Suéllen Gentil e Clara Moraes

 

DESISTÊNCIA COMO FORMA DE RESISTÊNCIA: DISCUTINDO A GERAÇÃO N-PO POR MEIO DO FILME MICROHABITAT (2017)


Nas últimas décadas, a Coreia do Sul teve um declínio significativo na taxa de natalidade (número de nascidos vivos a cada mil habitantes de um determinado local) e atualmente possui a menor taxa de fertilidade (0.72 filhos por mulher - estima o número médio de filhos que uma mulher terá ao longo da vida em uma determinada região) pelos dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Juntamente com esse fenômeno, há um aumento na expectativa de vida da população, aumentando, assim, o número de idosos na Coreia do Sul. Essas duas características são cruciais para o entendimento econômico e político da sociedade coreana na atualidade [OCDE, 2024].

 

Acrescido a essas duas características, o papel da mulher na sociedade coreana vem sofrendo algumas mudanças atreladas ao alto grau de instrução e ao desempenho de papeis sociais que a leva a priorizar a carreira na maioria das vezes [Choi, S. et al, 2024]. Esses três pontos são cruciais para o entendimento de algumas mudanças socioeconômicas no país. Aumento acirrado de exigência educacional, aumento do desemprego, aumento da pauperização e aumento do custo de vida são algumas características que fizeram o jovem apelidar a Coreia do Sul de “Hell Joseon” (Inferno Joseon ou Coreia Infernal). A juventude se sente pressionada por alta performance ao mesmo tempo que não possui estabilidade financeira e vive uma vida de ausências. Essa instabilidade social resulta em um movimento conhecido como Geração N-po. Esta expressão, que pode ser entendida como "geração da desistência", refere-se aos jovens que, diante das pressões socioeconômicas crescentes, optaram por renunciar a diversos aspectos tradicionalmente considerados marcos da vida adulta, como casamento, filhos, casa própria e ascensão profissional [Cho & Stark, 2016].

 

Apesar da denominação Geração N-po, não se trata de apenas uma geração, mas sim de um problema transgeracional diretamente ligado à juventude, abarcando pessoas entre os 19 e 39 anos na Coreia do Sul [Lally, 2022]. Uma das primeiras análises dos resultados da precariedade do trabalho, do neoliberalismo e do empobrecimento dos jovens sul-coreanos surge em 2007 no livro 880,000 won generation, escrito pelo sociólogo Woo Suk-hoon e expõe a realidade material que muitos jovens enfrentavam, os levando a abrir mão de diversos valores. Sendo assim, a juventude estava fadada a ter empregos temporários que pagavam mal e precisavam escolher prioridades diante da instabilidade financeira. Essa realidade se manteve e se agravou no decorrer do tempo.

 

Essa realidade é resultado das diversas crises locais e globais que interferem na dinâmica interna do país. Dentre elas, podemos citar: Fim da colonização japonesa na Coreia, Guerra da Coreia, Boom industrial da Coreia do sul entre 1960 e 1970, gerando um fluxo imigração na Coreia do Sul sem que o governo conseguisse estabilizar as demandas crescentes decorrentes desse influxo; Olimpíadas de Seul, houve um grande número de desapropriação e de demolição de casas, além de um projeto de reurbanização inflacionada gerando muitos desabrigados e outros em situação de insegurança habitacional- ; crise financeira asiática em 1997 - período de recessão econômica - e a crise financeira global de 2007. Todos esses períodos levaram a um aumento do custo de vida, aumento da carga horária de trabalho e aumento da instabilidade financeira.

 

Como consequência desses problemas estruturais, surge a “Geração Po” [포세대] que consiste em uma geração que é forçada a desistir de inúmeras coisas. O “N” da geração po deriva da ideia de inúmeros valores que os jovens vão sendo obrigados a abrir mão no decorrer do tempo. Em 2011 surge a ideia de desistir de 3 valores: namoro, filho e casamento. Por serem 3 valores, a geração ficou conhecida como “Geração Sam-po” [삼포세대], sendo [Sam] três em coreano. A partir desse momento, valores vão sendo acrescentados à medida que a sociedade se sente cada vez mais sufocada. A geração Oh-po [오포세대, significa cinco em coreano] se refere a um grupo de jovens que desistiram de 5 valores: os três acima, emprego e casa própria. A geração Chil-po [칠포세대, significa sete em coreano] se refere a um grupo de jovens que desistiram de 7 valores: os cinco acima, relações interpessoais e esperança. A geração Gu-po [구포세대, significa nove em coreano] se refere a um grupo de jovens que desistiram de 9 valores: os 7 acima, saúde e aparência física. E a geração Sip-po [십포세대, significa dez em coreano] se refere ao grupo de jovens que desistem completamente de tudo, incluindo a própria vida.

