Maria Helena Ferreira das Neves Peres

 

DEVA MATRI - A REPRESENTAÇÃO DA DEUSA INDIANA E O IMPACTO NO SAGRADO FEMININO NO BRASIL


Introdução

Ao retratar a vasta história do culto ao sagrado feminino na índia, deve levar em conta a extensão histórica da religião Indiana com características milenares e ancestrais rica em diversidade culturais e possibilidades representativas de divindade femininas que remete ao sagrado feminino,  que encontramos tanto na índia como em regiões que se desenvolvem sob influência cultural. A religião hinduísta tem característica de ser politeísta, podendo dar origens a diversas vertentes independentes com divindades centrais, que assumem protagonismo de acordo com a fé dos fiéis. O Shakatismo conhecido como uma vertente espiritual independente tem  como divindade primordial as manifestações femininas como Durga, Kali, Saraswati compondo  a trindade central do culto ao sagrado feminino indiano.

 

Na busca pela compreensão dos variados segmentos de sagrado feminino que vigora no Brasil, o Shakatismo carrega sua história de devoção a representações femininas a relações com o “empoderamento do corpo” vinculado a tradição do Yoga e tantra. Para entender melhor a representação ligadas as divindades femininas hindus, faremos uma reflexão inicial sobre o desenvolvimento da vertente na Índia e como essa vertente religiosa oriental ganha espaço no Brasil.

 

As representações ligadas a Grande Deusa da Índia, também recebe influência dos moldes pré-estabelecidos do ocidente, mas através da subjetividade dos praticantes podemos entender os reais motivos que levam mulheres ocidentais a seguir uma vertente de cunho orientalista. A partir das discussões feitas no referido capítulo, iremos analisar as representações da Deusa Indiana através do Texto sagrado Devi Mahatmayam que conta os mitos da divindade, e manifesta seus feitos e poder, com a intenção de identificar padrões ligados ao poder feminino, como também, esses padrões podem influenciar mulheres a conectar com empoderamento/ feminismo.

 

Orientalismo religioso

Por se tratar de uma vertente religiosa oriental compreende-se as relações ter ocidente e oriente. A análise de maior relevância quando se trata de orientalismo em seu contexto bipolar em relação ao ocidente é desenvolvido pelo pensador Edward Said, publicado em 1978. Edward Said defende em sua análise que “com  a percepção de que a cultura ocidental está passando  por  uma  fase  importante,  cuja característica principal é a crise que lhe foi imposta por ameaças como a barbárie, as preocupações  técnicas  estreitas,  a  aridez moral, o nacionalismo estridente, e assim por diante” (SAID, 1990, p. 263).

 

            Em primeiro momento, o orientalismo é analisado por uma óptica baseada em um distinção ontológica e epistemológica feita entre o Oriente e Ocidente. Em outro sentido se apresenta como uma construção histórica materialmente e culturalmente definido, designado pelo qual se negocia o Oriente como objeto de uma instituição organizada.  noção  de Oriente  como  invenção do  Ocidente  implica  em  uma  construção ideológica do outro com o fim de legitimação  de  uma  dominação,  não só política  e econômica, mas cultural, pois o Oriente é  retratado  como “primitivo”,  “infantil”, “atrasado”;  ou  seja,  como  um  povo  a  ser tutelado  para  seu  progresso  e  educação nos   moldes   idealizados   e   privilegiados  pelo Ocidente, mais especificamente pela Europa.

 

Said retrata que o orientalismo, portanto, não é uma fantasia da Europa sobre o Oriente mas um corpo criado de teoria e prática em que houve, por muitas gerações, um considerável investimento material. A forma como a cultura ocidental representa o Oriente, seja na religião, arte ou outras formas culturais, perpetua estereótipos e visões reducionistas.

 

Como se trata do universo religioso as influências do fenômeno de orientalização do universo religioso ocidental vem acompanhado da valorização das culturas alternativas fortemente influenciadas por imigrações ocorridas no fim do século XVIII no início do século XIX, que difundiram as práticas religiosas no Brasil.

 

Ao longo da história brasileira ocorreram inevitáveis hibridizações que refletiram também no campo religioso, além da presença de movimentos de interação cultura que formou novas vertentes, como os movimentos de contracultura e o movimento Nova Era, que surgem na década de 60, inspirados pelas causas sociais da época, a busca por liberdade, movimentos feminista. Reunindo grupos altamente heterogêneos.

