A REI
SEONDEOK: REPRESENTAÇÃO DA PRIMEIRA RAINHA DE SILLA NO SAMGUK YUSA
Introdução
O Samguk Yusa [三國遺事 Lenda
dos Três Reinos] é uma importante obra de literatura budista coreana. Trata-se
de uma coleção de lendas, anedotas e histórias dos Três Reinos [57 AEC-668
EC]. O documento compila histórias
budistas e seculares dos reinos de
Koguryo, Baekje, Silla e dinastias posteriores como Silla Unifica e
Goryeo. O reino de Silla destaca-se na obra pelo protagonismo na unificação dos
Estados coreanos. Na compilação da narrativa foram utilizadas diversas fontes:
tradições orais, registros dos Três Reinos e documentos chineses são exemplos.
O período de produção e publicação do Samguk Yusa foi amplamente discutido até
o século XX, quando foi atribuído a Ilyon [1206-1289], mestre budista, a
compilação do documento durante a dinastia Goryeo [935-1392]. O Samguk Yusa consagra-se
a partir da sua datação como um dos registros escritos mais antigos da
Península Coreana.
A obra inicia como uma tabela das dinastias chinesas,
seus governantes e o período de reinado, correlacionando com os três reinos,
Silla Unificada e os Três Reinos Tardios [Silla, Goguryeo Tardio e Baekje
Tardio]. A primeira seção é composta por narrativas dos fundadores mitológicos
dos reinos, como também relatos acerca dos governos dos Reinos Tardios, o
capítulo de mesmo nome segue com a narração dos reis e rainhas de Silla
Unificada até a criação da dinastia Joseon. As seções três e quatro relatam a
introdução e desenvolvimento do budismo na península. Finalizando a obra, a
seção cinco traz um conjunto de histórias relacionadas às questões religiosas e
morais.
Os registros sobre o período dos Três Reinos
documentam a presença feminina em diversos espaços, sobretudo no reino de
Silla. A narrativa acerca o reino de Silla no Samguk Yusa representa rainhas
desde seu mito de fundação, sendo o único dos três reinos coreanos com
registros de governos femininos. A primeira rainha a ascender ao trono na
Península Coreana foi Seondeok, filha do rei Jinpyeong, governou por dezesseis
anos [632 EC a 647 EC], permanecendo no trono até sua morte. A rainha Seondeok
é descrita no Samguk Yusa como uma governante inteligente e virtuosa,
destacando-se principalmente por sua sabedoria.
Foram atribuídas à Seondeok três profecias, que se
cumprindo a colocaram como detentora de uma sabedoria divina [Hahn, 2017]. O
governo de Seondeok é um caso específico no reino de Silla, tendo em vista que
após a sua ascensão apenas duas governantes são nomeadas Yeowang [여 왕], termo que pode ser
traduzido como “rei feminino” e que é específico para uma rainha reinante. A
partir disso, podemos pensar por que somente em Silla encontramos registro de
rainhas e que fatores possibilitaram seu poder.
O Samguk Yusa retrata as monarcas de Silla a partir
dos relatos de governo de seus maridos e filhos, salvo as narrativas
específicas de rainhas assuntas ao trono como governantes. As referências às
rainhas de Silla no Samguk Yusa abordam, sobretudo, questões de linhagem,
ligação com o sobrenatural, virtudes e defeitos.
Contexto de
compilação do Samguk Yusa
A construção do Samguk Yusa ocorreu a partir da
reunião de documentos escritos e tradições orais sobre o período dos Três
Reinos, compreendido como Antiguidade coreana. O Samguk Yusa foi compilado no
contexto das investidas mongóis sobre Goryeo, ocasião em que foram queimados
importantes registros históricos da antiguidade coreana, como templos, pagodes
e documentos oficiais. Considerando o contexto de produção, é possível
estabelecer uma ligação entre a estrutura do documento e a recuperação da
antiguidade e suas tradições. O título do documento destaca seu objetivo de
narrar as maravilhas da Antiguidade Coreana, tendo em vista que a palavra Yusa
remete à ideia de lenda.