 

Na tabela abaixo, temos essas gerações esquematizadas para ajudar a entender melhor cada uma delas, lembrando que cada geração absorve as demandas da geração anterior, sendo, então, cumulativas.

 

Tabela 1: As gerações e seus respectivos valores perdidos.

 

Todo esforço se concentra em construir bons currículos para concorrer a uma possível vaga de trabalho efetiva, tendo como objetivo conseguir cuidar de si mesmo. Essa individualização é algo que contrasta com a organização social sul-coreana baseada em um coletivismo cultural, resultando em um descolamento da realidade e, portanto, na produção de uma anomia seguindo o conceito de Durkheim. Esse descolamento da realidade gera toda uma desestruturação social que leva o jovem sul-coreano a perder paulatinamente a capacidade de esperançar dias melhores. Por isso, ele se volta ao momento atual e tenta extrair o possível para sobreviver. A intensificação neoliberal após a crise de 1997 em nome da melhora na competitividade internacional levou à precarização do trabalho, a demissões em massa de trabalhadores regulares e  à diminuição da qualidade de vida dos trabalhadores. Esse movimento gera diversos problemas sociais na atualidade: aumento da pauperização social, desemprego dos jovens e produção em massa de empregos irregulares [Shim, 2017].

 

A consequência de todos esses problemas sociais é uma juventude que se desliga da sociedade, disseminando frustração e desesperança. Sendo assim, há um aumento rápido na taxa de suicídio que é diretamente proporcional ao desinteresse do jovem pelo mercado de trabalho [Shim, 2017]. Algumas características dessa geração estão presentes no filme Microhabitat. E, portanto, este trabalho se propõe a analisar como essa geração foi abordada no filme.

 

Representações da Geração N-po em Microhabitat (2017)

Microhabitat (2017) é um fillme sul-coreano dirigido e escrito por Jeon Go-woon. A obra é protagonizada por Esom (이솜), no papel de Mi-so, e Ahn Jae-hong (안재홍), como Han-sol. Com uma duração de 106 minutos, o longa combina drama, comédia e romance, apresentando uma crítica social sobre a precariedade econômica e a busca por sentido e prazer em uma sociedade moderna. O filme foi amplamente aclamado, recebendo elogios pela crítica especializada e diversas premiações, incluindo o Audience Award no Seoul Independent Film Festival e o CGV Arthouse Award no Busan International Film Festival. A trilha sonora é assinada por Kwun Hyun-jeong, e a cinematografia, por Kim Tae-soo, traz elementos que contribuem para sua atmosfera introspectiva e envolvente.

 

A narrativa acompanha Mi-so, uma mulher na casa dos trinta que trabalha como empregada doméstica e personifica diversos aspectos desta geração. Sua vida, aparentemente simples, é sustentada por três pilares que ela considera essenciais: whisky, cigarros e o amor de seu namorado Han-sol, um aspirante a escritor de webtoons. Esta escolha por uma vida minimalista, inicialmente apresentada como uma preferência pessoal, gradualmente se revela como uma forma de resistência silenciosa ao modelo de sucesso imposto pela sociedade sul-coreana contemporânea.

 

O filme destaca-se pela sensibilidade com que retrata a precariedade econômica e a busca por liberdade individual em uma sociedade marcada pela competitividade extrema e pelo alto custo de vida, características que definem o contexto da geração N-po. A direção de Jeon Go-woon e a aclamada atuação de Esom no papel de Mi-so conseguem equilibrar momentos de comédia com uma crítica social profunda, sustentada por uma cinematografia cuidadosa e uma trilha sonora que amplifica o tom introspectivo da narrativa. Esta obra não apenas retrata, mas também questiona as estruturas sociais que levam jovens sul-coreanos a optarem pela "desistência" como forma de resistência ao sistema.