 

O Movimento da Nova Era, influenciado por diversos movimentos espirituais, representa uma abordagem pós-moderna e eclética em busca da transformação espiritual e pessoal dos adeptos. Com ênfase na individualidade, liberdade e cura, ele incorpora uma ampla gama de práticas e crenças em uma busca pela autorrealização e bem-estar espiritual, refletindo a diversidade e a evolução constantes deste movimento. Heelas (1996, p. 23) a afirmar, a respeito da religiosidade pré-moderna da Nova Era, que "(...) seria possível realizar estudos (...) a respeito das muitas maneiras diferentes como diversos domínios do passado vêm sendo explorados, em particular a espiritualidade oriental ".

 

 

Campbell (1997, p. 13) afirma que "um processo de orientalização não tem que depender simplesmente de uma importação de ideias exóticas, mas pode ser entendido como facilitado pela presença de uma tradição cultural nativa ao ocidente. (...) Aqui, a teodiceia que dominou o ocidente por dois mil anos é rejeitada não a partir de uma "virada para o oriente" ou mesmo por um apelo a alguma tendência inerentemente oriental que essa tradição pudesse conter em si, mas sim, ao contrário, por uma "volta" mais radical às tradições religiosas que o ocidente derrotou".

 

Religião da Deusa Indiana

Religiões de cunho oriental e com uma perspectiva hinduísta encontraram espaço nesses movimentos para se desenvolver e permanecer no ocidente. A religião da Grande Deusa Indiana no Brasil teve seu fortalecimento no curso dos movimentos sociais e religiosos a partir da década de 60 e vigora no presente, influenciada principalmente pelos veículos digitais que facilitam a informação e encurtam distâncias.

 

Uma das formas de acesso a alegoria filosófica da história da Deusa Indiana circula por meio de textos e livros digitais. Um importante texto traduzido do inglês para o português por Jorge Farias, feito em 1997. O texto conhecido como Devi Mahatmaya escrito que retrata os feitos da Deusa indiana e fundamenta a religiosidade feminina compreendida como Shakatismo.

 

O texto de adoração a Grande Deusa é frequentemente recitado nos templos de Durga ou por seus devotos. Uma parte da obra ganhou notoriedade descreve os feitos da deusa Durga e sua vitória contra o demônio-búfalo Mahisasura – a representação de diversas manifestações do mal. Nesta obra a deusa Durga se apresenta como divindade central, por isso é um importante texto do Shakatismo. O texto marca o nascimento da vertente como um culto independente de adoração a deusa, um culto de princípio feminino. Bianchini retrata:

 

“A teologia da deusa é cristalizada no Devi Mahatmaya, que a exalta como a fonte de toda criação; introduz categorias filosóficas que associam a criação com a deusa, quando ela se revela, diz-se que ela só parece ter nascido, mas na verdade, é eterna; que ela nunca nasceu, e  que ela realmente nunca morre.” (Biachini, 2020, p.141)

 

A Deusa é retratada como aquela que contém qualidades infinitas, por isso apresenta em sua alegoria a capacidade de destruir os maus da humanidade, provocadas pelo ego. Os conflitos binários entre o bem e o mal, o feminino e masculino, giram em torno dos ciclos religiosos. No referido texto sagrado, a estabilidade, prosperidade de todo o universo e da humanidade é colocado em jogo a beira da destruição, então a deusa aparece em sua manifestação de Durga recebendo todas as armas dos outros deuses. A grande Deusa é representada  em sua forma final mais elevada  sendo comparada na tradição hindu ao próprio Brahma.

Figura 1: Imagem do século XVIII mostrando a deusa Durga lutando contra o demônio-búfalo Mahiāsura. Este é um dos mais famosos episódios descritos no Devī Māhātmyam. Disponível em: www.yogadevi.org Acesso: 07/10/2024

 

Analisar a figura do feminino atribuindo poder é subverter os arranjos das dinâmicas sociais naturalizadas como “verdades” fundamentadas pelo poder da igreja em seu processo colonial. Se a maior manifestação de poder de uma sociedade que pode ser reconhecida como Deus, for uma representação poderosa feminina, muitos paradigmas de opressão e submissão das mulheres repetidas historicamente pelo patriarcado e cristianismo podem se tornar obsoletas.