A autoria do Samguk Yusa é atribuída ao monge budista
Ilyon e seu discípulo Mugeuk [1250-1322]. Ilyon é considerado principal compilador
da obra baseado no cabeçalho da quinta seção do Samguk Yusa. A periodização da
compilação e publicação do documento é debatida, sendo tradicionalmente
atribuída à dinastia Goryeo, no século XIII, a compilação e à dinastia Joseon
[1392-1897], no século XVI, a publicação da obra. Esta edição Imshin,
considerada a mais antiga e completa, foi escrita em suporte de madeira a
partir da técnica de xilogravura, utilizando o hanja [漢字/한자], escrita sino-coreana baseada nos caracteres chineses. O
Samguk Yusa é organizado a partir da estrutura proposta pela edição de Choe Nam
Son [1927] composta por dois livros, cinco volumes e nove capítulos:
Fonte: Elaboração própria
O Samguk Yusa foi escrito no final do século XIII,
durante a dinastia Goryeo, sendo necessário situar o contexto político e
cultural do período de produção. A política neste período é marcada por
conflitos internos entre a aristocracia letrada e militar, bem como pelas
sucessivas invasões mongóis. Além disso, Goryeo passou por uma grande mudança
cultural, sobretudo no que diz respeito ao budismo e suas vertentes Gyeo e
Seon. A sociedade de Goryeo foi dividida em três grandes grupos, a
aristocracia, os plebeus, normalmente pequenos fazendeiros e os escravizados,
podendo pertencer a instituições públicas ou a elite.
A primeira invasão mongol ocorreu em 1231, como retaliação a
interrupção dos pagamentos de tributos e assassinatos dos enviados mongóis. A
retida dos mongóis de Goryeo aconteceu em 1232, com a aceitação estatal da posição
de tributário e a presença de representantes mongóis para supervisionar a
coleta de tributos. Após a primeira invasão, o governo militar ordenou o recuo
da capital de Gaesong para Ilha de Ganghwa, declarando a partir dessa mudança
resistência total às investidas mongóis.
A mudança mostrou-se eficaz frente as invasões, tendo
em vista que a aristocracia militar resistiu por quatro décadas, apesar do
abandono do campo. O resultado da incapacidade de Goryeo em proteger o campo
foi devastador, com o saque e destruição de muitos locais e obras históricas de
Goryeo e dos reinos anteriores. No decorrer de 1233 a 1241 foram promovidas
novas investidas a Goryeo seguidas por uma trégua de seis anos, apesar disso o
reino continuou a recusa a enviar tributos, como retaliação as invasões
voltaram a ocorrer entre 1247-1248. As invasões mais destrutivas ocorreram a
partir de 1254, com grupos de guerreiros enviados para devastar o campo com
objetivo de cortar os suprimentos da corte. Em 1258, um novo governo foi
estabelecido, negociando o fim das invasões e chegando a um acordo da retida
imediata das forças mongóis em troca da lealdade política e militar. Assim, em
1270 o poder do rei foi restaurado com a assistência mongol e restabelecida a
capital, marcando o início do domínio mongol sob Goryeo.
A conjuntura na qual o Samguk Yusa foi produzido
possibilita a interpretação que motivação de preservar tradições da antiguidade
coreana estava ligada a destruição de registros históricos pelas investidas
mongóis. A partir do contexto de produção da obra é possível compreender o
objetivo expresso pelo autor de: “descrever todas as maravilhas que
acompanharam o nascimento dos fundadores de Estados.” [Samguk Yusa, 2016, p.
