Kerolayne Correia de Oliveira

 

ÍCONES BIZANTINOS E SEUS LEGADOS HISTÓRICOS: A REPRESENTAÇÃO DE MARIA ATRAVÉS DE UM PROJETO DE TRANSFORMAÇÃO DO MUNDO SENSÍVEL EM POLÍTICAS DO SÉCULO XIX



Introdução

O eurocentrismo é um grande desafio epistemológico a ser superado, inclusive – ou talvez sobretudo – para a História. James M. Blaut o define enquanto um discurso e, ao mesmo tempo, uma crença poderosa que o Ocidente teve uma vantagem histórica e geográfica única, criando um centro e uma periferia. O primeiro inventa e o segundo imita – processo chamado de “difusionismo” pelo autor [1993].

 

Ainda que essa visão tenha sido contestada por vários autores como Anouar Abdel Malek, Samir Amin, Gunder Frank, Dipesh Chakrabarty, Jack Goody, apenas para citar alguns deles, a consolidação do capitalismo garantiu a hegemonia dessa ideologia, disseminada para vários espaços do mundo ocidental. Consequentemente, ao passo que temas de pesquisa são valorizados, outros, no melhor dos cenários, foram intencionalmente desvalorizados. O impacto dessas visões, movidas pelo eurocentrismo é majoritariamente negativo, visto que elas pressupõem hierarquias desfavoráveis entre seres, espaços e ideias, como mostrou, dentre vários autores, Edward Said através do conceito de Orientalismo [Said, 2007]. Soma-se a isso a uma visão de classe: a burguesia europeia – visto que o eurocentrismo é um dos pilares teóricos das investidas coloniais, como sublinhou James M. Blaut [1993].

 

A negligência dos estudos ocidentais sobre o Império Romano do Oriente – ou Império Bizantino, como definido pelo Ocidente durante o Renascimento [Mango, 2008, p. 9-10] – é latente e não pode ser distanciada de projetos que remontam, para Guy Mettan, ao cisma das igrejas ainda em 1054 [Mettan, 2017]. A consequente desvalorização da sua iconografia é apenas uma das faces da problemática, cujo impacto não circunscreve apenas a história do Império Bizantino, como também da Rússia, sua principal herdeira.

 

Os ícones, por sua vez, importantes elementos da História do Cristianismo, quase tão antigos quanto o próprio Cristo, são postos em uma escala de avanço teleológico onde o realismo, desenvolvido durante o Renascimento, “evolui” tecnicamente a ponto de alcançar o suprassumo da Arte. Essa falsa equivalência da métrica eurocêntrica oblitera os reais significados sociais dessas ricas produções materiais, umbilicalmente imbricadas na História do Império e suas seculares relações.

 

Portanto, pensar essas imagens com mais honestidade intelectual, como recomendou Anne Cheng sobre as conflitantes e preconceituosas visões sobre a China [Cheng, 2008], permite que as vejamos sob seus próprios termos. Por meio desse esforço, é possível também analisar intencionalidades sociais, políticas, econômicas e religiosas não apenas circunscritas ao seu período, mas além dele.

 

Um Império entre Impérios

Para João Gouveia Monteiro, não levar em consideração o Império Bizantino durante o período que se convencionou chamar de Idade Média “é como ver o mundo a preto e branco, de costas voltadas para a entrada da caverna” [2016, p. 10]. Durante sua duração, 1.123 anos e 18 dias, construiu-se uma história plural, fruto não apenas das heranças gregas – visto que foi fundada sobre Megera [Runciman, 1961, p. 6], uma cidade construída por marinheiros, no ano de 657 AEC – mas também romanas: “os seus habitantes apelidaram-se romaioi, ou simplesmente cristãos” [Mango, 2008, p. 9-10]. Pelo menos desde a Guerra do Peloponeso [431-404 AEC], sua importância tornou-se consenso, tendo em vista sua posição estratégica sobre a entrada do Mar Negro, onde fortificações foram garantidas em 321 AEC. Constantinopla, a capital do Império Romano no Oriente, foi inaugurada por Constantino [272-337 EC] em território que possuía longa tradição grega e profundas relações com seu entorno. Suas refinadas conexões, além de suas heranças culturais, permitiram que o Império construísse uma trajetória particular, ainda que em diálogo com diferentes povos e culturas.