 

Em um contexto mais amplo, Microhabitat se insere em uma tendência do cinema sul-coreano contemporâneo de abordar questões sociais urgentes através de narrativas que mesclam gêneros e tons, seguindo a tradição de obras como Em chamas (2018) e Parasita (2019). Nesse sentido, o filme emerge como uma obra significativa para compreender as transformações sociais contemporâneas da Coreia do Sul, especialmente o fenômeno conhecido como a já mencionada geração N-po. Conforme aponta Lee:

 

“O filme aborda a difícil sobrevivência social da geração jovem, conhecida como geração N-po, que é ensinada e forçada a desistir de seus sonhos e objetivos desde tenra idade. Ele retrata uma era marcada por enormes barreiras impostas pela realidade, na qual muitos abandonam seus próprios desejos e vozes. O longa ganha ainda mais relevância ao lidar com essas duras realidades sociais a partir da perspectiva de Mi-so, uma protagonista feminina socialmente marginalizada, que se torna o principal elemento de conflito na narrativa. Por meio da figura singular de Mi-so, que aceita uma vida de renúncias, mas preserva firmemente seus gostos e pensamentos, é possível vislumbrar a afirmação de valor do diretor Jeon sobre a vida.” [Lee, 2019, p. 442, tradução própria]

 

No filme, quando confrontada com o aumento drástico no preço dos cigarros, Mi-so toma uma decisão radical que espelha o próprio conceito do N-po: em vez de abandonar seus pequenos prazeres, ela opta por abrir mão de seu apartamento, subvertendo a hierarquia tradicional de necessidades socialmente estabelecidas. A protagonista exemplifica de forma contundente as características da Geração N-po através de suas escolhas e modo de vida. Um momento especialmente significativo ocorre quando ela decide abandonar seu apartamento devido ao aumento do aluguel, optando por manter seus pequenos prazeres - cigarros e uísque - em detrimento de uma moradia fixa. Esta decisão radical reflete o posicionamento da Geração N-po de renunciar a determinados aspectos convencionais da vida adulta, demonstrando uma forma de resistência passiva ao sistema econômico opressivo que impossibilita a realização simultânea de todas as necessidades básicas de sobrevivência e satisfação pessoal.

 

Nesse contexto, sua subsequente jornada de reencontro com antigos amigos serve como um dispositivo narrativo que expõe o contraste entre diferentes respostas às pressões sociais: enquanto alguns seguiram o caminho convencional de empregos corporativos, casamento e propriedade, outros, como ela, escolheram rotas alternativas. As visitas que Mi-so faz aos seus antigos amigos de faculdade revelam outro aspecto crucial da Geração N-po: o contraste entre aqueles que se renderam às pressões sociais e aqueles que escolheram caminhos diferentes. Em cada encontro, observa-se como seus amigos, agora casados e empregados em trabalhos convencionais, representam a conformidade com as expectativas sociais, enquanto Mi-so persiste em sua escolha por uma vida minimalista e não convencional. Estas cenas evidenciam o dilema central da Geração N-po: a escolha entre adaptação ao sistema ou a renúncia deliberada aos padrões socialmente impostos.

 

A relação de Mi-so com seu trabalho como diarista também constitui um elemento analítico relevante. Sua recusa em procurar um emprego que se encaixe nos moldes mais tradicionais e respeitados socialmente, mesmo tendo formação universitária, ilustra a rejeição da dessa geração às pressões por sucesso profissional e ascensão social em detrimento de seu tempo e de seus desejos. O filme retrata com sensibilidade como esta escolha não deriva de preguiça ou falta de ambição, mas de uma decisão consciente de priorizar a autonomia e a satisfação pessoal.

