Larissa Redditt

 

KYUSHU: FRONTEIRA E PERIFERIA NA ANTIGUIDADE JAPONESA


O arquipélago japonês é formado por uma grande quantidade de ilhas, das quais as principais são Hokkaido, Honshu, Shikoku e Kyushu. Grande parte da historiografia, tanto japonesa quanto ocidental, tem priorizado análises centradas no centro de poder de Honshu (a região conhecida como Kinki ou Kinai) em detrimento de uma visão mais completa que considere o papel das outras regiões no processo de formação e estabelecimento do Estado japonês [Friday, 2006, p. 129]. Kyushu foi, ao longo da história japonesa pré-moderna, simultaneamente uma fronteira estratégica e uma periferia cultural. Este artigo explora como esses dois papéis coexistiram e moldaram a identidade histórica da ilha, com foco na antiguidade japonesa.

 

Este artigo se inicia com uma apresentação Kyushu nos dois diferentes papéis que ocupou simultaneamente: fronteira e periferia. Estou fazendo uma distinção entre esses dois termos apenas como uma estratégia analítica para explorar diferentes dimensões das relações que Kyushu estabeleceu e manteve com outras áreas. Quando me refiro a Kyushu como fronteira, abordo seu papel em relação às interações políticas, militares e também culturais na península coreana e na China. Quando me refiro a Kyushu como periferia, estou tratando de suas relações com as elites de Kinki, no contexto de uma rede inter-regional cada vez mais hierarquizada e centralizada. Contudo, isso não significa que essa divisão seja estática, pois Kyushu também poderia atuar como fronteira em relação a Kinki e como periferia para a China quando vista como parte do estado Yamato, por exemplo.

 

Quando pensamos na conexão entre o centro de Kinki e a periferia, aqui representada por Kyushu, muitos pontos ainda não estão claros. (1) Qual era a relação entre essa região e a área central de Kinki? (2) Qual papel a região desempenhou nas relações entre o emergente Estado de Yamato e os outros Estados do Leste Asiático?

 

Embora no início do período Kofun o grau de variabilidade regional ainda fosse bastante elevado, no período Kofun tardio (século VI) e final (século VII) havia um nível considerável de homogeneidade cultural em todo o arquipélago japonês [Tsude, 1996, pp. 169, 176, 178]. Essas características podem ser observadas no registro arqueológico principalmente por meio de elementos funerários, como a forma e o tamanho dos montes funerários, câmaras funerárias, bens funerários, haniwa, além de outros vestígios materiais não funerários. Já no período Nara, o Nihon Shoki contém várias menções a Tsukushi, o nome pelo qual o emergente estado de Yamato conhecia o norte de Kyushu [Cobbing, 2009, p. 47].

 

 

Centralização: Kyushu como periferia

 

O processo de formação do Estado Japonês, que se deu ao longo do período Kofun (c. 250-710) e culminou no período Nara (710-794), tende a ser considerado a partir de uma perspectiva centrada em Kinki, onde acabou se estabelecendo o centro de poder da dinastia de Yamato ao final do período Kofun. Porém, estudos sobre aquilo que podemos chamar de zonas periféricas podem fornecer uma visão mais detalhada e completa deste processo de formação. No início do século VI, a proeminência das elites de Kinki estava aumentando, mas a situação não era totalmente estável em outras áreas, especialmente naquelas mais distantes da região central, onde havia uma certa resistência às intervenções de Kinki por parte das elites locais tradicionais [Mizoguchi, 2013, p. 313]. No norte de Kyushu pelo fato de novos agrupamentos de túmulos em formato de fechadura começarem a ser construídos nessa época [Mizoguchi, 2013, p. 312]. 

 

O arqueólogo Mizoguchi Kōji relaciona a persistência de relações assimétricas entre a elite local de Kyushu e entre elas e a autoridade central de Kinki, mesmo quando a centralização do poder já estava em curso, com a cultura material que reflete o sistema de produção e circulação de bens de prestígio no século VI [Mizoguchi, 2013, pp. 312–15]. A situação política no arquipélago estava passando por mudanças consideráveis em meados deste século [Cobbing, 2009, p. 47]. Os bens de prestígio encontrados em enterramentos ao longo de toda a esfera cultural Kofun foram inicialmente importados do continente, aparecendo em maior concentração em Kyushu. Mais tarde, esses itens começaram a ser produzidos pelas elites de Kinki e distribuídos às elites regionais. No entanto, mesmo quando produzidos dentro da região de Kinki, a concentração de itens de prestígio de alto nível permaneceu maior em Kyushu do que em muitas outras regiões [Mizoguchi, 2013, pp. 314–15].