 

Consequentemente, o Império, e principalmente a capital, sentia o constante perigo de invasões ou incursões ameaçadoras. Segundo Colin Wells, Bizâncio e a Pérsia, seu primeiro grande rival, enfrentaram-se durante séculos: “a fronteira que os separava oscilou para lá e para cá dentro da margem relativamente estreita que dividia em dois o Crescente Fértil” [2019, p. 131]. Entretanto, houve a pressão dos povos germânicos e dos hunos, vindos da Mongólia. Com os Francos e Eslavos a situação desenhou-se de outra forma: por vias diplomáticas, recurso secularmente preferível às batalhas campais [Cf. Runciman, 1961; Monteiro, 2016]. Em 651, com a morte de Yazgird III (624-651) o Império Persa cedeu sua vez aos árabes, que garantiram domínio sob o Planalto do Irã; enquanto na Europa, os Ávaros deram lugar aos Búlgaros e aos Eslavos [Monteiro, 2016, p. 209]. O cenário muda novamente com a ascensão do Império Otomano – entidade política que ganhou força após o enfraquecimento do sultanato Seljúcida, no fim do século XIII, e que foram responsáveis pela dissolução do Império Bizantino em 1453, demarcando o fim da Idade Média [Cf. Kafadar, 1996].

 

Apesar da estoica resistência às questões fronteiriças e à terríveis adversidades – tais como calamidades naturais, invasões e crises internas –, o Império ainda precisou esforçar-se para superar a dificuldade de “conciliação dos quadros da filosofia antiga e da racionalidade grega com o dogma trinitário proposto pelo cristianismo” [Monteiro, 2016, p. 40]. Nesse sentido, o imperador era um basileus, comandante da justiça, do exército e protetor da Igreja. Seu governo contava com um senado de 300 a 2000 membros. Era aclamado na Hagia Sofia pelo exército e o povo; só assim poderia vestir o diadema real – ritual de influência persa, principal referência de poder à época [Runciman, 1961, p. 49-58].

 

As imagens, nesse cenário, espelhavam parte desse poder do cerimonial, dando-lhe contexto, ao mesmo tempo em que também representava o governante: prestava-se as mesmas honras tanto para o imperador quanto para as suas imagens. A arte era instrumento para a transmissão de poder [Angold, 2002, p. 54]. Justiniano [482-565], portanto, se preocupou particularmente com a transformação de Constantinopla em uma capital condizente com o cristianismo, ao mesmo tempo em que deveria representar a personificação da majestade.

 

Ao passo que as imagens imperiais tomavam forma objetivando um projeto de projeção de força política, outras imagens, os ícones, alçaram-se concomitantemente enquanto pilar do cristianismo ortodoxo e reforço ao poder imperial. Ambas as imagens se alimentaram mutuamente, compartilhando signos e usos. Como exemplo, foram instrumentos de transcendência e poderiam funcionar como um portal de acesso ao sagrado, no caso dos ícones, ou representando o imperador em sua ausência, no caso dos retratos imperiais, emanando a sua presença física.

 

Os ícones ganharam espaço dentro do Império a partir do édito de Tessalônica, promulgado por Teodósio I [347-395], em 380 EC. Segundo Runciman, a fé cristã “tinha um poder de atração muito mais amplo do que qualquer outra”; ao passo que havia no cristianismo em ascensão, elementos com os quais aquelas pessoas poderiam se identificar: ele “encorajava o misticismo, pregava uma escatologia de esperança, era rico de símbolos e tinha um ritual nobre” [Runciman, 1961, p. 15]. Destaca-se, por exemplo, o impacto que teve, no século III, o culto de Isis e da Grande Mãe no Ocidente desde os primeiros contatos de Roma com o Leste [Ibidem, p. 14]. Foram os traços culturais das antigas religiões, anteriores ao cristinianismo, que ajudaram a moldá-lo.

