A RESISTÊNCIA CULTURAL COREANA ATRAVÉS DA ALIMENTAÇÃO DURANTE A DOMINAÇÃO JAPONESA (1910-1945)
Entre
1910 e 1945, a Coreia esteve sob domínio japonês, um período marcado pela
tentativa de erradicação sistemática da identidade cultural coreana. Essa
ocupação, mais do que política ou econômica, visava desmantelar os pilares
culturais da Coreia e substituí-los por uma identidade nipônica. A imposição do
idioma japonês nas escolas, a proibição de roupas tradicionais, a
obrigatoriedade de adotar nomes japoneses para os coreanos que fossem trabalhar
no Japão e o confisco do arroz para exportação exemplificam a profundidade
dessa repressão e tentativa de niponização.
Mas a
culinária coreana resistiu como um espaço de preservação cultural e identidade.
Diante de um cenário
de total repressão a elementos da cultura coreana, o interior das casas e o ambiente
familiar se revelaram como locais de resistência cultual, já que dentro das
casas a língua coreana continuava a ser utilizada, e nas cozinhas as práticas
ancestrais continuaram a ser transmitidas para as novas gerações.
Mesmo com toda
dificuldade em conseguir os alimentos básicos, durante a ocupação japonesa, e a alimentação
coreana afetada por políticas de exploração e escassez de alimentos, a culinária tradicional
coreana continuou a ser produzida, como o kimchi.
Este artigo
investiga como a alimentação funcionou como um bastião de resistência cultural
durante a ocupação japonesa. Como metodologia elegemos a Análise de Conteúdo
elaborada por Laurence Bardin (2016). A análise destaca o papel central da
alimentação na cultura coreana, e demonstra como a cozinha das casas coreanas
se tornou um espaço subversivo e de resistência silenciosa.
A cozinha
como local de resistência à dominação japonesa
A Coreia do Sul
como conhecemos hoje, territorialmente, traz na sua história uma formação
complexa que se entrelaça a história de diversos países da Ásia, principalmente
da China, da Mongólia e do Japão. Segundo Im Yun Jung, professora da
Universidade Estadual de São Paulo (USP), no território coreano, por volta de
6.000 anos AEC, já há registro de potes de barro, artefatos de pedra e osso
para a obtenção e o manuseio de alimentos, o que já indicava um certo
“tratamento da comida”.
Ainda segundo Im o registro histórico em texto, mais antigo que registra
o povo coreano, se encontra no Records of the Three Kingdons, texto em
chinês datando do século III, que cobre a história entre os anos 184 e 220,
relatando o final da Dinastia Han e o período dos três reinos: Wei, Shu e Wu. O
texto chinês é dividido em três livro, cada um trazendo a história de cada um
dos referidos reinos.
No chamado Book de Wei (2004), que relata a história do reino de
Wei, há uma menção aos povos do leste, que gostavam de comer, beber, cantar e
dançar, esses povos atualmente são chamados de coreanos. Para Im a comida
sempre esteve no dia a dia dos coreanos como parte integrante da identidade
desse povo.
A
culinária coreana evoluiu ao longo de séculos, sendo moldada por fatores
geográficos, culturais, políticos e econômicos. A Coreia, localizada entre a
China e o Japão, foi influenciada por esses dois países, além de desenvolver
suas próprias tradições culinárias. A china teve grande influência na culinária
coreana, quer seja pela proximidade geográfica e cultural, como também por
relações comerciais e políticas tecidas ao longo dos séculos. Para Chon (2008)
a China trouxe os métodos de cozimento, técnicas de refogar, cozinhar no vapor,
fritar, além do molho de soja, o chá e sua etiqueta, introduzidos pelo
confucionismo.
O Budismo
para Chon (2008) a culinária coreana é profundamente enraizada em filosofias
como o budismo e o confucionismo, que moldaram seus hábitos alimentares ao
longo dos séculos. O budismo, introduzido na Coreia durante o período dos Três
Reinos (57 a.C – 668 d.C.), influenciou a culinária ao enfatizar práticas
vegetarianas e a simplicidade nos pratos e evitando o consumo de carne. Muitos
pratos tradicionais coreanos, como sopas de vegetais e acompanhamentos
fermentados, refletem essa herança.
O
confucionismo, por sua vez, consolidou a comida como um elemento central nas
interações sociais e nos rituais familiares. Durante a Dinastia Joseon
(1392-1897), as refeições eram cuidadosamente preparadas e servidas como parte
de cerimônias que honravam os ancestrais, refletindo valores como o respeito e
a harmonia. Esse legado filosófico reforçou a importância simbólica da cozinha,
tornando-a um espaço sagrado de preservação cultural.