 

Ainda sobre as conexões afetivas de Mi-so, o relacionamento da protagonista com seu namorado aspirante a quadrinista representa outro aspecto significativo da Geração N-po: a redefinição dos relacionamentos amorosos e da vida doméstica. A dinâmica entre o casal, que vive de forma precária mas mantém uma relação de companheirismo e compreensão mútua, demonstra como esta geração busca construir vínculos afetivos que não dependam necessariamente de estabilidade financeira ou conformidade com os padrões tradicionais de matrimônio e família. Além disso, assim como parte dos amigos de Mi-so, Han-sol não consegue se sustentar enquanto quadrinista e também termina por ceder às pressões sociais ao aceitar um emprego formal em uma empresa da Arábia Saudita, com o objetivo de conseguir comprar uma casa para os dois.

 

Outro ponto relevante é uma das cenas finais do filme, na qual a protagonista novamente desfruta de seu uísque e cigarro, reforçando a dimensão simbólica particular no contexto da Geração N-po. Estes pequenos luxos, aparentemente supérfluos diante de necessidades mais básicas, representam uma forma de resistência ao utilitarismo econômico e uma afirmação da importância do prazer individual em uma sociedade que privilegia a produtividade e o sacrifício pessoal. O filme demonstra como estes momentos de satisfação pessoal se tornam atos de preservação da individualidade em um contexto social opressivo.

 

A mobilidade constante de Mi-so entre as casas de seus amigos, dormindo em sofás e espaços improvisados, reflete materialmente a condição da Geração N-po de existir nos interstícios do sistema econômico convencional. Esta situação de nomadismo urbano, embora precária, representa uma forma de adaptação criativa às impossibilidades impostas pelo mercado imobiliário e pelo sistema econômico coreano, evidenciando como esta geração desenvolve estratégias alternativas de sobrevivência que desafiam as expectativas sociais convencionais.

 

Por fim, ainda nesse contexto, a cena final na qual a jornada nômade de Mi-so resulta nela morando em um barraca de acampamento às margens do rio Han é o símbolo marcante de expressão da geração N-Po como uma geração que está às margens.

 

Considerações Finais

Este trabalho buscou analisar como o fenômeno social da Geração N-po se manifesta através das representações cinematográficas no filme Microhabitat (2017), estabelecendo conexões entre as escolhas e vivências da protagonista Mi-so e as diferentes formas de renúncia adotadas pela juventude sul-coreana contemporânea. Por meio de uma análise detalhada das principais sequências do filme, foi possível identificar como a obra articula, através de sua narrativa e construção estética, as complexas dimensões sociais, econômicas e afetivas que caracterizam essa geração marcada por múltiplas desistências.

 

Nesse sentido, o filme consegue transcender a simples representação da precariedade econômica para revelar formas sutis de resistência ao sistema opressivo. Por meio da personagem Mi-so, observamos que a renúncia a determinados aspectos da vida considerados socialmente fundamentais - como moradia fixa e estabilidade profissional - não representa meramente uma derrota diante das impossibilidades materiais, mas configura-se como uma forma consciente de resistência ao modelo neoliberal imposto pela sociedade sul-coreana. Suas escolhas, aparentemente contraditórias aos olhos do senso comum, como priorizar pequenos prazeres em detrimento de necessidades básicas, ilustram uma reconfiguração radical dos valores e prioridades que caracteriza a Geração N-po.

 

Nesse contexto, buscou-se apontar como as diferentes manifestações da Geração N-po - desde a Sam-po até a Sip-po - encontram eco nas diversas dimensões da narrativa fílmica. A trajetória de Mi-so e seus encontros com antigos amigos funcionam como um microcosmo que reflete as múltiplas facetas desse fenômeno social, evidenciando tanto as formas de adaptação quanto às estratégias de resistência desenvolvidas pelos jovens diante das pressões socioeconômicas. Especialmente relevante é a forma como o filme articula a tensão entre os valores tradicionais da sociedade sul-coreana e as novas formas de existência que emergem como resposta à precarização da vida.

 

Espera-se que este trabalho contribua para o aprofundamento das discussões acerca das novas configurações sociais que emergem como resposta às impossibilidades impostas pelo sistema capitalista contemporâneo, particularmente no contexto sul-coreano. A análise de Microhabitat como objeto artístico que dialoga com essas questões sociais urgentes demonstra como o cinema pode servir não apenas como meio de representação, mas também como ferramenta de compreensão e crítica das transformações sociais contemporâneas, especialmente aquelas que envolvem formas de resistência que se manifestam através da aparente desistência de valores tradicionalmente estabelecidos.