 

O movimento iconoclasta, episódio com mais de um século de duração – de 727 a 843 – demonstrou como as imagens, em especial os ícones, estiveram no cerne de questões essenciais para a sobrevivência do Império em um dos seus maiores momentos de crise. Foi durante a dinastia heracliana [610-711] que o avanço do islã foi sentido com mais força por Leão III [675-741], de origem Síria [Cf. Besançon, 1997].

 

Os ícones bizantinos

Os monges, admiráveis figuras que abdicaram da vida na cidade para viver em mosteiros e conventos, populares para os bizantinos, eram responsáveis pela tarefa de construção dos ícones, não sem antes passarem por um processo de preparo espiritual. Ainda que possuíssem destaque dentro do Império, inclusive representando um papel benéfico para a população no sentido de equilíbrio social, Robin Cormack afirma que “os monges, mais do que qualquer outro grupo, enquadram-se na categoria de subversão institucionalizada” [1985, p. 118]. Os mosteiros, geralmente, administravam questões agrícolas, além das doações usuais. Suas propriedades eram, pela lei imperial e canônica, inalienáveis: cresciam ou mantinham-se intactas e o direito à propriedade era empossado a vários grupos, podendo ser de origem imperial, episcopal, privado ou inteiramente dependentes [Mango, 2008, p. 140].

 

Os concílios ecumênicos representaram outro pilar que precisa ser levado em consideração para compreender a construção dos ícones. Para Alberigo Giuseppe, eles foram responsáveis por movimentar os primeiros séculos de cristianismo, herdando os modelos de sanedrin hebreu e do senado romano enquanto uma dinâmica de comunhão [Alberico, 1993, p. 11]. Esses grandes encontros, com a finalidade de formular as profissões de fé e confrontar as correntes heréticas, foram reunidos por iniciativa imperial e almejavam a coesão e unidade da Igreja. Tornaram-se parte de um papel político de sustentação do Estado em sua unidade [Ibidem, p. 21].

 

No âmbito das imagens, essas discussões tiveram implicação direta. O arianismo, por exemplo, ao questionar o papel uno da Trindade e compreendendo Cristo como Filho de Deus, abria margem para a sua representação. O credo, a partir de Constantinopla I [381], tornou-se novamente assunto para definir o Espírito Santo também como parte da Trindade, e portanto, como parte consubstancial da natureza divina. Em Éfeso [431], por sua vez, preocupou-se com a vertente da interpretação cristã que foi também considerada herética: o nestorianismo. Nestório [386-451], patriarca de Constantinopla, compreendia que as naturezas humana e divina em Cristo eram separadas, diferente de Ário, que entendia em Cristo a predominância da natureza humana por ser Filho de Deus. Consequentemente, a representação alegórica de Cristo como um cordeiro, pôde assumir maior ou menor semelhança com Zeus, ganhando porte físico e barba. Essas duas formas de representação de Cristo podem ser encontradas em batistérios localizados em Ravena, na Itália. Segundo Runciman, a percepção mais humana de Cristo tornou-se extremamente antipopular, visto que “levava a um ataque à amada padroeira de Constantinopla, a Virgem Maria, ameaçada de perder o título de Mãe de Deus” [1961, p. 90]. Como solução, Maria, então, neste Concílio, recebeu o título de Mãe de Deus, na medida em que o nestorianismo tornou-se heresia [Tanner, 2003, p. 41].