 

O imaginário ligado a divindades femininas permite analisar as construções e os discursos responsáveis pelas hierarquias de gênero assumidas e naturalizadas socialmente, o que nos permite também construir novos entendimentos sobre o masculino e feminino. Swain (1993) afirma que no imaginário marcado pelas relações entre os sexos (gêneros) e a formação de seus papeis e representações paradigmáticos, há a construção da predominância masculina, sobretudo nas sociedades ocidentais, forjada como natural.

 

As representações religiosas ligadas ao feminino contribuem alimentando o imaginário do que uma mulher deve ser. As religiões se beneficiam das representações e do imaginário social e precisam de divindades como objeto de construção das suas referências simbólicas e arquétipos que circulam nas instituições coletivas e exerce gradualmente influências sobre os grupos sociais. Jodelet (2001) afirma:

 

“De fato, representar ou se representar corresponde a um ato de pensamento pelo qual o sujeito relaciona-se com um objeto. Este pode ser tanto uma pessoa, uma coisa, um evento material, psíquico ou social, um fenômeno natural, uma ideia, uma teoria etc.; pode ser tanto real quanto imaginário ou mítico, mas sempre requer um objeto. Não há representação sem objeto.” (Jodelet, 2001, p.5).

 

As representações produzem os saberes sociais, e funcionam como um modo de interpretar a realidade, atribuindo significado. A iconografia religiosa de Durga funciona como um modelo imaginário assim como outras divindades religiosas que atribuem sentido. As religiões congregam as representações latentes na sociedade através de conteúdos e comportamentos simbólicos (Moscovici, 2003). Como forma de pensamento coletivo estão fortemente ligadas às motivações e expectativas subjetivas daqueles que exercem ou decidem seguir uma vertente religiosa. Para Denise Jodelet (2001, p. 17), as representações sociais ―[...] circulam nos discursos, são carregadas pelas palavras, veiculadas nas mensagens e imagens mediáticas, cristalizadas nas condutas e agenciamentos materiais ou espaciais.

           

Apesar de uma estrutura pré-estabelecida historicamente, socialmente e culturalmente cristã; encontrar meios de se libertar dessa rede de definições padronizadas é olhar para sua subjetividade e conseguir construir sua própria crença. Pensamos então, que a representação não está totalmente pré-estabelecida, pois é um processo cognitivo em que os sujeitos organizam e constroem sentidos sobre símbolos e discursos sociais.

 

“Certamente, há representações que chegam a nós já prontas ou que “atravessam” os indivíduos. São as que impõem uma ideologia dominante, ou as que estão ligadas a uma condição definida no interior da estrutura social. Mas, mesmo nesses casos, o compartilhar implica uma dinâmica social que considera a especificidade das representações.” (Jodelet, 2001, p.14).

 

Para Jodelet (2002), as representações sociais são, ao mesmo tempo, produto e processo de uma atividade de apropriação da realidade externa ao pensamento e da elaboração psicológica e social da realidade. A representação social mantém com seu objeto uma relação de simbolização e interpretação, que lhe confere significações, o que faz da representação uma construção e expressão do sujeito. Assim, a particularidade dos estudos de representações é a de integrar o pertencimento e a participação sociais e culturais do sujeito.

 

“ As representações, que são sempre de alguém, têm uma função expressiva. Seu estudo permite acessar os significados que os sujeitos, individuais ou coletivos, atribuem a um objeto localizado no seu meio social ou material, e examinar como os significados são articulados à sua sensibilidade, seus interesses, seus desejos, suas emoções e ao funcionamento cognitivo.” (Jodelet, 2002, p. 697)

 

Essas formas de perceber o mundo são compostas, construídas e significadas pelas representações que refletem e (re)produzem uma determinada realidade, ou melhor, o imaginário vigente.

