George Araújo

 

ALGUMAS NOTAS DE ESTUDO SOBRE O DECLÍNIO E A QUEDA DO IMPÉRIO MAJAPAHIT


 

Introdução

 

Tendo surgido no final do século XIII na ilha de Java, no Sudeste Asiático, o Império Majapahit rapidamente se expandiu ate tornar-se uma das potências mais influentes da região, dominando grande parte do arquipélago indonésio e outras ilhas próximas durante os séculos XIV-XV. Em seu apogeu, sua influência se estendia desde a península malaia até a Nova Guiné, abrangendo uma vasta área que incluía os atuais Brunei, Indonésia, Malásia, Singapura, sul das Filipinas e Timor-Leste.

 

O declínio e a queda do Império Majapahit têm sido objeto de considerável debate entre os historiadores. Algumas interpretações enfatizam fatores externos, como a ascensão do Islã e as mudanças nas rotas comerciais, enquanto outras estão mais focadas na análise em dinâmicas internas, como a fragmentação política e os problemas econômicos. Debates mais recentes têm buscado reconhecer a mútua e complexa influência entre fatores internos e externos. Além disso, há um crescente reconhecimento da necessidade de inserir essa história nas perspectivas mais amplas das histórias regional e global (LIEBERMAN, 2003, pp. 1-84).

 

A análise da ascensão e declínio do Império Majapahit oferece uma oportunidade para entendermos melhor as complexas dinâmicas políticas, econômicas, culturais e religiosas que moldaram a história do Sudeste Asiático. Este breve texto se propõe a examinar as diversas causas que levaram ao seu declínio e posterior queda, abordando os principais eventos históricos e forças subjacentes que influenciaram esse desenvolvimento histórico.

 

O Apogeu do Império Majapahit

 

O Império Majapahit foi fundado em 1293 por Raden Vijaya (r. 1293-1309), aproveitando os conflitos e tensões entre as forças mongóis invasoras e os potências javanesas então existentes para estabelecer seu próprio reino. Nas décadas seguintes, seus descendentes consolidaram e expandiram o poder do império. Jayanegara (r. 1309-1328) e Tribhuwana Vijayatunggadewi (r. 1328-1350) enfrentaram desafios internos e externos, mas conseguiram manter a integridade do império e preparar o terreno para sua expansão futura.

 

O apogeu do Império Majapahit foi alcançado durante o reinado de Hayam Wuruk (r. 1350-1389), com a atuação do famoso líder militar e mahapatih (“vice-regente”) Gajah Mada, representante e braço-direito do monarca. Esse período é frequentemente apontado como a "Era de Ouro" de Majapahit, caracterizada por expansão territorial, prosperidade econômica e florescimento cultural. A Gajah Mada, que serviu como mahapatih entre 1336-1364, é creditada a formulação e implementação do Sumpah Palapa, um juramento para unificar o arquipélago sob o domínio de Majapahit. Durante esse período, o império expandiu-se significativamente, consolidando seu controle sobre Java e estendendo sua influência por todo o arquipélago (VLEKKE, 1943, pp. 65-79).

 

No Império Majapahit, o governo central era apoiado por uma burocracia complexa, com vários níveis de administração estendendo-se do palácio real até as aldeias mais remotas. O império era dividido em várias províncias, cada uma governada por um membro da família real ou um nobre de confiança. Além disso, Majapahit mantinha uma rede de Estados vassalos e aliados em todo o arquipélago, que reconheciam a suzerania do imperador mas mantinham um grau significativo de autonomia interna (HALL, 2011, pp. 257-258).

 

A prosperidade de Majapahit estava fundamentada em uma economia relativamente robusta e diversificada, cuja base era a agricultura, particularmente o cultivo de arroz nas férteis planícies de Java através de sistemas sofisticados de irrigação. Além da agricultura, Majapahit era um importante centro de comércio marítimo. Sua localização estratégica no arquipélago indonésio permitia que controlasse as rotas comerciais entre a China e a Índia. O império exportava diversos produtos, incluindo arroz, especiarias, madeiras preciosas e produtos artesanais, ao passo que importava têxteis, porcelanas e outros bens de luxo (PIGEAUD; LEYDEN, 1962, pp. 494-504).

 

O Império Majapahit era conhecido por sua rica cultura, que mesclava elementos javaneses, indianos e, em menor grau, chineses. A arte e a arquitetura floresceram durante esse período, com a construção de magníficos templos e palácios. A literatura também prosperou, com obras como o “Nagarakretagama”, um poema épico escrito em 1365 que costuma ser utilizado como fonte de informações sobre a história e a estrutura do império. Embora o hinduísmo e o budismo fossem as religiões dominantes na corte e entre as elites, havia certa tolerância religiosa. O império abrigava ainda comunidades muçulmanas, principalmente nas áreas costeiras, e mantinha relações comerciais com mercadores de diversas origens religiosas (RICKLEFS, 2001, pp. 3-7).