 

No bojo desses projetos, os ícones se propunham a materializar um importante papel teológico por meio da sua forma, refletindo uma visão espiritual. Para Titus Burckhardt, eles “encontra[m] sua expressão, necessariamente, em uma linguagem formal específica”, cujo sistema valida-se através da tradição que, neste caso, era a perspectiva, profundidade e sombras greco-romanas [1995, p. 18-19; Grabar, 1968; Mango, 2008]. As cenas eram construídas de forma a aludir a Criação: plantas, animais e seres humanos, respectivamente [Quesnel Nieto, 2015]. A perspectiva, em paralelo, põe o ponto de fuga fora da tela, ao contrário do modelo Renascentista. Essa era uma forma de representar a realidade transfigurada pelo sobrenatural, integrando espectador e mensagem que o ícone transmitia [Cf. Floriênski, 2012].

 

A figura humana, por sua vez, deveria seguir uma série de processos: “assim como no final da Criação Deus inicia a modelar o homem a partir do barro, assim o iconográfico começa a aplicar a cor da terra que servirá de base para a pele” [Soares, 2019, p. 41]. Esse processo é conhecido como “clarificação progressiva”, partindo das cores mais escuras até o branco puro: dessa forma, “a claridade parece também emanar do íntimo do ser, não provém de fora” [Quesnel Nieto, 2015, p. 42]. Os grandes olhos tendem a alcançar o observador a partir de diferentes ângulos de visão; os lábios são finos e mantêm-se fechados, “pois a oração do coração é silenciosa” [Soares, 2019, p. 58]; o nariz, longo e fino, dialoga com o mesmo simbolismo atribuído a boca, buscando-se impedir a entrada dos ares do mundo material [Ibidem, p. 58].

 

As cores possuem um papel central na representação, reforçando símbolos e amarrando significados e papeis para diferentes personagens. O amarelo era um elemento nobre: simbolizava o brilho máximo, divindade e resplandecência de Deus; o branco era associado à luz na nova vida, símbolo da vitória sobre a morte e pureza; o preto, ao contrário, simbolizava as trevas, morte e ausência de luz; o vermelho e o púrpura eram as cores da energia vital, do amor e do sacrifício; o azul geralmente esteve atrelado ao céu, o infinito; o verde significava a primavera espiritual, a cor da vida sobre a terra, a esperança; e o marrom, está associado a humildade [Soares, 2019, p.62-65; Quesnel Nieto, 2015, p. 52-54].

 

As imagens de Maria eram protótipos, isto é, poderiam variar a partir de modelos pré-existentes de representação: “como há mil e uma maneiras únicas e insubstituíveis de encarnar a verdade, a vida, o amor, há mil e uma maneiras de representar a Theotokos” [Leloup, 2006, p. 92]. São eles: “a que trona, a que hora, a que mostra o caminho e a misericordiosa” [Ibidem]. Com base nesses tipos, até duzentas e trinta variantes foram repertoriadas.

 


Figuras 1 e 2 - Virgem do tipo Hodigitria e Platytera, ou Virgem do Sinal, respectivamente. Ambas do século XVII.

Fonte:[https://aperges.gr/en/shop/published-printed-icons/byzantine-icons/byzantine-holy-virgin-mary/virgin-9178/ e Jean-Yves Leloup em O ícone: uma escola do olhar, p. 100].

 

A figura 1, do tipo Hodigitria, remonta a história de um milagre. Ao aparecer para dois homens cegos e guiá-los até o santuário de Hodigitria, restituiu-lhes a visão: com efeito, tornou-se “aquela que mostra o caminho” e também “aquela que abre os olhos” [Leloup, 2006, p. 196]. Suas mãos confortam Jesus em uma espécie de trono. Sua representação, como vimos, conserva um rosto de adulto, visto que representá-lo em sua forma não divina era uma heresia. Com sua mão direita ele abençoa em um gesto semelhante ao ícone Pantocrator; seus pés aludem ao caminho também percorrido por Abraão: “vai em direção a ti mesmo e vai em direção à terra da qual te mostrarei o caminho” [Ibidem, p. 97]. A figura 2, do tipo Platytera, carrega em si o Emanuel, representado pela cor verde da esperança, como vimos. Suas mãos, estendidas, dispensam sua graça [Ibidem].