 

Isso significa que, mesmo com as muitas mudanças trazidas pela transferência da produção para dentro do arquipélago, as elites de Kyushu conseguiram, de alguma forma, se adaptar às novas circunstâncias e manter sua posição elevada na rede de poder liderada pelas elites de Kinki. Contudo, na maioria dos aspectos, há mais semelhanças do que diferenças entre os kofun da área de Kinki e os de Kyushu, especialmente nas partes tardias e finais do período. Isso aponta para um nível crescente de centralização em torno da entidade política Yamato, ou no mínimo para uma estreita aliança. No entanto, não havia um controle total, e houve até conflitos, sendo o mais famoso a Rebelião de Iwai de 527, mencionada no Nihon shoki [Aston, 1896, pp. 15–17].  Este conflito foi travado “pelo acesso às rotas marítimas”, que possibilitariam alianças com reinos coreanos [Hudson, 2017,  p. 112].

 

Na segunda metade do século VII, a situação já era bem diferente. O controle sobre Tsukushi foi reforçado devido à necessidade de “policiar a fronteira entre Kyushu e a Coreia” [Batten, 2006, p. 23] após a derrota na batalha contra Silla e a China Tang. Aqui, os dois papéis do norte de Kyushu se sobrepõem, situação que se manterá ao longo do período Nara, em que a corte baseada em Heijo-kyo utiliza Kyushu como seu entreposto diplomático oficial.

 

Ao longo do período Nara, a corte enviava representantes para governar Tsukushi, que ficavam baseados no grande complexo administrativo de Dazaifu, que veio para substituir os antigos miyake. Neste momento o controle da capital sobre a região era, portanto, muito mais direto. Apesar disso, algumas elites locais conseguiram se manter em posições de destaque e como grandes proprietários de terras até o século XVI, como foi o caso do “clã” Munakata.

 

O Continente: Kyushu como Fronteira 

 

A ilha  está localizada em uma posição privilegiada em relação à península coreana e desde muito cedo o estreito de Tsushima já havia se tornado a principal rota entre o continente e o arquipélago. É importante destacar que as interações culturais entre o arquipélago e o continente, que incluíam não apenas o fluxo de pessoas (migrantes) e bens, mas também de ideias, ocorreram inicialmente em Kyushu. Por ser uma “zona de confluência de dois mundos culturais sobrepostos” [Cobbing, 2009, p. xvii], explorar e compreender as trocas culturais ocorridas no norte de Kyushu é essencial para entender a cultura Kofun estabelecida no arquipélago. Além disso, essas interações são uma rica fonte de informações para períodos em que os registros escritos ainda não eram produzidos. A própria rizicultura, que passou a ser um grande marcador cultural do Japão durante quase toda a sua história, chegou ao arquipélago no período Yayoi por via de Kyushu, onde a prática se estabeleceu e apenas posteriormente se espalhou para o resto do arquipélago.

 

Avançando para o final do período Kofun, Kyushu não apenas ocupava a periferia de um estado cada vez mais centralizado, mas também continuou atuando como um portal para o Japão. Embora os contatos com o continente fossem realizados por meio de Kyushu, as elites da região de Kinki passaram a monopolizar progressivamente esses contatos no final do período Kofun [Mizoguchi, 2013, p. 304]. Como esses contatos eram uma parte crucial das relações de poder no arquipélago, o centro dedicava atenção especial à área onde ocorriam [Cobbing, 2009, p. 48].  O arquipélago japonês eventualmente acabou se envolvendo em alguns das constantes agitações políticas e militares entre os reinos coreanos que ocorreram ao longo de quase todo o período Kofun [Tamura, 1990, p. 2]. 