 

Inícios do declínio

 

O declínio do Império Majapahit começou logo após a morte de Hayam Wuruk em 1389. A sucessão ao trono foi disputada entre seus herdeiros, levando a uma guerra civil (1405-1406) que enfraqueceu significativamente o controle central do império sobre seus territórios periféricos. O conflito principal deu-se entre Vikramawardhana (genro de Hayam Wuruk e seu sucessor designado) e Bhre Virabhumi (filho de Hayam Wuruk com uma concubina). Esta disputa dividiu a nobreza e os recursos do império, minando a estabilidade política que havia caracterizado o reinado de Hayam Wuruk.

 

O conflito, que terminou com a vitória de Vikramawardhana, expôs as fragilidades do sistema de sucessão e as tensões latentes entre as diferentes facções da nobreza. A fragmentação política resultante foi exacerbada pela natureza descentralizada do império. Majapahit, como muitos impérios pré-modernos, dependia de uma rede de Estados vassalos e também de alianças para manter seu domínio sobre uma vasta área geográfica. Com o enfraquecimento do poder central, muitos desses Estados vassalos começaram a buscar sua independência, o que gradualmente fez erodir a base de poder do império.

 

Ademais, o enfraquecimento da autoridade central teve repercussões em vários níveis da administração imperial. Os governadores provinciais e os líderes locais, muitos dos quais eram membros da família real ou nobres poderosos, começaram a acumular mais poder e autonomia. Esse processo de descentralização foi particularmente pronunciado nas periferias do império. Assim, áreas que antes pagavam tributo a Majapahit começaram a buscar uma maior independência, muitas vezes se aliando aos novos poderes que emergiam na região.

 

As ameaças externas

 

O declínio de Majapahit coincidiu com a ascensão de novos poderes regionais que começaram a desafiar sua supremacia comercial e política. O mais importante destes foi o Sultanato de Malaca, fundado no início do século XV. Estrategicamente localizado no estreito de mesmo nome, rapidamente se tornou um importante centro comercial, atraindo mercadores de diversas partes da Ásia e até mesmo de locais distantes. Sua ascensão fez diminuir significativamente o comércio de Majapahit, afetando a prosperidade econômica do império. Além disso, Malaca se tornou um importante centro de propagação do Islã no arquipélago, competindo com a influência cultural hindu-budista de Majapahit.

 

“A difusão do Islã é um dos processos mais significativos da história indonésia, mas também um dos mais obscuros. Comerciantes muçulmanos aparentemente estavam presentes em algumas partes da Indonésia por vários séculos antes que o Islã se estabelecesse nas comunidades locais. Quando, por que e como a conversão dos indonésios começou tem sido debatido por vários estudiosos, mas nenhuma conclusão definitiva foi alcançada, pois os registros da islamização que sobrevivem são muito escassos e muitas vezes pouco informativos. De modo geral, provavelmente dois processos ocorreram. Por um lado, nativos indonésios entraram em contato com o Islã e se converteram. Por outro, asiáticos estrangeiros (árabes, indianos, chineses etc.) que já eram muçulmanos se estabeleceram permanentemente em uma área indonésia, casaram-se e adotaram estilos de vida locais a tal ponto que, na prática, se tornaram javaneses, malaios ou o que fosse. Esses dois processos podem muitas vezes ter ocorrido em conjunto, e quando alguma evidência sobrevive indicando, por exemplo, que uma dinastia muçulmana foi estabelecida em alguma área, muitas vezes é impossível saber qual desses dois processos foi o mais importante”. [RICKLEFS, 2008, p. 3].

 

De qualquer maneira, a ascensão do Islã no arquipélago indonésio desempenhou um papel significativo no declínio de Majapahit. A propagação do islamismo ao longo das rotas comerciais marítimas e pelos portos comerciais gradualmente alterou o equilíbrio religioso e cultural da região. Os governantes de muitos países se converteram ao Islã, em parte para fortalecer laços com os comerciantes muçulmanos que dominavam as redes comerciais do Oceano Índico. Isso criou alianças e identidades que nem sempre se alinhavam com a autoridade hindu-budista de Majapahit. A conversão ao Islã muitas vezes significava uma reorientação política e econômica que os afastava da órbita de Majapahit.

 

Além disso, a chegada dos europeus ao Sudeste Asiático no início do século XVI alterou os padrões de comércio estabelecidos. Embora inicialmente não tenham desafiado diretamente o poder de Majapahit, sua presença introduziu novas pressões econômicas e políticas na região. Portugal, e posteriormente outras potências europeias, buscaram monopolizar o comércio de especiarias, desviando ainda mais o fluxo comercial das rotas tradicionais então controladas por Majapahit. Além disso, a tecnologia militar superior dos europeus alterou o equilíbrio de poder na região, o que repercutiu nas dinâmicas políticas locais.

