไทยกึ่งเมืองขึ้น (“Tailândia, uma semicolônia”).
[REYNOLDS 1987, pp.37-38].
A
causa de sua morte ainda é motivo de especulação até hoje. Alguns relatos
apontam que ele foi morto por aldeões influenciados pela tática de
contra-insurgência criada pelos franceses na Indochina e depois desenvolvida
pelos estadunidenses no Vietnã. Tailandeses que estudaram no exterior contam
histórias de um homem que teria confessado dar o tiro fatal em Jit e que teria
recebido de presente do governo estadunidense uma viagem para o Havaí. Uma das
versões mais famosas de sua morte é a de que ele estava com fome e pediu arroz
para uma senhora aldeã, que o denunciou para o chefe da aldeia. Essa versão
aumentou ainda mais a popularidade de Jit na geração de 70, pois solidificou a
imagem de um herói que depositava fé no povo, perdendo a sua vida por confiar
na honestidade do povo simples. [REYNOLDS 1987, pp. 38-40].
Jit
e a Arte pela Vida
Jit
foi “redescoberto” nos anos 70 por alunos de um clube literário da Universidade
Thammasat, que encontraram um volume de Sila Pheua Chiwit Sila Pheua
Prachachon (Arte pela vida, Arte pelo povo) na biblioteca da instituição.
Inicialmente eles não conseguiram identificar o autor, que assinou a obra sob
um pseudônimo [REYNOLDS 1987, p.39]. Entretanto, a partir desse momento, Jit se
tornou uma celebridade, primeiro entre os progressistas (comunistas ou não), e
mais recentemente, entre conservadores e monarquistas [PIYADA 2018, p.115].
A
obra Sila Pheua Chiwit Sila Pheua Prachachon, respondia aos anseios dos
escritores e artistas progressistas da Tailândia dos anos 70. Apesar do termo
“Arte pela vida” se originar com o poeta Atsani Phonlajan (1918-87), foi
Jit quem consolidou esse movimento artístico no imaginário popular. O autor
tailandês foi bastante influenciado pela obra “O que é arte?” de Tolstói,
segundo a qual o artista deve fazer uma arte que coloca o povo no centro [Ruenruthai 2000, p.93]. A arte que
serve ao povo, segundo Jit, é “aquela que desperta o povo para a realidade
objetiva da vida, impulsionando uma reviravolta em suas vidas” [Thanapol 2011, p.56]. Jit costumava utilizar a metáfora da lança e do lampião
para se explicar. Dizia ele que a lança serviria “para ferir os inimigos do
povo – os inimigos que tornam suas vidas miseráveis” enquanto a lâmpada ajuda a
guiar o povo a melhores condições ao revelar as causas da exploração social e
como subvertê-las [Thanapol 2011, p.56].
Segundo
Jit, uma Literatura para Vida deveria seguir quatro princípios: “1)
revelar a feiura da vida real; 2) revelar a origem dessa feiura; 3) revelar as
maneiras de transformar essa feiura em beleza; 4) revelar exemplos da beleza da
vida vindoura” [Ruenruthai 2000, p.94].
Essa formulação em quatro etapas parece ser uma clara referência às Quatro
Nobres Verdades do Budismo, numa reinterpretação marxista.
As
Quatro Nobres Verdades se referem ao desejo de Buda de eliminar o sofrimento
mental e interromper o ciclo de renascimentos. De acordo com o Buda, a
felicidade é sempre temporária e impermanente (primeira verdade), e a
impermanência da felicidade é causada pelo incessante desejo da mente que nunca
pode ser saciado (segunda nobre verdade). O Buda, portanto, propõe que seria
possível encontrar um estado de bem-estar genuíno se o desejo insaciável fosse
eliminado (terceira nobre verdade) e o caminho budista seria o tratamento para
alcançar esse objetivo (quarta nobre verdade) [PAYUTTO 2019, pp.1455-57]. Essa
técnica do Buda se assemelha ao procedimento de um médico, onde primeiro
verificam-se os sintomas (insatisfação e sofrimento), depois propõe-se um
diagnóstico (o desejo insaciável causa a doença da mente), seguido da proposta
de tratamento (eliminar a causa da doença através do caminho budista). Jit
aceita a abordagem filosófica pragmática do budismo, mas desloca o foco da
mente para a matéria. Ele propõe uma arte popular que faça pela condição
material do povo o que o budismo propõe ser feito no plano mental/espiritual. O
artista deve, portanto, tal qual o Buda e a medicina, procurar dar um
diagnóstico sobre a origem dos males e propor um tratamento, um antídoto para
eles.