17]
Lideranças
femininas e tradições xamânicas do reino de Silla
O relato acerca da primeira governante de Silla
explicita em seu título, “As Três
Profecias da Rainha Seondeok”, o cerne da narrativa. Dessa forma, o autor
apresenta a Seondeok a partir de uma perspectiva sobrenatural, em que a rainha
possui atributos ideais a um governante, além de uma ligação com o divino. As
circunstâncias conhecidas pela historiografia sobre Silla destacam a ligação
desse reino com práticas e tradições xamânicas, que possuíam, em geral,
lideranças femininas [2017].
No presente estudo compreendo xamanismo enquanto:
“[...] fenômeno religioso tradicional intimamente
ligado à natureza e ao mundo ao redor, no qual um praticante dotado da
habilidade especial de entrar em um estado de transe-possessão pode se
comunicar com seres sobrenaturais. Este poder transcendental permite ao
praticante, o xamã, satisfazer os anseios humanos por explicação, compreensão e
profecia” [Kim apud Nelson, 2016. p.
1. Tradução nossa]
A ligação entre o feminino e os costumes xamânicos em
Silla foi um grande aliado à ascensão de Seondeok ao trono, tendo em vista a
familiaridade da sociedade de Silla com lideranças femininas. Último dos três
reinos a adotar o budismo como religião estatal, Silla o aderiu principalmente
por sua capacidade de absorver as crenças xamanísticas nativas. Neste sentido,
Sarah Nelson [2016] apresenta uma relação entre as rainhas de Silla e as
tradições xamânicas locais, evidenciando o uso de símbolos religiosos na
legitimação do poder real.
A sociedade de Silla organizava-se em torno do sistema
de classes determinado pela linguagem sanguínea, conhecido como Golpum
(classificação de ossos), no qual o songgol (osso sagrado) era o nível mais
elevada e única elegível ao trono. A classificação da aristocracia e do povo
dependia da aproximação hereditária com a família real, essas categorias
sociais regiam vestimentas, moradias, direitos matrimoniais e cargos na corte
[2017. p. 11]. Hann [2017] compreende o sistema Golpum como parte essencial na
ascensão de Seondeok, considerando a hierarquia aristocrática do reino um fator
mais relevante na sucessão que o gênero do governante.
As Três
Profecias da Rainha Seondeok
A primeira referência ao título rei feminino no Samguk
Yusa ocorreu no relato do governo da rainha Seondeok, da mesma forma foi
utilizado em menção das rainhas Jindeok e Jinseong. A nomenclatura usada no
Samguk Yusa em referência a governantes de Silla é modificada conforme o
período, sendo gradualmente introduzidos títulos semelhantes aos chineses. Os
termos utilizados ao fazer referência às rainhas de Silla Antiga são variados,
podendo referir-se a diferentes categorias de rainhas. Nesse contexto, pode-se
destacar o uso do título yeowang [여 왕], derivado
do termo do hanja 女王, exclusivo
para uma mulher governante.
A cunhagem do termo yeowang [rei feminino] para
referenciar a rainha Seondeok possibilita a reflexão acerca do apagamento de
governantes femininas no Samguk Yusa. Nesse sentido, Nelson [2013] compreende
que rainhas podem ter ascendido ao trono antes de Seondeok, apesar na ausência
destas na documentação.
Foram atribuídas à rainha três profecias, que se
cumprindo colocaram Seondeok como detentora de uma sabedoria divina. A primeira
das profecias ocorreu quando Seondeok afirmou que as peônias enviadas pelo
imperador Tai-tsung da dinastia Tang não teriam perfume. Ao ser questionada a
rainha expôs sua interpretação:
“Durante a sua vida, os cortesãos perguntaram à Rainha
como é que ela tinha sido capaz de fazer estas profecias. Ela respondeu: ‘No
quadro havia flores, mas não borboletas, o que indica que as peônias não têm
cheiro’. Este era o Imperador de Tang zombando da minha falta de parceiro”
[Samguk Yusa, 2016, p. 51]
Na narrativa de Seondeok no Samguk Yusa não há menções a um marido,
apesar o registro do consorte da rainha em outras obras como o Samguk Sagi.