 

De acordo com o Nihon Shoki, dois soberanos Yamato do século VII passaram algum tempo em Tsukushi. Durante o conflito com Silla e a China para ajudar seu aliado Paekche, a soberana Saimei (r. 655–661) foi com suas tropas para Kyushu, a fim de supervisionar pessoalmente o esforço de guerra em 661. Após sua morte no local, seu filho Tenji (r. 661–672) ainda permaneceu na região pelo menos até 663, quando o conflito de fato ocorreu na península e suas forças foram facilmente derrotadas pela poderosa China Tang [Batten, 2006, pp. 20–21]. Após a derrota, a necessidade de proteger o arquipélado de possíveis invasões vindas do continente ofereceu uma grande oportunidade para as elites de Kinki, as mais aptas a conseguir coordenar esforços militares em larga escala, se impusessem sobre as demais regiões, acelerando e intensificando e mais ainda o processo de centralização que já estava em curso.

 

Ao longo de todo o período Nara, a corte manteve um contato diplomático constante com o continente, principalmente com o envio de emissários oficiais para a capital da dinstia Tang.

Neste contexto, o norte de Kyushu funcionava como entreposto entre o continente e o arquipélago, função evidenciada pela construção e manutenção de estruturas como o Korokan.

 

Cultura Material

 

A grande maioria das interações culturais, políticas e até mesmo militares entre o arquipélago e o continente foram realizadas por meio de Kyushu [Cobbing, 2009, p. 48]. Um bom exemplo é o uso de bens de prestígio importados do continente, que funcionavam como “capital simbólico” [Hudson, 2017,  p. 113] e desempenharam um papel crucial na formação dos nós entre as diferentes unidades políticas do arquipélago desde o final do período Yayoi. O acesso a mais bens de prestígio por um liderança regional proporcionava uma posição privilegiada dentro da rede, afetando diretamente as relações de poder [Mizoguchi, 2013, pp. 226–36]. 

 

Os tumuli kofun também são um recurso particularmente útil para entender tanto as relações entre as elites locais quanto a relação delas com a elite central de Kinki, pois os elementos envolvidos na construção dos kofun e nos rituais funerários reafirmavam e reproduziam as relações entre essas elites [Mizoguchi, 2013, p. 319]. Até o século VI, as relações eram mais baseadas na colaboração do que no controle. No entanto, no século VII, as relações tinham se tornado hierarquizadas [Ibid.]. Isso significa que Kyushu estava agora sob o controle da política de Kinki, mas, mesmo sob essas circunstâncias, a região manteve um papel crucial e parece ter tido um nível de autonomia ligeiramente maior do que outras áreas sob influência de Yamato. 

 

Outros tipos de sítios são igualmente esclarecedores para o propósito de investigar a história da antiga Kyushu, e, assim, também apresentarei alguns deles. O Tsukushi “Lodge”, Dazaifu e Okinoshima nos ajudarão a refletir sobre as relações culturais e diplomáticas ocorridas na região e fornecerão pistas para compreender as mudanças nas relações envolvendo a península coreana e a elite de Kinki.

 

Tumuli kofun 

 

Muitos bens funerários encontrados nos montes funerários cochecidos como kofun de todo o arquipélago indicam intensas interações culturais com a península coreana. A própria adoção desta prática de enterramento bem como alguns dos elementos rituais associados a ela apareceu primeiro em Kyushu, onde se desenvolveu e adquiriu caracteríscas próprias, diferentes de como foram importadas, para só então se espalhar para as ilhas de Honshu e Shikoku.

 

O norte de Kyushu testemunhou o surgimento de kofun decorados, classificados por arqueólogos como indicativos de uma “cultura única,” representada inicialmente por padrões geométricos e, posteriormente, por desenhos concretos. [Sada, 2008, pp. 1, 3] Essa também foi a região que apresentou as primeiras ocorrências de pinturas murais no estilo continental [Ibid., p. 3]. As particularidades encontradas na cultura material relacionada a práticas funerárias, ou pelo menos o fato de Kyushu ter sido o ponto de partida para algumas características que se tornaram relevantes na cultura como um todo, como as câmaras decoradas, apontam para uma Tsukushi relativamente autônoma em termos culturais se comparadas a outras áreas. 