 

Ambas as imagens carregam o manto em cor púrpura, fundo amarelo e a clarificação progressiva, cristalizando sua representação que, ao mesmo tempo, como defendeu João Damasceno ao longo de três tratados durante o movimento iconoclasta, as imagens são portais, elementos transcendentais de conexão com as figuras representadas [Fernandes, 2016; Boy, 2007]. 

 

Legado iconográfico

Para além da Rússia, os estudos de Paulo Tamanini mostram como a tradição de confecção de ícones alcançou as Américas através de migrações, sobretudo durante as duas Guerras Mundiais, estabelecendo-se majoritariamente no Sudeste e Sul do Brasil. Os ícones representaram para esses grupos também elementos de pertencimento religioso e memória coletiva [Tamanini, 2018]. Todavia, a longa tradição de uso dessas imagens para além da Igreja garantiu a criação de diversos “campos semânticos”, como referência a uma expressão utilizada por André Grabar [1968, p. xviii].

 

A famosa pintura intitulada Redenção de Cam, figura 3, feita pelo pintor espanhol Modesto Brocos [1852-1936], tem presença marcada nos livros didáticos brasileiros. Seu título alude ao suposto episódio bíblico onde uma maldição teria sido lançada por Noé ao seu filho Cam. Sua construção representa, no auge do eugenismo brasileiro do século XIX e subsequentes políticas republicanas de encaminhamentos para a mão-de-obra, o desejo das classes dominantes pelo embranquecimento da população. Nela, portanto, desenrola-se uma cena, de caráter racista, que associa o processo eugênico de branqueamento da raça também à vontade divina.

 

Da esquerda para a direita, vemos uma senhora, de pele mais retinta, dando graças pelo embranquecimento do filho de sua filha que, por sua vez, tem a pele ainda mais clara que a dela. Ao fundo, um homem, provavelmente imigrante europeu, está sentado, olhando em direção a mulher ao centro e o que seria seu filho com um sorriso no rosto, em sinal de satisfação. O desconhecimento sobre os significantes dos ícones não permite outras pistas interpretativas – pistas essas que o estudo sobre eles, a partir de Bizâncio, pode nos dar.

 


Figura 3 - Modesto Brocos. A redenção de Cam, 1895. 199x166 cm. Museu Nacional de Belas Artes.

Fonte:[https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Reden%C3%A7%C3%A3o_de_Cam#/media/Ficheiro:Reden%C3%A7%C3%A3o.jpg]

 

Ambas as mulheres assumem as representações de Maria, entretanto, através de dois diferentes tipos de ícones mencionados. A mulher, ao centro, assume o tipo Hodigitria [figura 1], enquanto a senhora, à esquerda, o tipo Platytera [figura 2]. A criança, no colo da mulher, ao centro, é representada assumindo a posição que Cristo assume nos braços da Virgem Maria: apontando o Caminho da mesma forma que Cristo aponta no ícone, com os dois dedos erguidos. O caminho, neste caso, é o da Salvação pelo eugenismo. A Senhora, por sua vez, abençoa a cena tal qual a Virgem do Sinal, que aguarda com a Esperança, ou o Emanuel, em seu ventre. Na pintura, a associação é clara, inclusive através da cor de sua blusa: verde. A senhora aguarda, então, com esperança, o sucesso do projeto. Portanto, temos a articulação de dois ícones quase que de forma independente, mas que, quando associados ao mencionado contexto histórico e às intencionalidades da pintura, reforçam o projeto eugênico, cujo cristianismo dá a sua bênção.

 

Compreender os ícones bizantinos sem as limitações impostas pelo eurocentrismo significa não apenas analisar essas imagens em seu papel histórico e situadas em seu contexto social, como, ao mesmo tempo, permite que identifiquemos seus impactos em outros esforços iconográficos. Em ambas as formas, refinados elementos de significação foram empregados, corroborando com diferentes projetos políticos que não podem deixar de ser percebidos pelos historiadores.