Podemos notar um destaque a figura da rainha, tendo em vista a menção de muitas
rainhas consorte nas narrativas de reis.
Seondeok profetiza novamente em resposta a angústia do
povo, que a questiona sobre a grande número de rãs coaxando durante o inverno,
época que normalmente hibernam:
“O povo e os cortesãos espantaram-se, e perguntaram a
Rainha qual seria seu significado. Ela ordenou imediatamente a dois generais,
Alch'on e P'ilt'an, para liderarem duas mil tropas de elite para o Vale da Raiz
da Mulher na periferia oeste de Kyongju para procurar e matar as tropas
inimigas escondidas na floresta. [...] Os soldados de Silla cercaram e mataram
a todos.” [Samguk Yusa, 2016, p. 52]
Ilyon descreveu a rainha como uma monarca virtuosa,
que se importa com o povo e suas aflições. Além disso, foi demostrada a
autoridade de Seondeok sobre os militares, considerando que a compilação do
documento ocorreu no período de governos militares.
O final do relato de Seondeok é dedicado memória de
seus feitos após sua morte, destacando seus atributos ligados ao divino:
“Cerca de 10 anos depois, o Rei Munho fundou o Templo
Sacheonwangsa sob o túmulo do rei. Como as escrituras budistas dizem que existe
um Céu Tori acima dos Quatro Reis Celestiais, só então foi possível compreender
a natureza divina e a sacralidade do
Grande Rei” [Samguk Yusa, 2016, p. 52]
Considerações
finais
O contexto de produção do Samguk Yusa é essencial para
interpretação das narrativas inseridas no documento. Assim podemos compreender
que as investidas mongóis a Goryeo influenciam na compilação do documento,
tendo em vista que a escolha de estruturas narrativas que visam conservar o
passado são não neutras. Desse modo, entendo que o relato de Seondeok está
inserido na obra com propósitos narrativos específicos.
A ausência de referências ao consorte de Seondeok é um
dos elementos de destaque no seu relato, considerando a presença de rainhas
consorte nas narrativas de reis. Assim, o relato é sustentado pela
representação dos feitos e virtudes da rainha. A cunhagem de um termo
específico para governantes femininas evidencia uma diferença nas atribuições
associada a rainha yeowang [rei feminina], além de salientar a legitimidade do
seu governo.
A representação da primeira governante de Silla como
profeta pode ser analisada sob a perspectiva das tradições xamânicas do reino,
marcadas por lideranças femininas, além da relação das profecias com esta
prática religiosa. Neste sentido, o poder de Seondeok é representado a partir
da sua posição real e sua ligação com o divino. Assim, a primeira rainha é
descrita no Samguk Yusa por sua relação com o poder oficial, através da sua
linguagem, e simbólico, por meio de suas profecias. Desse modo, o autor
relaciona a narrativa de Seondeok com valorização do passado coreano de maneira
geral através de suas profecias, construindo a imagem de uma governante
divinamente sábia.
Referências
Isabelly de Oliveira Ribeiro é graduanda do curso de
bacharelado em História da Universidade Federal de Pernambuco [UFPE] e membro
do Laboratório de Estudos de Outros Medievos [LEOM]. Orientada pelo prof. Dr.
Bruno Uchoa Borgongino. [isabelly.oribeiro@ufpe.br]
Fonte
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ResponderExcluirAqui está uma versão ainda mais refinada e com correções adicionais:
Prezada Isabelly de Oliveira Ribeiro,
Parabéns pela comunicação. O texto está claro e conciso, e espero que minhas observações possam contribuir de alguma forma para o desenvolvimento de sua pesquisa.