 

Referências

 

Suéllen Gentil é mestranda no Programa de Pós-graduação em Letras na Universidade Federal da Paraíba e pesquisadora associada na Coordenadoria de Estudos Asiáticos, vinculada ao Centro de Estudos Avançados da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: suellen.gentil@gmail.com.

 

Clara Moraes é mestra em Engenharia de Sistemas pela Universidade de Pernambuco e curadora da Curadoria de Estudos Coreanos, vinculada ao Centro de Estudos Avançados da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: clarinhajv@gmail.com.

 

Choi, S. et al. (2024), “Women’s employment and fertility in Korea: A literature review”, OECD Economics Department Working Papers, No. 1825, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/ac53879e-en.

 

LEE, Tae-Hoon. Feminist Expression Analysis of Modern Commercial Movies (Focusing on “Micro-habitat(2017)”). Journal of Digital Convergence, v. 17, n. 10, p. 439-446, 2019.

 

OECD (2024), OECD Economic Surveys: Korea 2024, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/c243e16a-en.

 

Shim, JS. (2017). Voices of the 880,000 Won Generation: Precarity and Contemporary Korean Theatre. In: Diamond, E., Varney, D., Amich, C. (eds) Performance, Feminism and Affect in Neoliberal Times. Contemporary Performance InterActions. Palgrave Macmillan, London. https://doi.org/10.1057/978-1-137-59810-3_17

 

Cho, H. & Stark, J. South Korean youth across three decades. In: Kim, Y. (Ed.). (2016). Routledge Handbook of Korean Culture and Society (1st ed.). Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315660486.

6 comentários:

  1. Boa tarde, primeiramente gostaria de parabenizá-las pelo excelente texto!
    Durante toda a leitura a música do BTS; 뱁새 (Silver Spoon) ficou passando pela minha cabeça, juntamente com outras experiências que me remeteram a geração N-Po, principalmente os Toyoko-kids do Japão; que são os jovens que deixam, ou são expulsos de casa e passam a viver nas ruas.
    Gostaria de saber, se vocês acreditam que seja possível relacionar a geração N-Po com outros casos/experiências; de outros lugares, ou o que está acontecendo na Coreia seria uma experiência muito singular?
    Suelen Cecília Vieira Silva

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Suéllen Gentil e Clara Moraes5 de dezembro de 2024 às 22:58

      Suelen, muito obrigada pela leitura.

      Apesar de algumas similaridades com outros países capitalistas, por se tratar de consequências ao acirramento neoliberal, o caso da Geração N-po é muito característico da Coreia do Sul.

      Com relação aos Toyoko Kids, eles deixam ou são expulsos de casa e passam a viver em busca de uma comunidade, do sentimento de pertencimento. Possuem uma estética muito específica também. Acho que esses são pontos importantes de distanciamento entre os dois movimentos.

      Por isso, pensar o movimento da Geração N-po dentro das características históricas e políticas do país é imprescindível. Por exemplo, o aumento da expectativa de vida associado à falta de políticas efetivas de suporte aos idosos geram alguns problemas sociais: a família tem que assumir as necessidades básicas desse idoso que deveria ser provido pelo Estado, idosos que não conseguem emprego e que não conseguem se sustentar, abandono de idosos, isolamento social desses idosos. Associado ao problema da expectativa de vida, temos a precarização do emprego muito característico do neoliberalismo gerando: jovens que mal conseguem se sustentar e ainda precisam sustentar seus idosos e juntar dinheiro para quando eles mesmos envelhecerem.

      É uma realidade complexa que resulta em um esgotamento social. O texto de Kushwaha (Finding neverland: Homelessness and despair in the urban space) trabalha algumas questões sociais que estão presentes no filme que discutimos no nosso texto. Achamos que pode ser uma leitura interessante nesse sentido.

      Esperamos ter respondido sua pergunta de maneira satisfatória.