 

Referências

Kerolayne Correia de Oliveira é doutoranda pela Universidade Federal de Pernambuco e desenvolve pesquisas sobre Cultura Visual e Representações.

 

ANGOLD, Michael. Bizâncio: a ponte da antiguidade para a Idade Média. Rio de Janeiro: Imago, 2002.

 

BESANÇON, Alain. A imagem proibida: Uma história intelectual da iconoclastia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

 

BLAUT, J. M. The Colonizer’s Model of the World. Geographical Diffusionism and Eurocentric History. New York/London: The Guilford Press, 1993.

 

BOY, Renato Viana. A querela iconoclasta: Uma disputa em torno dos ícones no Império Bizantino; 726-843. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.

 

BURCKHARDT, Titus. A arte sagrada no Oriente e no Ocidente: princípios e métodos. São Paulo: Attar Editorial, 1995.

CHENG, Anne. História do Pensamento Chinês. Petrópolis: Vozes, 2008.

CORMACK, Robin. Writing in Gold: Byzantine society and its icons. New York: Oxford University, 1985.

FERNANDES, Caroline Coelho. A crise iconoclasta no Império Bizantino e a defesa das imagens de São João Damasceno: um debate sobre autoridade política. 2016. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2016.

 

FLORIÊNSKI, Pável. A perspectiva inversa. São Paulo: Editora 34, 2012.

 

GRABAR, André. Christian Iconography: A study of Its Origins. Princeton: Princeton University Press, 1968.


KAFADAR, Cemal. Between Two Worlds: The Construction of the Ottoman Oakland: State University of California Press, 1996.

 

LELOUP, Jean-Yves. O ícone: uma escola do olhar. São Paulo: Editora UNESP, 2006.

 

MANGO, Cyril. Bizâncio: O império da Nova Roma. Lisboa: Edições 70, 2008.

 

METTAN, GUY. Creating Russophobia: From the great religious schism to anti-Putin hysteria. Atlanta: Clarity Press, 2017.

 

MONTEIRO, João Gouveia de. O Sangue de Bizâncio: Ascensão e queda do Império Romano do Oriente. Coimbra: Editora: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016. E-book.

 

RUNCIMAN, Steven. A Civilização Bizantina. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1961. E-book.

 

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

 

SOARES, Denis-Ricard de Souza. “O ícone do Deus invisível”: Iconografia bizantina, sua gênese, teologia e redescoberta na Igreja Católica do Brasil. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e Cultura), Universidade Presbiteriana Mackenzie, Centro de Educação, Filosofia e Cultura, 2019.

 

TAMANINI, Paulo Augusto. A iconografia bizantina do Período Medieval: percepções acerca das imagens religiosas para a pesquisa de História. Revista PerCursos, Florianópolis, 2018, v. 19, n. 40, maio-ago de. 2018. p. 348 - 368. Disponível em: https://periodicos.udesc.br/index.php/percursos/article/view/1984724619402018348. Acesso em: 23 de nov. de 2024.

 

TANNER, Norman P. Los concilios de la Iglesia. Breve historia. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2003.

 

QUESNEL NIETO, Rosa Elena Veronica. Surgimento de la iconografía bizantina y elementos teológicos. Dissertação (Mestrado) – Teologia y mundo contemporaneo, Universidade Iberoamericana, Ciudad de México, 2015.

 

 

6 comentários:

  1. Olá, Kerolayne.
    Parabéns pelo seu texto, impecável e interessantíssimo.
    Estou com um texto neste evento que corrobora com a sua temática, e tenho interesse pessoal nesse assunto há décadas, por isso ele me chamou a atenção.
    Gostaria da sua opinião, sobre o seguinte apontamento que tive enquanto lia seu artigo: será que podemos creditar esse viés de introspecção pessoal (numa pegada filosófica mesmo) que segue até hoje nessas obras e como devem ser sentidas (segundo o viés do rito oriental, que não devem ser apreciadas no sentido físico, mas apreciadas no sentido metafísico) ao fato de que o Rito Bizantino manteve certos traços mais austeros da doutrina cristã se comparado com o Rito Latino (como se costuma chamar o ocidental ou romano), que sofreu uma abertura artística e bebeu muito mais dos artistas renascentistas, que desejavam por vezes inovar? Ou seja, o bizantino foi mais “conservador” nesse processo do que era usado para a manutenção da fé e o latino foi mais “liberal” ao adotar novas tendências artísticas que surgiam.
    Espero ter contribuído com o debate.
    Muito obrigada.
    Talita Seniuk.