 

Uma característica bastante particular, embora limitada, encontrada no norte de Kyushu é o uso de estátuas de pedra em formas humanas e de cavalos [Barnes, 2015, p. 359], em vez dos haniwa cerâmicos regulares vistos em outros lugares. Essas estátuas datam do período kofun tardio (século VI), associadas no kofun Iwatoyama, identificado como o túmulo do líder da Rebelião de Iwai, em outros túmulos do mesmo grupo e também em Kumamoto [Akurosu Fukuoka, 2009, p. 109]. Entretanto, esta característica não é representativa da cultura kofun da região como um todo, porque as estátuas de pedra são mais uma ocorrência isolada do que uma característica comum em Kyushu. Embora a maioria das ocorrências de estátuas de pedra esteja em Kyushu, a maioria dos kofun na região que utilizam os haniwa de cerâmica. Ainda assim, sua presença, indica que a conformidade com a cultura kofun predominante, representada neste caso pelos haniwa no estilo de Kinki, não ocorreu sem resistência. Algum tipo de resistência sem dúvida estava em andamento nessa área. Essa resistência foi posteriormente chamada de “rebelião” pelos vitoriosos, as elites de Kinki, implicando a desafiadora rejeição de uma ortodoxia estabelecida.  

 

Tsukushi Lodge

 

O Tsukushi Lodge, posteriormente conhecido como Kōrokan [Batten, 2006, p. 3], era uma instalação diplomática que funcionou a partir da segunda metade do século VII e esteve ativa por cerca de quatrocentos anos [Fukuoka, 2013, p. 40]. Embora os arqueólogos ainda não tenham conseguido determinar uma data precisa para sua construção, estima-se que remonta a antes de 688, quando é mencionado pela primeira vez no Nihon Shoki [Aston, 1896, p. 387]. Pelo menos duas funções deste edifício são conhecidas: servir como alojamento para os oficiais da sede de Dazaifu [Batten, 2006, p. 30] e como espaço de recepção para hóspedes oficiais de países estrangeiros [Aston, 1896, p. 387]. 

                                                                                                                                      

A própria construção dessa instalação pelo poder central nos revela várias coisas. Primeiro, o fato de que esse empreendimento foi possível naquele momento indica o nível de controle que o governo Yamato tinha sobre essa região. Provavelmente não teria sido possível no século anterior, por exemplo. Segundo, mostra como a área era vista como um nó estratégico nos contatos e na diplomacia com a península coreana e a China pelo centro de poder.

 

Dazaifu

 

Também ligado às consequências do conflito que culminou na Batalha do Rio Paekchon, de 661 a 663, houve um processo de “criação de uma organização militar complexa voltada para a vigilância da fronteira entre Kyushu e a Coreia” [Hudson, 2017, p. 112]. Como parte desse processo, foi criada uma fronteira fortificada entre a península e o arquipélago [Batten, 2006, p. 24]. A existência material dessa fronteira é representada por um centro de comando conhecido como a sede de Dazaifu, localizada cerca de quinze quilômetros a sudeste da baía de Hakata [Batten, 2006, pp. 30, 34], em uma área bastante protegida. O estabelecimento dessa sede foi acompanhado pela construção de fortificações, entre elas Kii e Ōnojō, que flanqueavam a sede [Cobbing, 2009, p. 69] como parte de um plano de defesa contra os poderes da Ásia continental [Akurosu Fukuoka, 2009, p. 128]. 

 

No decorrer das décadas seguintes, o complexo de Dazaifu desenvolveu-se como a primeira área urbana de Kyushu e em uma das primeiras do arquipélago [Batten, 2006, pp. 35–37], sendo utilizada até o século XI. Todo o complexo de Dazaifu foi modelado com base em Puyo, a capital do reino coreano de Paekche. Isso pode ser explicado pela presença e envolvimento de refugiados coreanos do conflito anterior na construção desses edifícios [Akurosu Fukuoka, 2009, p. 128; Batten, 2006, p. 31]. Pesquisadores estimam que as estruturas de madeira que compunham as instalações exigiram uma imensa força de trabalho e muito tempo para serem concluídas [Batten, 2006, p. 27]. 

 

Esse é o mais antigo vestígio material indiscutível de uma “presença governamental permanente” [Cobbing, 2009, p. 68] em Kyushu. Além disso, o fato de este ser o maior “governo local” da época [Akurosu Fukuoka, 2009, p. 127] indica o grau de importância de Kyushu em comparação com outras entidades regionais que estavam sendo gradualmente submetidas ao controle da elite de Kinki.

 

Okinoshima

 

A história de Okinoshima e da área de Munakata a ela relacionada aponta para uma forte relação entre o clã Munakata, do norte de Kyushu, e a linhagem Yamato da região de Kinki, cada vez mais influente a partir da segunda metade do século VII. Alguns dos mesmos itens encontrados na ilha também foram descobertos em outros locais de Munakata, evidenciando a relação de interdependência entre eles [Okazaki, 1993, pp. 314–15].  A ilha inteira é um rico sítio arqueológico, pois serviu como um local de rituais estatais por cerca de seis séculos, durante os quais “artefatos como espelhos de bronze, espadas, contas e cerâmicas foram depositados”  [Hudson, 2017, p. 112].