      Suellen e Clara

      Excluir
  2. Boa tarde, autoras! Parabéns pelo texto!
    Ainda não assisti ao filme, mas definitivamente vou depois de tanta coisa interessante que li aqui.
    Vocês consideram que essas gerações N-po surgiram após um crescimento do individualismo na sociedade sul-coreana em detrimento do coletivismo do Confucionismo? Se sim, por que acham que isso aconteceu, e há quanto tempo o país passa por isso?

    Gabriele Diniz Maia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Suéllen Gentil e Clara Moraes5 de dezembro de 2024 às 22:59

      Olá, Gabriele

      Muito obrigada pelo seu interesse no nosso trabalho! De fato, o texto aponta exatamente para essa transformação do coletivismo tradicional para um individualismo crescente, mas não como uma escolha voluntária, e sim como uma consequência direta das pressões do capitalismo neoliberal.

      Como destacamos no texto, há um "descolamento da realidade" que contrasta com a organização social sul-coreana tradicionalmente baseada no coletivismo cultural. Esse processo de individualização não é um movimento cultural espontâneo, mas uma estratégia estrutural do sistema capitalista para enfraquecer a capacidade de resistência coletiva.

      O capitalismo, ao individualizar as necessidades e os desafios, fragmenta a força política dos jovens. Cada indivíduo passa a ver seus problemas como questões pessoais - desemprego, alto custo de vida, impossibilidade de constituir família - em vez de compreendê-los como problemas estruturais. Essa atomização impede a organização de movimentos coletivos de contestação.

      Não saberemos te dar uma data precisa de início, mas é possível pensar na intensificação disso com as reformas neoliberais que precarizaram o trabalho. Assim, a população jovem passa a concentrar todos os esforços para construir currículos competitivos, em uma lógica de sobrevivência individual que impossibilita a articulação de demandas coletivas.

      A Geração N-po, portanto, não representa apenas uma escolha individual, mas uma resposta à impossibilidade estrutural de realizar os marcos tradicionais de vida adulta. É uma forma de resistência silenciosa, onde a "desistência" se torna paradoxalmente um ato político.A individualização serve, então, como uma ferramenta de despolitização, onde cada jovem se vê isolado em sua luta, quando na verdade compartilha condições muito semelhantes de precariedade.

      E assista o filme. Vale muito a pena! :)

      Suéllen Gentil e Clara Moraes

      Excluir
  3. Vitoria Ferreira Doretto5 de dezembro de 2024 às 23:18

    Parabéns pelo texto, Suéllen e Clara!
    Vocês fizerem uma ótima análise do filme a partir do entendimento da geração N-Po e ainda tiveram um carinho com o leitor ao descrever caprichosamente esse fenômeno social.
    Fico pensando o quanto ter que escolher entre se adaptar ou renunciar ao sistema e aos padrões é, no fim das contas, mais uma forma de violência. Não há como encontrar um meio-termo porque o sistema constantemente vai demandar mais alguma coisa, obrigar a fazer mais alguma escolha... Com gerações andando entre desesperança, renúncia, desistência, os próximos anos trarão desafios complexos para a sociedade coreana, vocês acham que há/haverá espaço no contexto sul-coreano para a discussão (necessária) sobre como encontrar e criar condições para que a população consiga viver com dignidade, como seres humanos, indo além de apenas sobreviver condicionados ao padrão do sistema?

    Vitória Ferreira Doretto

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Suéllen Gentil e Clara Moraes6 de dezembro de 2024 às 18:47

      Vitória, agradecemos a sua pergunta e você traz pontos muito importantes. Quando há o acirramento do neoliberalismo, por volta da década de 1990, as exigências de performance vão tomando proporções cada vez mais extremas o que impacta completamente na qualidade de vida dos cidadãos sul-coreanos.

      Há diversas políticas sociais sendo pensadas e implementadas na Coreia do Sul, como a implementação mais abrangente do Sistema Nacional de Pensão com o objetivo de acolher mais assegurados. Contudo, as tentativas são sempre na direção mitigar as dores da população, não sei se necessariamente de resolvê-las. Então, apesar de haver alguns movimentos a esse respeito, não sabemos se existe interesse político de fato para gerar mudança. Uma vez que ter um exército de reserva é sempre muito lucrativo no sistema capitalista.

      Suéllen Gentil e Clara Moraes

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.