 

Hooks(2018) retrata que o  feminismo é um  movimento que valoriza a prática espiritual Muito antes da existências da teoria feminista círculos de mulheres que já existiam como a intenção de despertar o auto amor e auto aceitação, eram fundamentais fundamentais para a realização pessoal das mulheres. Mesmo com o sexismo das religiões dominada por homens, as mulheres sempre encontram meios de exercer sua espiritualidade e encontrar um luar de práticas espirituais e compartilhamento de realidades entre mulheres. Na verdade, o feminismo ressignificou os pensamentos religiosos, sempre encontrando uma forma de utilizar do discurso para conseguir mais espaço, de uma maneira que as mulheres possam encontrar conexão com o sagrado e se comprometer de forma livre pessoal com a espiritualidade.

Com frequência, a prática espiritual feminista encontrou seu reconhecimento e aceitação em contextos terapêuticos em que mulheres procuravam se curar das feridas provocadas por abusos patriarcais, vários dos quais aconteceram dentro da família de origem ou em relacionamentos. E foi no contexto de terapia feminista que várias mulheres encontraram afirmação para a busca espiritual. Como a natureza dessa busca da alma é particular, o público, com frequência, não tem informação sobre até que ponto as ativistas feministas hoje reconhecem totalmente a importância de atender às necessidades do espírito – da vida espiritual. Em movimentos feministas futuros, precisaremos de estratégias melhores para compartilhar informações sobre espiritualidade feminista. (HOOKS, 2018, p. 114)

 

Considerações finais

As religiões exercem um papel fundamental no campo das representações sociais, pois, possibilitam trocas e interações para o estabelecimento de um universo consensual. Para existir um novo imaginário acerca do feminino deve-se produzir novas representações, sendo as religiões um produto e reflexo do pensamento de uma sociedade, gerando assim novas consciências a respeito do papel social da mulher.

 

Referências 

 Maria Helena Ferreira das Neves Peres,  Mestranda em História pela Universidade Estadual de Montes Claros, FAPEMIG, mariahelenafnp2@gmail.com

 

BIANCHINI, Flávia. A grande deusa da Índia: uma breve história / Flávia Biachini – 2ª ed. São Paulo: Polo Books; Shri Yoga Devi, 2020.

 

CAMPBELL, C. (1997), A orientalização do ocidente: reflexões sobre uma nova teodicéia para um novo milênio. Religião e Sociedade, V. 18, nº 1.

 

HEELAS, P. (1996), A nova era no encontro cultural: pré-moderno, moderno e pós-moderno. Religião e Sociedade, 17/ 1 -2, p.15-32.

 

HOOKS, bell O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras / bell hooks; tradução Ana Luiza Libânio. – 1. ed. - Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.

 

JODELET, Denise. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001.

 

JODELET, Denise. Representações sociais: um domínio em expansão. In JODELET, Denise (org). As representações sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2002. p. 17-44.

 

MOSCOVICI, Serge. A história e a atualidade das representações sociais. In: Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis-RJ, Vozes, 2003.

 

SAID,  Edward  W.  Orientalismo:  o  Oriente  como  invenção  do  Ocidente.  São  Paulo:

Companhia das Letras, 1990.

 

SWAIN, Tania Navarro. Você disse imaginário? In: História no plural. Brasília: UNB, 1993.

 

Arquivos digitais:

 

SARASWATI, Swami Satyananda. Candi path. Tradução Kalacandra DD. Revisão e Editoração eletrônica Sanatana – 1997. Disponível em: www.yogadevi.org

 

5 comentários:

  1. Vitória Duarte Wingert1 de dezembro de 2024 às 21:48

    Primeiramente, te parabenizo pela escrita desta pesquisa, é sempre enriquecedor darmos vozes a investigações ligadas ao feminino visto o ocultamento das mulheres dentro da historiografia. Gostaria de saber, se na tua percepção esta busca pela Deusa Indiana não está também, relacionada ao movimento da Nova Era e sua butinagem religiosa, fenômeno este percebido pelos cientistas sociais nas camadas médias dos centros urbanos. Deste já agradeço