 

Embora exagere o grau de estabilidade entre os grupos de elite ao longo de todo o período Kofun em seu ensaio, o arqueólogo Okazaki Takashi destaca a importância desse local da seguinte maneira:  “Foi um ponto inicial e contínuo de contato entre o Japão e o continente, e seu surgimento como local religioso durante o período dos túmulos pode ser conectado à ascensão do reino Yamato” [Okazaki, 1993, p. 312]. 

 

A maior parte da cultura material usada nas atividades rituais realizadas na ilha em sua segunda fase (séculos V a VII) e terceira fase (séculos VII e VIII) consiste em objetos rituais, alguns dos quais muito semelhantes aos encontrados em contextos funerários da época. A motivação das oferendas provavelmente estava relacionada a garantir uma passagem segura entre Kyushu e a península [Okazaki, 1993, p. 316; Hudson, 2017, p. 112]. 

 

Conclusão

 

Ao analisarmos a cultura material do norte de Kyushu no período Kofun tardio e final, observamos que, embora Kyushu ainda tivesse um certo grau de autonomia e também alguma resistência ao poder centralizador das elites de Kinki no início do século VI, até o final do século VII a situação havia mudado drasticamente, com um controle considerável sobre Kyushu. 

 

O grau de controle fica evidente pela construção de instalações como o Korokan e a sede de Dazaifu, mas foi necessário examinar outros aspectos para entender a natureza desse controle. A concentração de bens de prestígio em túmulos locais sugere que isso foi alcançado mais por meio de negociações constantes entre as elites do que pela imposição militar do poder. Embora a construção dos kofun tenha cessado no século VIII, instituições como o Korokan e Dazaifu não só constinuaram operando período Nara adentro como foram largamente ampliados.

 

Destacamos, por fim, a agência da cultura material, considerando que a construção dessas instalações não apenas foi possibilitada pelas circunstâncias históricas daquele período – particularmente a centralização em andamento do estado Yamato – mas também desempenhou um papel no próprio processo de centralização. Isso colocou a linhagem Yamato em uma posição em que apenas ela tinha os meios para distribuir bens de prestígio e para proteger as elites locais de Kyushu contra inimigos externos. Essa situação, reforçou os laços entre a elite local e a de Kinki e garantiu o controle mesmo sobre uma região tão distante do centro.

 

Referências

Larissa Redditt é doutoranda em História (Leste Asiático) pela University of Wisconsin-Madison, mestre em Japanese Humanities pela Universidade de Kyushu e coordenadora do GHAJ/LHER-UFRJ. Contato: redditt@wisc.edu

 

Nota: Todas as citações são traduções livres feitas pela autora.

 

Akurosu Fukuoka bunkashi 3: Kodai no Fukuoka アクロス福岡文化誌3:古代の福岡. Fukuoka: Akurosu Fukuoka bunkshi hensan iinkai, 2009. 

 

Aston, William G., trans. Nihongi: Chronicles of Japan from the Earliest Times to AD 697. 2 vols. London: Kegan Paul, Trench, Trübner & Co., Limited, 1896.

 

Barnes, Gina L. Archaeology of East Asia: The Rise of Civilization in China, Korea and Japan. Philadelphia: Oxbow Books, 2015.

 

Batten, Bruce. Gateway to Japan: Hakata in War and Peace, 500–1300. University of Hawaii Press, 2006.

 

Cobbing, Andrew. Kyushu, Gateway to Japan: A Concise History. Folkestone, Kent: Global Oriental, 2009.

 

Friday, Karl. “Takahashi Tomio: The Classical Polity & Its Frontier.” In Joan R. Piggott, ed., Capital & Countryside in Japan, 300-1180. Ithaca, NY: Cornell Center for East Asian Studies,

2006, pp. 128-45.

 

Fukuoka: Ajia ni ikita toshi to hitobito FUKUOKA: アジアに生きた都市と人びと. Fukuoka: Fukuoka-shi Hakubutsukan, 2013.