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    1. Olá, Talita! Que bom conhecer outras pessoas interessadas nesse assunto! É realmente apaixonante. Muito obrigada pela pergunta, embora não tenha certeza se conseguirei responder. Sua pergunta é muito instigante e me faz pensar muitas coisas. Uma delas diz respeito aos papeis sociais e religiosos que essas imagens prestavam em seus respectivos contextos. Acredito que – e isso é o que mais me fascina – as imagens bizantinas eram construídas com finalidades um pouco diferentes das ocidentais. A transformação física das linhas e cores era o que tornava possível a transcendência de sua matéria. Ou seja, tornavam-se portais para o sagrado. Sua construção era um rito em si. Penso que manter essa forma e dar continuidade a seus significados era também garantir a continuidade dessa relação entre a imagem e o acesso ao sagrado. Existem muitos grupos no Facebook (que adoro!) que mostram muitos desses ícones sendo construídos até hoje e, em grande medida, seguindo as mesmas regras de composição. Ao mesmo tempo, ganharam significados sociais de identidade cultural, tornando-se também símbolos de povos cristãos ortodoxos mundo afora. Penso que as representações ocidentais não seguiram esse caminho. Antes do Renascimento eram muito semelhantes às bizantinas, inclusive, conservando estrutura facial (aqueles olhos grandes, narizes estreitos e bocas pequenas), sombras, geometrias… mas depois, como você pontuou, ganhou outras formas mais “realistas”. Acredito que isso também tenha a ver com suas funções sociais que, dentre várias, se preocupou muito mais com uma “pedagogia” dos não letrados, sintetizar grandes narrativas, dentre outras, que não eram preocupações centrais dos ícones bizantinos. Pelo contrário, a idolatria sempre foi um argumento usado contra eles, antes e depois do iconoclasmo. Manter uma relação tão próxima com essas imagens, como os bizantinos fizeram, trouxe alguns problemas com seus vizinhos muçulmanos, por exemplo. Em paralelo, eu tenho a impressão de que uma vez que o Renascimento forjou uma concepção de imagem religiosa para o Ocidente, esta também pouco se modificou. O Jesus ocidental mais disseminado até hoje é o Jesus forjado no Renascimento, crucificado, tortuoso, semi-nu e realista. Para os ortodoxos, existem outros, como o Pantocrator, na Santa Sofia. Até para os protestantes, me parece que a recusa às imagens se assemelha em muitos aspectos aos argumentos iconoclastas. Esses conservam mais a cruz que qualquer outra representação, assim como os iconoclastas o fizeram. Mas, para além disso, há muitos elementos em comum entre os ocidentais e os ortodoxos. Maria é outro exemplo. Tem muitas imagens do tipo Platytera por aí nas duas igrejas! Elas não eram separadas no contexto temporal onde essas imagens foram construídas. Não sei se respondi, mas podemos continuar dialogando. Novamente, muito obrigada!
      Kerolayne Correia de Oliveira