Ainda segundo Chon
(2008) durante a dominação japonesa, a alimentação tradicional coreana foi
altamente afetada por imposições e proibições japonesas. Havia uma escassez de alimentos, principalmente de
arroz, que era a base da alimentação coreana. Os recursos agrícolas da Coreia foram alvo de
exploração intensiva da política econômica colonial que impactou diretamente a
culinária.
A
anexação da Coreia pelo Japão foi formalizada pelo Tratado de 1910, que marcou
o início de um regime colonial autoritário, transferindo a soberania coreana
para o imperador japonês, e durando até 1945, com a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial. O objetivo japonês era integrar
a península coreana à esfera cultural e econômica do Japão, apagando qualquer
traço de autonomia e identidade cultural. Neste período há diversas proibições da cultura coreana e a imposição de
elementos da cultura japonesa.
Medidas
repressivas foram impostas para concretizar essa agenda. Em 1911, o Decreto Nº
41 regulamentou o sistema educacional, exigindo o uso exclusivo do japonês nas
escolas e marginalizando o hangul, o alfabeto coreano. Roupas tradicionais,
como o hanbok, foram desencorajadas, enquanto o uso de nomes japoneses
tornou-se obrigatório por meio do Decreto de Mudança de Nome (1939). Na relação
de colonização e dominação Japão -Coreia os discursos hegemônicos justificavam
a inferioridade corana frente ao Japão. Essas ações tinham o objetivo de
desmantelar os símbolos visíveis da identidade coreana, mas encontraram
resistência nos espaços domésticos, especialmente na alimentação.
A
política colonial japonesa na Coreia foi além da exploração econômica; ela
buscava desarticular os alicerces da identidade coreana. O sistema educacional
foi reconfigurado para excluir o coreano como idioma de instrução, substituído
pelo japonês, enquanto os rituais e tradições eram proibidos por decretos
rigorosos. As vestimentas tradicionais, como o hanbok também foram
suprimidas.
Elias
e Scotson (2000) abordam o conceito de identidade dentro do contexto das
relações de poder e dinâmica social entre grupos. Caracterizam a identidade
como sendo formada e reforçada pelas relações que um grupo estabelece com
outros grupos, sendo resultado de um processo contínuo de diferenciação e
exclusão. Assim, a identidade individual e coletiva é moldada pelas estruturas
de poder, pela aceitação ou rejeição social, e pelas relações de
interdependência entre os grupos.
Na Coreia
dominada, essa narrativa se manifestou em discursos que retratavam a cultura
coreana como inferior, reforçando a necessidade de assimilação. Durante a ocupação
japonesa, os coreanos se tornaram os "outsiders" enquanto os
japoneses assumiram a posição dos "estabelecidos". O Japão, como
potência ocupante, tentou impor sua cultura, língua e valores aos coreanos,
desvalorizando e reprimindo elementos culturais coreanos. Essa dominação tinha
como objetivo não só o controle político e econômico, mas também a assimilação
cultural, de modo que os coreanos perdessem sua identidade própria e se
tornassem submissos ao domínio japonês.
Nesse
sentido, a resistência coreana, que incluiu a preservação da língua, dos
costumes e da culinária (muitas vezes de forma privada e oculta), foi uma forma
de manter e reforçar sua identidade contra a tentativa de assimilação dos
"estabelecidos".
Michel de
Certeau (1996), destaca que práticas do dia a dia, como cozinhar, podem se
tornar atos subversivos em contextos de repressão, pois permite aos indivíduos
a não cumprirem imposições externas. Na Coreia, as cozinhas domésticas foram
transformadas em espaços de resistência, onde as mulheres, principais
responsáveis pelo preparo dos alimentos, preservavam receitas e técnicas
transmitidas por gerações.
A
cozinha, enquanto espaço do cotidiano, é um lugar onde se reproduzem tradições,
valores e costumes que fazem parte da identidade cultural. O ato de cozinhar,
com suas técnicas, receitas e ingredientes específicos, é uma prática que
conecta o presente ao passado e reforça as tradições de um grupo. Mesmo em
períodos de repressão ou dominação cultural, como foi o caso dos coreanos
durante a ocupação japonesa, a cozinha permanece um espaço íntimo e privado
onde as práticas culturais podem ser preservadas e transmitidas entre gerações.