Foi muito bem ressaltada por você a ideia de a governante ser representada como profeta, e como isso evidencia uma tradição xamânica liderada por mulheres. No entanto, essa representação é comum entre os governantes dessa localidade? Existiam homens que também exerceram o papel de profeta-governante? (Faço essa pergunta com o intuito de refletir sobre a forma como essa construção pode ter ocorrido.) Em relação a essas lideranças xamânicas femininas, em que âmbitos suas influências se estendiam dentro da sociedade? Você percebe alguma mudança na posição dessas mulheres após a construção da representação da governante xamã?
Por fim, a ideia de "rei feminino" não poderia também sugerir a impossibilidade de existir uma rainha? No sentido de que "rei" sempre será entendido como masculino.
Espero que minhas questões possam ter contribuído, de alguma forma, com o seu trabalho.
Atenciosamente,
Alexandre Cabús
alexandrecabus@ufrrj.br
Alexandre, muito obrigada pela pergunta.
ExcluirA representação de governantes de Silla é bem variada e depende do documento e período de análise. No Samguk Yusa é possível identificar o título Ch'ach'a Ung, termo vernacular utilizado em referência aos primeiros governantes de Silla, sendo utilizado pelo autor para governantes que possuem contato com o mundo espiritual. As representações dos reis de Silla no Samguk Yusa tem influência das tradições xamânicas e budistas, contudo a representação de governantes profetas não é comum, até o momento apenas identifiquei a rainha Seondeok no Samguk Yusa. As lideranças femininas nas práticas xamânicas não é fenômeno único de Silla no contexto asiático, mas se destaca por sua representação em documentos e continuidade nas tradições xamânicas atuais.
O Samguk Yusa possui foco nos grandes eventos das dinastias coreanas, assim a análise acerca da sociedade de Silla seria restrita a aristocracia. Contudo, é necessário lembrar da produção posterior do documento, dessa maneira ao examinar a sociedade e tradições de Silla através do Samguk Yusa temos uma perspectiva de Goryeo acerca destas.
A rainha Seondeok não é entediada no documento enquanto uma governante xamã, mas como divinamente sábia. A rainha foi relacionada às tradições xamânicas pela historiografia recente. O Samguk Yusa representa duas rainhas (rei feminino) após Seondeok, contudo a arqueóloga Sarah Nelson entende que possivelmente Seondeok não foi a primeira rainha de Silla, mas a primeira a ser documentada. Outro ponto importante de lembrar são os níveis sociais estabelecidos pelo sistema Golpum, que diferenciam as posições femininas na sociedade a depender de sua proximidade à família real.
A questão do termo rei feminino é recente na minha pesquisa, mas destaca-se por ser utilizado exclusivamente para rainhas reinantes. O título traduzido como rei feminino é o yeowang (여 왕), já o termo equivale masculino para rei é o wang (왕). Além deste, no Samguk Yusa apresenta uma variedade de títulos ligados aos monarcas em diferentes momentos de Silla, com termos específicos para rainhas consorte, mãe e viúva. Por conta da variedade de termos para referenciar diferentes rainhas entendo que o reino de Silla compreendia governantes principalmente por sua ligações familiares, construindo uma relação singular entre o poder monárquico e o feminino.
Atenciosamente,
Isabelly de Oliveira Ribeiro
Oi, Isabelly!
ResponderExcluirSempre é muito enriquecedor ler mais sobre a Seondeok, principalmente por sua importância histórica. Acho muito interessante o uso de um termo específico para ela como "rei feminino" porque pode realçar que o papel (ou cargo) de "rei" (como governante) é o mesmo seja para homem ou mulher - mas também, como você ressaltou, pode apagar a existências de outras rainhas por ter um mesmo termo para os dois.
Você acha que a falta de referências ao consorte possa ter sido uma estratégia narrativa para não igualar Seondeok aos outros reis, no sentido de torná-la mais séria (ou criar um ethos mais racional para ela, apagando laços românticos)?
Abraços,
Vitoria Ferreira Doretto