Levando
em conta essa proposta, Jit irá desferir uma crítica ferrenha aos temas e
pontos de vista predominantes na literatura siamesa/tailandesa até o começo dos
anos de 1930. Dominada por poemas aristocráticos, essa antiga literatura foi
acusada por Jit de excluir o povo. O gênero Rueang Chakchak Wongwong
(contos populares sobre personagens da realeza de um passado imaginário), por
exemplo, foi classificado por ele como um instrumento da elite governante para
fazer lavagem cerebral no povo e reforçar o sistema Sakdina (termo
tailandês geralmente traduzido como “feudalismo”). De acordo com Jit, esses
contos comumente retratavam a elite governante através de personagens formosos
e talentosos, ao mesmo tempo em que os pobres eram vilões ou palhaços. Pessoas
boas eram aquelas que eram leais à classe dominante [Thanapol 2011, p.57].
Apesar
de suas críticas ao Sakdina e à sua arte, Jit acreditava que ele e seus
contemporâneos não estavam inventando a Arte pela Vida. Essa perspectiva teria
existido em todos os períodos da história, mesmo que fosse minoritária. Havia,
por exemplo, os poemas atribuídos ao poeta Si Prat no período Ayuthaya, e a
peça teatral Raden Lan Dai (ระเด่นลันได) de Phra Mahamontri no período inicial de
Bangkok. Essas obras refletiriam, segundo Jit, o espírito de luta das pessoas
comuns [Thanapol 2011, p.57]. Em outras palavras, eram obras
onde os protagonistas eram plebeus que enfrentavam dilemas do povo e venciam
obstáculos que só afligiam os mais pobres. Jit, portanto, entende a Arte pela
Vida como um movimento ao mesmo tempo inovador e tradicional, rompendo com o
Sakdina, mas honrando obras artísticas do passado que não estavam completamente
pactuadas com ele.
As
músicas de Jit e seu atual legado disputado
De
todos os legados artísticos de Jit, as músicas são as mais populares. Através
de um processo semelhante ao que ocorreu com Che Guevara no Ocidente, Jit foi
lentamente incorporado ao discurso dominante [Thikan
2012]. Hoje, suas populares canções são cantadas por diferentes grupos
políticos durante protestos e manifestações, inclusive por monarquistas, mesmo
Jit sendo contra essa forma de governo [PIYADA 2018, p.115]. Sendo uma
personalidade pop, Jit surge com diferentes faces em diferentes
contextos. Para estudantes de literatura, ele é um teórico da arte; para
historiadores, fonte de pesquisa sobre o período absolutista; para estudiosos
da língua tailandesa, um grande filologista. E para o público em geral, ele é o
autor de músicas que inspiram a lutar, seja qual for a sua ideologia política.
Muita
gente não conhece com precisão a que se referem as letras de suas canções. Seng
Dao Heng Satha (แสงดาวแห่งศรัทธา)
ou “Luz Estelar da Fé”, por exemplo, fala sobre a certeza de Jit que a prisão
não seria capaz de deter o brilho da estrela, numa referência à estrela usada
como símbolo do movimento comunista [ATIPHOB 2013, pp.184-187]. Na canção อาณาจักรแห่งความรัก (Reino do Amor), por
exemplo, fala não do amor romântico, mas do amor das classes subalternizadas. O
verso diz:
“o
amor verdadeiro do coração se espalha pelo céu, tal qual um pássaro voando. O
reino do amor se estende ao povo (...) Nenhuma vida é inútil. Fique; espere
pelo brilhante futuro. Espalhe o amor, agora limitado, para os corações
daqueles que sofrem por toda a terra”.
Jit
morreu jovem sem ver a Tailândia progredir para uma sociedade mais livre. Até
hoje governada total ou parcialmente por militares, o país asiático viu
diversos golpes de Estado ao longo das últimas décadas, mas viu também muitos
protestos e resistências a esses golpes. Jit continua inspirando esses
movimentos, a despeito das tentativas de diluírem seu histórico revolucionário
e radical. A maior prova disso vem não só da sua persistente influência
intelectual, mas do seu túmulo. Para os habitantes da vila onde ele foi morto,
Jit se tornou uma espécie de santo, recendo orações e preces de pessoas simples
que sonham com uma vida melhor [PIYADA 2018, p.116]. Décadas depois de morto,
Jit finalmente penetrou fundo, mesmo que de uma forma que ele não previu, no
coração do povo tailandês.
Referências
Tiago
Ferreira é doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor
do Departamento de Estudos Latino-Americanos da Universidade Thammasat, na
Tailândia.
AtiPhop Phataradetpaisan, เสียงเพลง
วัฒนธรรม อำนาจ.
(“Música,
Cultura, Poder”), Bangkok: Samnakphim Matichon, 2013.
Flood, Thadeus. The Thai left wing in historical context.
Bulletin of Concerned Asian Scholars, 7:2, 55-67, 1975. DOI:
10.1080/14672715.1975.10406373
KASIAN
Tejapira. Commodifying Marxism. The formation of Modern Thai Radical Culture,
1927-1958. Kyoto: Kyoto University Press, 2001.