No
contexto coreano, apesar das tentativas do Japão de suprimir a identidade
cultural coreana, muitas tradições culinárias foram mantidas e transmitidas
dentro dos lares. A cozinha se tornou um espaço de resistência, onde a
identidade cultural coreana pôde sobreviver e se fortalecer. Isso se alinha às
ideias de Certeau (1996), que enfatiza a importância das práticas cotidianas
como formas de resistência e invenção cultural, revelando como a cultura é
mantida viva através das pequenas ações e do dia a dia das pessoas.
O
cozinhar transforma ingredientes brutos em pratos elaborados, e essa
transformação é um ato que conecta o passado (receitas transmitidas), o
presente (a preparação em si) e o futuro (a refeição compartilhada). Assim, a
prática de cozinhar no interior das casas contribui significativamente para a
manutenção da identidade cultural de um povo, funcionando como um espaço de
resistência e preservação em meio às transformações e pressões externas.
Pierre
Bourdieu (1989), argumenta que práticas culturais carregam significados
profundos, funcionando como marcadores de identidade e arenas de poder e
resistência, como o preparo de alimentos, não são neutras, mas carregadas de
significados sociais e políticos. No contexto coreano, o ato de preparar pratos
tradicionais, mesmo com ingredientes escassos, reafirmava a cultura nacional em
oposição à imposição japonesa.
Massimo
Montanari, em Comida como Cultura (2008), argumenta que a comida não é
apenas um meio de subsistência, mas também uma forma de expressão cultural,
transcendendo a função biológica. Na Coreia, a continuidade dessas tradições alimentares
durante a ocupação japonesa demonstrou a resiliência de uma cultura que, mesmo
sob ataque, permaneceu fiel às suas raízes.
Um
exemplo emblemático dessa resistência é o kimchi, um prato icônico da Coreia.
Feito a partir de vegetais fermentados, ele é simultaneamente um alimento
básico e uma expressão cultural. Durante a ocupação, o kimchi simbolizou a
resiliência coreana, pois sua preparação exigia técnicas específicas e um senso
de comunidade. Famílias e vizinhos se reuniam para preparar grandes quantidades
de kimchi, fortalecendo os laços sociais e preservando tradições em um período
de adversidade.
O kimchi
não só oferece uma solução nutritiva em tempos de privação, mas também preserva
técnicas culinárias ancestrais. O preparo do kimchi envolve práticas
comunitárias, com famílias e vizinhos reunidos para fazer grandes quantidades
que durariam meses. Esse ato não era apenas uma necessidade alimentar, mas
também um ritual que fortalecia os laços comunitários e a identidade cultural
O Eumsikdimibang: primeiro livro de receitas
escrito em coreano
O
primeiro livro de receitas escrito em hangul, a língua coreana, escrito
por volta de 1677, o Eumsikodimibang, por Jang Gye-hyang, filha de um
nobre, é considerado também o primeiro livro de receitas escrito por uma mulher
na Ásia. Ao nos debruçarmos sobre essa fonte, poderemos analisar receitas
antigas que quase se perderam. Entretanto, este livro também denota sua
importância não apenas pelo fato que trazer 146 receitas, entre preparação de
alimentos e bebidas alcoólicas, mas também traz formas de armazenamento de
frutas, legumes e carne seca.
O
livro traz receitas de como cozinhar legumes que estão fora de época, o que tem
levado a pesquisadores como o professor Yi Seong-Wu (2024), especialista em história
da alimentação coreana, a levantar a hipótese de que havia estufas para plantio
de legumes. O livro faz menção a utensílios e louças usadas na cozinha da
época.
O Eumsikdimibang
é uma obra pioneira na história da culinária coreana. Este livro documenta
receitas e técnicas culinárias coletadas em aldeias rurais, destacando a
diversidade e a riqueza da alimentação coreana. As receitas coletadas trazem
pratos do dia a dia, preparados nas pequenas cozinhas, com práticas que
passavam de geração a geração, mantendo essa identidade da cozinha coreana.
A
análise do Eumsikodimibang e suas receitas nos apontam para uma arte da
cozinha já bem demarcada em Joseon – nome do território coreano anterior a
dominação japonesa – o que pode ter favorecido a permanência e resistência da
alimentação como fator e identidade coreana frente as determinações do império
japonês.