 

Hudson, Mark J. “The Sea and Early Societies in the Japanese Islands.” In Philip De Souza and Pascal Arnaud ed. The Sea in History: The Ancient World, Woodbridge: Boydell & Brewer, 2017, pp. 102–13.

 

Mizoguchi, Kōji. The Archaeology of Japan: From the Earliest Rice Farming Villages to the Rise of the State. Cambridge University Press, 2013.

 

Okazaki, Takashi. “Japan and the Continent.” In vol. 1 of Cambridge History of Japan, ed. Delmer M. Brown, pp. 268–316. Cambridge University Press, 1993.

 

Sada Shigeru 佐田茂. “Kyūshū kara mita kofun jidai kōki” 九州から見た古墳時代後期.  In Kōki kofun no saikentō: Dai 11 kai Kyūshū Zenpō Kōenfun Kenkyūkai Saga taikai 後期古墳の再検討: 11回九州前方後円墳研究会佐賀大会, pp. 1–5. Kumamoto: Kyūshū Zenpō Kōenfun Kenkyūkai, 2008.

 

Tamura Enchō 田村圓澄Tsukushi to Asuka: Nihon kodaishi o miru me 筑紫と飛鳥: 日本古代史を見る眼. Rokkō Shuppan, 1990.

 

Tsude, Hiroshi. “Homogeneity and Regional Variability in Cultures of the Kofun Period.” In Omoto Keiichi, ed. Interdisciplinary Perspectives on the Origins of the Japanese: International Symposium,. Kyoto: Nichibunken, 1996, pp. 169–79.

 

 

9 comentários:

  1. Prezada Larissa, excelente artigo!
    Você poderia esclarecer se há uma influência cultural direta entre a formação dos kofun e as práticas buriais chinesas Tang? E se há, isso quer dizer que há uma confluência de crenças post-mortem entre as duas culturas?
    Agradeço pelo ótimo texto, e aguardo sua resposta.
    Rafael Shuji

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    1. Olá, Rafael!
      Obrigada pela sua pergunta.
      Não há relação entre a China Tang e a formação dos kofun, porque o período de desenvolvimento do que chamamos “pacote kofun inicial” se deu alguns séculos antes da ascenção da dinastia Tang. Entretanto, esse desenvolvimento ocorreu sim como parte de um longo processo de interações culturais entre o arquipélago japonês e o continente - usamos muito a noção de “esfera cultural do mar da China.”
      Se quiser saber mais sobre esse processo de formação de maneira mais geral, dá uma conferida no meu artigo da edição especial da Nearco organizada pelo André Bueno.
      Abraços,
      Larissa Redditt

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  2. José Carvalho Vanzelli4 de dezembro de 2024 às 21:37

    Olá, Larissa. Parabéns pelo seu texto.
    É muito interessante ver um trabalho que joga luz e dá destaque a uma região como Kyushu, que é tão importante mas por vezes é tão escanteada nos estudos japoneses.
    Minha pergunta é bastante simples. Uma vez que, como você coloca no texto, até o final do século VII o controle de Kinki sobre Kyushu estava consolidado, eu gostaria de saber se, para você, ao longo dos períodos posteriores da História Japonesa, Kyushu continuou sendo sempre vista como Fronteira/periferia do Japão ou se, em algum momento, pode ser entendido que essa relação com o poder central em Honshu foi abalado?
    Mais uma vez, parabéns pelo trabalho.
    José Carvalho Vanzelli

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    1. Olá, José
      Sua pergunta é extremamente pertinente! Este é um texto antigo meu, e hoje em dia estou trabalhando com essa mesma área só que no período Edo, então tem sido bem interessante observar essas dinâmicas através do tempo.
      Eu diria que o Norte de Kyushu continua funcionando como fronteira e como periferia ao longo de toda a história japonesa, até hoje, só que as formas específicas pelas quais esses aspectos se manifestam e as relações com o poder central variaram imensamente dependendo do período em questão.
      Abraços,
      Larissa Redditt

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  3. Primeiro quero te parabenizar pelo texto! Eu nunca tinha lido um texto que falasse de forma tão sutil da região de Kyushu. Minha pergunta é na verdade mais uma curiosidade. Quando você fala a respeito do uso das estátuas de forma humana e de cavalo encontrada no norte de Kyushu, mesmo sendo uma característica isolada, é de certa forma uma influência da cultura coreana?! Ou não tem nenhuma ligação?!

    Mais uma vez, parabéns pelo texto!