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    1. Com o advento do movimento Nova Era, muito do que conhecemos sobre cultura oriental se deu pela popularização das diversas vertente que o movimento representa. Um fato importante para essa disseminação de conhecimento oriental é o desenvolvimento da tecnologia, em especial a partir dos anos 90 exatamente a época de criação do objeto de estudos dessa pesquisa.
      Entendemos que o desdobrar da Nova Era no Brasil possuiu, em princípio, um caráter bastante ligado à reprodução dos discursos e práticas realizados nos contextos originários do movimento, que se estende também à esfera mercadológica, bem como àquela ligada aos valores e aos estilos de vida. Porém, tal cenário vem se modificando, em especial a partir dos anos 1980, quando tais práticas e discursos passam a se atrelar àqueles já existentes no cenário religioso brasileiro, o que se tornará visível tanto a partir da emergência e expansão de novos movimentos religiosos, como também a partir da reelaboração de outros já existentes. Os movimentos de cunho hinduísta ganharam espaço no movimento nova era, em especial a vertente Hera Krishna, assim como outras aspectos orientais. O fortalecimento desse tipo de perspectiva espiritual provém de imigrações orientais, desenvolvimento tecnológico que possibilitaram um sincretismo religioso perspectiva muito aceita no movimento Nova Era, atingindo comunidades hippies, grupos de discussões religiosos, assim como, vertentes que possibilitam o empoeiramento e o feminismo a partir da espiritualidade. Esses assuntos foram inicialmente melhor aceito nos grandes centos urbanos, mas na atualidades, percebo que os veículos de informações tem facilitado o acesso ao conhecimento oriental religiosos, não só sobre a Deusa indiana, mas também outras vertentes religiosa . Espero ter contribuído. Agradeço a Pergunta. Att, Maria Helena Ferreira das Neves Peres

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  2. Parabéns pelo trabalho! Gostaria de saber se na sua investigação também entra a questão do machismo no hinduísmo, sendo a cultura indiana muito complexa, ao mesmo tempo que encontramos a imagem da deusa que expõe aqui, muitos textos colocam a mulher numa posição submissa ao homem, e é a situação que vemos geralmente em Índia. Na sua frase final: “ sendo as religiões um produto e reflexo do pensamento de uma sociedade, gerando assim novas consciências a respeito do papel social da mulher.”, também vejo o papel da religião que ainda coloca a mulher como um ser inferior. Por tanto, como estas dualidades estão coexistindo em Brasil?
    Obrigada 🙏

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    1. O contexto de predominância masculina na religião e em forma de organização social, provém de um propósito colonizador. Por muito tempo, as sociedades (em especial a indiana) foram orientadas por uma espécie de "matriarcado", de acordo com estudos históricos o processo de predominância masculina nas religiões e na sociedade foi se inserindo gradualmente, mudando a concepção de família e religião, onde em diversas partes do mundo as divindades femininas perdem espaço passando a ser orientada pelo arquétipo masculino. Estudos arqueológicos que mapearam as imagens religiosas femininas mostram que no decorrer dos diversos processos de colonização essas imagens eram cada vez mais escassas, refletindo no enfraquecimento do culto destinado a imagem da mulher, e desassociado o poder da devida representação. A autora Gimbutas, retrata esse mapeamento e manifesta em seu estudo essa mudança social que reflete ainda hoje. De acordo com ela: "Vejo uma única linha de desenvolvimento de um sistema religioso desde o Paleolítico Superior, passando pelo Neolítico e pela Idade do Bronze. A velha Europa terminou, e o seu sistema cultural parou de se desenvolver, no início da era indo-europeia, quando um sistema social religioso muito diferente, dominado pelos homens e pelos deuses masculinos, começou a sucedê-la. Até este ponto, a era da predominância feminina. Esse processo religioso está documentada como contínua durante uns 25.000 anos" ( Gimbutas, 1997, pp. 38-39).
      O Brasil como um país com o histórico de colonização também compartilha do fundamentalismo religioso patriarcal, essa realidades se coincidem, e muitas vezes os aspectos do Sagrado feminino indiano se manifesta como um perspectiva religiosa feminista, entretanto não dá pra excluir que a própria religião passou por transformações sociais da imagem feminina. Ainda que o ocidente reverbera essa perspectiva como feminista, há também contradições que não podem serem deixadas de lado ao fazer uma análise acadêmica, porém essa é a importância da pesquisa. Uma perspectiva religiosa oriental adotada no ocidente como força da energia guerreira da mulher capaz de aniquilar o mal que os deuses masculinos não conseguiram. Essa alegoria abre espaço para o empoderamento e é apropriada por aqueles que buscam uma fuga dos padrões. Espero ter contribuído para o entendimento do tema. Agradeço a pergunta.

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    2. Obrigada

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