A transmissão
intergeracional da cultura alimentar
A escassez de arroz durante a ocupação japonesa
levou as famílias coreanas a buscarem alternativas, como cevada, batata-doce e
milho. Essa adaptação forçada ilustra o que Michel de Certeau (1996) chama de
"bricolagem cultural" – a habilidade de reinventar tradições com os
recursos disponíveis subvertendo assim estruturas opressoras. A cozinha
tornou-se um espaço onde a criatividade e a memória coletiva mantiveram viva a
cultura coreana, mesmo sob condições adversas.
Apesar
das mudanças nos ingredientes, a estrutura das refeições coreanas permaneceu
intacta. Pratos como sopas, guisados e acompanhamentos fermentados continuaram
a ser preparados, preservando os sabores e os significados culturais associados
à culinária coreana. Essa resiliência demonstra como a alimentação pode ser um
meio de resistência e um marcador de identidade em tempos de repressão.
Pierre
Bourdieu (1989) argumenta que práticas culturais como a alimentação carregam um
"habitus" – disposições internalizadas que moldam o comportamento. No
contexto coreano, o habitus alimentar foi fundamental para resistir às
tentativas de assimilação japonesa, reforçando a identidade nacional mesmo em
circunstâncias adversas.
Além de
preservar a identidade cultural no presente, a culinária coreana também
funcionou como um meio de transmissão intergeracional. As receitas e técnicas
culinárias eram ensinadas às crianças, garantindo que a próxima geração
permanecesse conectada às suas raízes culturais.
Essa
transmissão intergeracional é particularmente significativa no contexto da
ocupação japonesa, pois os jovens eram expostos a uma educação que buscava
aliená-los de sua cultura de origem. Dentro das cozinhas, no entanto, aprendiam
valores e tradições que reforçavam sua identidade coreana.
As
mulheres desempenharam um papel central na preservação da cultura alimentar
coreana. Como guardiãs das receitas e práticas culinárias, foram elas que,
dentro de suas cozinhas, garantiram a continuidade das tradições. Montanari
(2008) destaca que as práticas alimentares são, muitas vezes, transmitidas
oralmente, perpetuando-se como uma memória viva. No contexto coreano, as
mulheres representaram uma resistência ativa, utilizando a cozinha como um
espaço de reafirmação cultural.
Certeau
(1996) enfatiza o papel da cozinha como um espaço de trabalho doméstico que
envolve a organização do tempo e dos recursos disponíveis. Esse espaço, apesar
de aparentemente banal, revela relações de poder, gênero e cultura.
Tradicionalmente associado ao feminino, o trabalho na cozinha também representa
um campo de resistência contra a homogeneização da cultura e a padronização alimentar,
mantendo vivas as particularidades culturais através de receitas e práticas
locais.
Considerações Finais
A
ocupação japonesa na Coreia demonstrou uma tentativa deliberada de apagar a
identidade cultural do país, mas encontrou resistência em espaços inesperados,
como a cozinha doméstica. A alimentação, carregada de significados simbólicos e
sociais, emergiu como um dos principais fatores de preservação cultural durante
esse período, desempenhou um papel crucial na resistência cultural coreana.
Apesar das políticas de assimilação e repressão, a cozinha tornou-se um espaço
de preservação da identidade, onde práticas ancestrais, influenciadas por
valores budistas e confucianos, foram mantidas.
Diante de um
cenário de total repressão a elementos da cultura coreana, o interior das casas
e o ambiente familiar se revelaram como locais de resistência cultual, já que
dentro de casa a língua coreana continuava a ser utilizada e mesmo com toda
dificuldade em conseguir os alimentos básicos, pois durante a ocupação japonesa, a
alimentação coreana foi profundamente afetada por políticas de exploração e
escassez de alimentos.
Apesar
da escassez de alimentos durante a dominação coreana pelo Japão e mesmo com
toda a censura, proibição e vigilância japonesa no cumprimento dos seus
decretos que tinham como objetivo o isolamento e o esquecimento da cultura do
povo, ainda assim a alimentação/culinária foi o fator principal que manteve a
identidade cultural coreana. Pois a cozinhar sempre foi elemento familiar, que
compôs ao longo dos séculos o cotidiano de cada família, desta forma dentro de
cada casa, na intimidade de cada lar os elementos identitários continuaram a
ser exércitos e passados de geração para geração.
Apesar
dessas dificuldades, os coreanos preservaram muitos aspectos de sua cultura
alimentar tradicional, usando a culinária como uma forma de resistência à
dominação estrangeira. A comida continuou a ser um símbolo poderoso da
identidade nacional coreana, mesmo em tempos de opressão.