PAYUTTO, P.A. Buddhadhamma: The Laws of
Nature and Their Benefits to Life. Bangkok: Buddhadhamma Foundation, 2019.
Piyada Chonlaworn. Jit Phumisak and His Images in
Thai Political Contexts. Southeast Asian Studies, Vol. 7, No. 1, April 2018,
pp. 103–119.
Reynolds, Craig J. Thai Radical Discourse: The Real
Face of Thai Feudalism Today. Ithaca, New York: Cornell Southeast Asian
Program, 1987.
Ruenruthai Sujjapun. Literature
for Life. Chulalongkorn University. Manusya: Journal of
Humanities. 2 (3): 92-107, 2000.
SUWANNTHAT-PIAN, Kobkua. Thailand’s durable
premier: Phibun through Three Decades 1932-1957. Oxford University Press: New
York, 1995.
Thanapol
Limapichart. Literature for Life: The Context and Conditions of Its
Emergence in Thailand, 1940s-50s. Asiatic: IIUM Journal of English
Language and Literature. 5 (2): 40-60, 2011.
Thikan Srinara, การกีดกันความเป็น ‘คอมมิวนิสต์’ ออกจากจิตร ภูมิศักดิ์ หลังพคท (“A Desconstrução da
Imagem Comunista de Jit Phumisak depois do PCT). Journal of History, vol. 36, 2012. Disponível em https://ejournals.swu.ac.th/index.php/JOH/article/view/2578.
Acessado em 16 de novembro de 2024.
Músicas:
Jit Phumisak. แสงดาวแห่งศรัทธา (Luz Estelar da Fé).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QVbTzDlwVHw.
Acessado em 21 de novembro de 2024.
Jit Phumisak. อาณาจักรแห่งความรัก (Reino do Amor).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9Cvee29KetM.
Acessado em 21 de novembro de 2024.
Olá Tiago!
ResponderExcluirAgradeço a oportunidade de leitura!
A pergunta que tenho é sobre uma possível genealogia de crítica radical na Tailândia pré envolvimento com pensamentos europeus.
Tenho mais envolvimento com as questões do Japão e, por isso, meus exemplos são quase todos de lá. No Japão durante o Período Edo (que é analogicamente associado ao feudalismo, o que tem lá seus problemas, mas isso é outro assunto), o confucionismo e o budismo eram a base epistêmica e religiosa do sistema de governo de então. Nesse cenário, existiu pelo menos um pensador, Andô Shoeki (1703-1762), que trabalhava essa base de forma radicalmente crítica, mesmo negativa. O autor negava todas as divisões de castas de então e, em essencia, advogava pela igualdade entre todos em uma espécie de socialismo agrário utópico característico do Japão. Nisso, Shoeki passou a ser associado anacronicamente à movimentos da esquerda radical japonesa. A pergunta que tenho, então, é: você tem notícia de algum pensador que, articulando a episteme de seu tempo, tenha desenvolvido uma possível genealogia que possa ser associada, ainda que imperfeitamente, ao movimento mais amplo de defesa radical na região que hoje é a Tailândia?
Felipe Chaves Gonçalves Pinto
Boa tarde, Felipe.
ResponderExcluirObrigado pela pergunta.
Na verdade, eu desconheço qualquer autor que tenha desenvolvido uma crítica radical antes da introdução do pensamento europeu. Existiu, é claro, a influência de chineses radicais, mas estes já tinham sido influenciados pelo marxismo previamente. Aliás, a esquerda tailandesa é toda fundada por imigrantes chineses, que fizeram no Sião, de alguma forma, o papel que os italianos anarquistas fizeram no Brasil. Tudo que poderia ser considerado uma "tradição filosófica" siamesa/tailandesa até o século XX era desenvolvida por monges e nenhum deles foi um radical nesse sentido. O que vai mudar a Tailândia é o contato com chineses comunistas, de um lado, e com europeus, de outro, em especial a elite tailandesa que ia estudar fora do país. Tanto que a Revolução de 1932 que derrubou o regime "absolutista" foi liderada por tailandeses que foram educados na França e aprenderam sobre o Iluminismo e o Socialismo. A partir daí, eles tentam adaptar essas ideais ao seu contexto local, em especial ao budismo. O Jit, por exemplo, faz isso, apesar dele supostamente ser anti-budista.
Mas a verdade é que os conservadores sempre foram muito eficientes no uso do budismo para manter o status quo. Até hoje a estrutura budista tailandesa é fortemente controlada pelo Estado. O parlamento, por exemplo, tem poder de expulsar monges da instituição da sangha. Recentemente um monge jovem que se disse comunista foi expulso da ordem, e outros dois monges que fizeram críticas aos militares foram obrigados a prestar contas ao parlamento e depois decidiram deixar o manto para não sofrerem represálias.