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    2. Olá, Kerolayne. Muito obrigada pela sua resposta. Respondeu sim, ao meu questionamento. Quando você fala nas origens dessas obras de arte, lembrei do verbo utilizado para os falantes que utilizam o alfabeto cirílico, como ucranianos (meu interesse), russos e bielo-russos a priori; que não é desenhar ou pintar um ícone, mas “escrevê-lo” (писати); assim como no caso das pêssankas (ovos escritos à mão). O rito greco-católico, predominante entre os descendentes de ucranianos no Brasil também usa ícones, com obras mais próximas dos traços antigos e já têm também alguns com traços mais “modernizados”. Concordo com você sobre a “pedagogia” que esteve presente do lado Ocidental nessa temática religiosa, exemplo os vitrais medievais “biblia idiotae/idiotorum” (não tenho certeza da grafia) que se preocupavam mais em ensinar do que qualquer outra coisa. Os ícones permaneceram com sua essência de contemplação. Sobre ícones atuais, você conhece o Eduardo Mourov? Ele trabalha com ícones, se não me engano, mora em Curitiba. Vale a pena conferir o trabalho dele, caso não conheça.
      Obrigada pela sua resposta.
      Espero ter contribuído com o debate e me coloco à disposição para tratar desse assunto, inclusive com parcerias em pesquisas e trabalhos.
      Obrigada, Talita Seniuk.

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    3. Olá, Talita! Muito obrigada pela partilha! Adorei saber sobre o belo significado de “escrever”. Me lembrou muito a relação entre a arte e a escrita islâmicas. Titus Burckhardt comenta muito sobre isso. É muito tocante. Vou procurar sobre os ovos escritos à mão! Se tiver alguma indicação bibliográfica, ficaria muito feliz e grata. Já estou acompanhando o trabalho do Eduardo Mourov no Instagram. Não conhecia! Gosto muito do trabalho de Valeria Khrystyna. Não sei se conhece! Ela também tem Instagram. Se chama ‘chepp.project’. É ucraniana e faz lindos mosaicos. Meu e-mail é destaarte@gmail.com (para não perdermos o contato após o fim do evento!).
      Muito obrigada!!!
      Kerolayne Correia de Oliveira

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  2. Arthur Feller Rigaud Cardoso4 de dezembro de 2024 às 02:12

    Olá, Kerolayne, bom dia! Adorei o texto da comunicação, me deixou reflexivo sobre a persistência de velhos estereótipos e preconceitos que, perdurando na longa duração, opõem um "oriente" "estático" e "despótico" em oposição à um "ocidente" "liberal" e "inovador". Como você bem apontou, os discursos políticos possuem um poder e uma força tamanha, capaz de mascarar os mais diversos projetos políticos. Lembro das interpretações historiográficas de cariz liberal que destacavam o Renascimento como o nascimento do "homem moderno", do "sujeito" e do "indivíduo", que teria sido sufocado pelo "obscurantismo" do catolicismo e da cultura do Barroco, como podemos perceber em José Antonio Maravall. Você acha que esse preconceito com a arte bizantina é um fenômeno mais localizado, que diz respeito especialmente aos ícones? Ou você acha que é possível extrapolar essa dicotomia e hierarquização com demais movimentos culturais, artísticos e intelectuais não-ocidentais, em que os ícones bizantinos seriam um de vários exemplos?
    Atenciosamente, Arthur Feller Rigaud Cardoso

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    1. Olá, Arthur! Muito obrigada pela pergunta. Acredito que você tenha tocado em um ponto fundamental acerca deste assunto, a meu ver. Penso que as imagens são apenas uma face do esforço eurocêntrico que se preocupou – com finalidades políticas, como você bem pontuou – em construir hierarquias entre as representações. É preciso que existam imagens “atrasadas” para que as renascentistas sejam “avançadas”. Penso que o mito do Ocidente mais “evoluído”, além de racista, promove a segregação entre modos de viver, pensar, se relacionar e, inclusive, fazer imagens. Infelizmente, quando alguns propõem para a História uma meta a ser alcançada, neste caso o “liberalismo” e/ou “modernidade”, tudo vira uma teleologia em direção a eles. Então, por causa dessa mitologia preconceituosa, muitas imagens são intencionalmente diminuídas; consideradas menos inventivas, artísticas e valiosas para a História, inclusive aqui nas Américas, mas também em África e Ásia.
      Kerolayne Correia de Oliveira

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