Em tempos
de globalização, a cozinha coreana continua a ser uma expressão vibrante de sua
cultura, um testemunho da resiliência de um povo que, mesmo diante de
adversidades extremas, manteve vivas suas tradições e valores. A narrativa
histórica da ocupação japonesa é, portanto, também a narrativa da força
cultural da alimentação como símbolo da identidade coreana.
Referências
Maria
Aparecida Stelzer Lozório
Mestre
em História - PPGHIS Ufes
Fontes
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em: https://zh.wikisource.org/wiki/%E4%B8%89%E5%9C%8B%E5%BF%97/%E5%8D%B730.
Acesso em: 15 jul. 2024. (Três Reinos: Livro de Wei, em chinês)
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Acesso em: 10 jun. 2024.
Bibliografias
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ELIAS,
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MONTANARI,
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Seong-Wu. Eumsikdimibang: o primeiro livro de receitas escrito por uma
mulher no leste asiático. Google Arts & Culture, 2024.
Bom dia! Parabéns pelo artigo.
ResponderExcluirComo trabalhar questões culturais específicas em sala de aula, com uma programação que não permite entrar em muitos detalhes? Considero muito importante que os alunos conheçam sobre diferentes culturas e formas de resistência à imposições culturais, porém quase não temos tempo dentro da programação para isso, principalmente quando se trata de História Oriental, que é praticamente só citada ao longo dos materiais.
Ana Paula Sanvido Lara
Boa noite Ana Paula! Obrigada pelo comentário! Realmente trabalhar questões culturais em sala de aula com uma programação "apertada" é desafiador. A História Oriental é quase nula nos conteúdos, o que torna o desafio ainda maior. A questão cultural da Coreia do Sul (que é minha área de pesquisa) pode ser abordada através do k-pop, você pode escolher uma músicas onde a letra te permita trabalhar questões da sociedade e história coreana. Você pode criar uma playlist para que os alunos escutem em casa, utilizem a internet para buscar a tradução das letras e depois abrir discussão em sala de aula. Existem alguns HQ coreanos que tem no formato e-book (mais acessíveis), que trabalham questões específicas da história coreana no período de dominação e guerra como as obras "Grama" e "Espera". O HQ é um formato bem aceito por alunos de várias idades. É possível também trabalhar a questão cultural através da alimentação, a escola pode se organizar para em um dia fazer um evento gastronômico com pratos de vários países, ou de um país específico, proporcionar a experiência de comer com hashi, temperos diferentes, tofu, shoyo, etc. Alimentos que normalmente não fazem parte da rotina alimentar do aluno. Dependendo da idade até mesmo pequenos trechos de K-dramas podem ser utilizados, mostrando hábitos diferentes do nossos. E tudo sempre contextualizado historicamente e socialmente.
ExcluirBoa tarde, parabéns pelo artigo. Acho muito interessante abordar a gastronomia, a tentativa de manter a identidade através da culinária de um povo. Na atualidade eles ainda preservam a culinária original ou aconteceram adaptações?
ResponderExcluirOlá Inês!! Obrigada pelo comentário!
ExcluirA culinária coreana sofreu ao longo dos séculos várias influências, como da China, Mongólia, Japão, do Budismo, do Confucionismo e mais recentemente dos EUA, que se fez muito presente na Coreia do Sul com o período da Guerra Fria, e que tem no frango frito sua maior contribuição para a gastronomia sul coreana. Cada uma dessa influências deixou um prato, um ingrediente, uma forma de fazer, e isso é normal em toda cultura. Mas a culinária coreana ainda preserva muito da sua culinária original, sendo o kimchi o alimento mais conhecido, e o soju a bebida de maior destaque.
Que texto incrível! Muito legal ver que mesmo diante de tanta imposição, os coreanos conseguiram manter viva sua cultura, principalmente através da culinária. Pratos como o kimchi são valorizados até hoje em sua gastronomia. E uma coisa que acho legal nos coreanos é que eles expressam sua preocupação com o próximo através da culinária. É como a gente fala 'bom dia, tudo bem?', eles expressam o cuidado com perguntas 'já comeu?', 'posso fazer uma refeição para você?'. Ao ler o seu texto, me chamou a atenção a respeito de com a escassez do arroz, os coreanos procuraram ingredientes substitutos, mas sem perder a essência do prato e ali você menciona a batata doce. A batata doce hoje é bem presente na gastronomia coreana, ela foi incorporada nesse período da ocupação japonesa em sua culinária, ou ela já era presente na gastronomia coreana antes da ocupação japonesa?