    Suelen Bonete de Carvalho

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    1. Olá, Suelen
      Muito obrigada por sua pergunta. Vou responder a sua e a do Leonardo junto pois o tema é o mesmo.
      Esses artefatos de pedra também caem dentro da classificação mais ampla de Haniwa, estatuetas funerárias mais comumente feitas de cerâmica haji (aquela que tem uma cor alaranjada) e que ocorriam ao longo de todo o horizonte kofun no arquipélago. Como respondi ali em cima para o Rafael, embora eu não goste muito de usar o termo “influência,” todos esses elementos da cultura kofun se desenvolveram no contexto dos constantes contatos da esfera de interação do mar da China —— como diria o grande Carlo Ginzburg, nenhuma ilha é uma ilha. O desenvolvimento dos haniwa foi longo, se deu ao longo de alguns séculos, e seu significado certamente passou por mudanças ao longo desse tempo. Existem interpretações diferentes dentre os arqueólogos, dentre as quais eu tendo a seguir a do Mizoguchi Koji, que aponta para a relação entre a mudança na construção dos montes funerários que vai cada vez menos envolvendo a comunidade como participantes ativos, e o aumento no uso de haniwa especialmente em formato humano.
      A questão dos haniwa de pedra, divergentes do padrão comum, se deve, na minha análise a um conjunto de fatores que inclui relações de competição de hegemonia social, econômica, política e cultural com as elites de kinki. Essas relações de poder, muito complexas, foram naquela ocasião expressas através da recusa em participar da tendência cultural centralizadora de kinki, muito embora grande parte desses elementos funerários tenham surgido primeiro em Kyushu, alguns séculos antes.

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  4. Oi Larissa, gostei muito do texto. Aprendi muito lendo ele e fazendo pesquisas que seu texto me suscitava, enquanto o lia. Dentre tantas informações interessantes, me surgiu uma dúvida: segundo a crença local, qual era a função dos haniwa? Muito obrigado. Leonardo Gabriel

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  5. Boa noite, Larissa! Mais um texto interessante sobre kofun, muito didático! Minha questão é a seguinte (e me perdoe se for algo muito básico): Por qual motivo Kyushu é tão rico nessa cultura dos kofun? E saindo de Kyushu e indo para o lado, Osaka, tem o Daisen Kofun, suposto túmulo do imperador Nintoku, enquanto sua consorte foi enterrada em Nara/Yamato, onde estava instalado a família imperial, há algum motivo dele ter sido enterrado em outro lugar distante de Yamato?
    Desde agradeço pela resposta e mais uma vez parabéns pelo texto!

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    1. Oi Vivianne! De forma alguma sua questão é algo básico, muito pelo contrário! Se mais arqueólogos e historiadores japoneses estivessem dispostos a fazer esse tipo de questionamento que você fez, e que eu venho propondo há muito tempo, mas que pode compromenter as narrativas hegemônicas de formação do Estado, o campo já teria avançado muito mais nas últimas décadas! Alguns autores já ousaram propor algumas análises nesse sentido, e existe um gráfico bem elucidativo acerca da distribuição dos tumuli na área de kinki/kinai ao longo das fases finais do período kofun (Se quiser te passo a imagem direto depois, mas está disponível em Mizoguchi and Smith - Global Social Archaeologies, p. 130). Através da sequência dos maiores kofun de cada aglomerado, dá pra visualizar bem uma alternância dos principais centros de poder a cada geração. Isso (de maneira muito simplificada) sugere que existia um quadro muito mais de competição entre as diferentes elites de kinki do que de hegemonia dos representantes de uma ou outra área. Ou seja, ainda que a essa altura a posição hegemônica das elites de kinki sobre as elites de outras regiões já esteja bem delineada (com apenas alguns casos de maior resistência, como o norte de Kyushu), não podemos dizer o mesmo com relação à situação dentro da área de Kinki. O que as crônicas do século 8 (primeiros textos a tentar associar túmulos aleatórios a supostos imperadores do passado) muito provavelmente fizeram foi tentar costurar as narrativas de maneira que ficasse parecendo que a casa de Yamato (que era quem estava no poder quando da produção desses textos) tenha estado sempre no controle daquela região inteira, o que claramente não era o caso. Enfim, tentei simplificar um quadro que na realidade é muito mais complexo mas espero que tenha conseguido elucidar sua dúvida.
      Abraços!

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