ResponderExcluirSuelen Bonete de Carvalho
Olá Suelen!! A batata-doce chega ao sudeste asiático mais ou menos no século XVIII, e vai ser introduzida tanto na China, Coreia e Japão. Então anteriormente a dominação japonesa, a Coreia já fazia uso da batata-doce em sua culinária, e em ambos os países ela foi inserida com sucesso na dieta, e se mantém até hoje presente.
ExcluirOlá, Maria!
ResponderExcluirAchei o seu texto muito interessante! A minha pesquisa também aborda a perda da identidade cultural coreana devido a ocupação colonial japonesa.
Por conta disso, vi ao longo da minha pesquisa que práticas culturais como o Jesa (제사), o ritual para homenagear os antepassados, foram proibidas pelo império nipônico. Também descobri que, em termos religiosos, o cristianismo sob a vertente protestante também proibia essa prática, entretanto o cristianismo sob a vertente católica aceitava, e ainda aceita, a prática do Jesa (제사) como uma característica cultural coreana não religiosa.
Em diversos casos, a comida oferecida no ritual era a favorita do antepassado em questão e, mesmo que os outros não se alimentem desses pratos específicos, todos que cozinhavam se atentavam a receita original e as práticas culturais relacionadas ao seu preparo.
Em virtude disso, para além da questão religiosa, você acredita que o Jesa (제사) pode ser considerado uma prática cultural coreana alimentar sendo utilizado como uma resistência doméstica ao domínio japonês?
Desde já agradeço,
Gabrielly Fernanda Spizamilio Silva.
Boa noite Gabrielly!!
ExcluirSim, acredito que os rituais em homenagem aos antepassados, também se caracterizam como formas de resistência a dominação japonesa e sua niponização. Os coreanos fazem suas reverência ao familiar ou ente querido falecido oferecendo o que o falecido mais gostava de comer. Para que esse ritual aconteça as pessoas passam o dia anterior e o dia do ritual preparando as comidas, e depois do ritual, as pessoas comem em homenagem a quem se foi. Desta forma essa prática cultural perpetua as formas de fazer, de cozinhar, de comer. e assim também foi durante a dominação japonesa. Esses rituais ocorrem dentro de casa, local propício e mais escondido para burlar a proibição nipônica.
Que texto incrível!!!
ResponderExcluirQueria saber como o kimchi, considerado um símbolo de identidade nacional coreana, pode ser interpretado como um 'ato de resistência' cultural durante a ocupação japonesa, e o que isso revela sobre a força da culinária como ferramenta de preservação histórica e identidade?
Obrigada Carolina!!! Interessante a sua pergunta. A culinária sempre será uma ferramenta importante de preservação histórica e de identidade, pois é passada de geração em geração, em todas as casas, e fora das casas em ambiente coletivos também. O kimchi pode sim ser interpretado como um ato de resistência pois normalmente ele é preparado antes do inverno, para que dure todo o período de inverno. E sua preparação envolve toda a família e muitas vezes vizinhos, que se juntam para preparar uma grande quantidade e variedade de kimchi. No K-drama "Desgraça ao seu dispor" a família da protagonista que está doente e tem poucos dias de vida, se reúne para fazer kimchi, como uma despedida familiar, se reúnem para fazer o que mais une as famílias: o cozinhar e o se alimentar. E mais uma vez a cozinha e o interior das casas eram locais de resistência a dominação japonesa. E assim o kimchi sobreviveu a rigorosa e perversa niponização.
ExcluirTema bastante interessante! Parabéns!
ResponderExcluirTratar sobre história da alimentação sempre rende olhares tão singulares sobre elementos tão comuns para nós quanto a comida. Minha pergunta é se houve, em algum momento, a repressão ou proibição de certos tipos de pratos (como mencionado com o confisco do arroz) sem que estivesse atrelado a épocas de secas e más colheitas?
Olá Hannah!!! Obrigada pelo comentário!!!
ExcluirAlém do confisco do arroz , que levou os coreanos a utilizarem outros alimentos, o Japão forçou a introdução e substituição de vários elementos marcantes da culinária coreana, mas felizmente não conseguiu. Claro que muitos elementos foram sendo incorporados, como em qualquer troca cultural. Mas o kimchi é um exemplo de resistência, pois o Japão não conseguiu introduzir outro alimento para substituí-lo, pois assim como o arroz o kimchi está presente em todas as refeições coreanas.