 

Os problemas internos

 

O declínio do comércio marítimo controlado por Majapahit teve um impacto significativo na economia do império, pois a perda de receitas afetou a capacidade do governo central de manter sua infraestrutura administrativa e militar, bem como de financiar projetos de construção e outras iniciativas que marcaram seu apogeu. Além disso, agricultura de Java também passava por problemas. A intensificação da agricultura durante o período de expansão do império pode ter levado a problemas de esgotamento do solo e diminuição da produtividade em algumas áreas e a própria dependência da agricultura de arroz o tornava vulnerável a mudanças climáticas e eventos geológicos.

 

A estrutura social do império também começou a mostrar sinais de tensão. À medida que o poder central diminuía, as elites locais e regionais ganhavam mais autonomia, muitas vezes às custas da autoridade imperial. Este processo de descentralização gerou conflitos entre diferentes grupos da elite. Em algumas áreas, particularmente nas regiões costeiras mais expostas às influências externas, novas elites comerciais e religiosas começaram a desafiar a autoridade tradicional dos nobres ligados à corte de Majapahit.

 

Ademais, o declínio econômico e a fragmentação política afetaram a capacidade militar de Majapahit. Como o império tradicionalmente dependia de um sistema de recrutamento que mobilizava tropas das várias regiões sob seu controle, o enfraquecimento do poder central tornou esse sistema menos eficaz. Além disso, as mudanças nas tecnologias militares, particularmente a introdução de armas de fogo pelos europeus e sua rápida adoção por poderes regionais, desafiaram a superioridade militar tradicional de Majapahit (REID, 1988, pp. 121-129).

 

O colapso do Império Majapahit

 

Determinante para o colapso do Império Majapahit foi a ascensão do Sultanato de Demak na costa norte de Java no início do século XVI. Esse estado muçulmano, que havia crescido em poder e influência, aproveitou-se do enfraquecimento de Majapahit para expandir seu próprio poder. Após uma série de ataques, suas forças conquistaram a capital de Majapahit em 1527, o que marcou o fim do império (MUNOZ, 2008, p. 288-290).

 

A queda do Império Majapahit marcou uma transição significativa na história de Java e do arquipélago indonésio como um todo. Afinal, o vácuo de poder foi rapidamente preenchido por uma série de sultanatos islâmicos, não apenas em Java, mas em todo o arquipélago. Essa transição não foi apenas política, mas também cultural e religiosa. O Islã, que já havia ganhado uma presença significativa nas áreas costeiras durante o período Majapahit, tornou-se a religião dominante em muitas partes do arquipélago. Contudo, esse processo não foi uniforme e, em muitas áreas (sobretudo no interior de Java e em Bali), as tradições hindu-budistas persistiram, frequentemente em sincretismo com elementos islâmicos (RICKLEFS, 2008, pp. 15-17).

 

O Legado de Majapahit

 

Apesar do colapso político do império, muitos elementos da cultura, arte e arquitetura de Majapahit sobreviveram e continuaram a influenciar as sociedades do arquipélago indonésio por séculos. Em Java, as cortes dos sultanatos subsequentes, como Mataram, mantiveram muitos aspectos da etiqueta, literatura e artes performáticas da era Majapahit. Em Bali, para onde se acredita que diversos nobres e sacerdotes de Majapahit tenham fugido, as tradições hindu-javanesas foram preservadas e desenvolvidas de maneiras únicas. Muitos balineses consideravam Majapahit como “[…] a fonte de sua cultura e de sua organização política estatal” (GEERTZ, 2000, p. 271).

 

Até mesmo o conceito de um império unificado abrangendo todo o arquipélago indonésio continuou a ressoar na imaginação política da região. Nesse sentido, não deixa de ser interessante notar que o próprio lema nacional da Indonésia atual, “Bhinneka Tunggal Ika” (“Unidade na Diversidade”) foi retirado de um poema intitulado “Kakawin Sutasoma” (“Poema de Sutasoma”), escrito durante a era dourada de Majapahit pelo poeta Mpu Tantular.

 

Considerações finais

 

O declínio e a queda do Império Majapahit foi um processo complexo e multifacetado que envolveu fatores políticos, econômicos, religiosos, culturais e ambientais. A fragmentação política interna, as mudanças nas dinâmicas comerciais regionais, a ascensão do Islã, as pressões ambientais e a chegada dos europeus todos contribuíram para o enfraquecimento do império.

 

Outrossim, esse processo pode ser visto como parte de uma mudança mais ampla na cultura, economia e sociedade do Sudeste Asiático durante os séculos XV-XVI e que envolveu a transição de sistemas políticos baseados em conceitos hindu-budistas de realeza para novos modelos influenciados pelo Islã e, posteriormente, pelo contato com os europeus.

 

A história do Império Majapahit, portanto, está conectada a diversas outras histórias. Conhecê-la ajuda-nos a ampliar nosso entendimento não apenas sobre os processos ocorridos no Sudeste Asiático, mas também a pensar a história de maneira global e a construir um conhecimento histórico mais completo.

 

Referências

George Araújo é doutor em História pela UFSC e possui experiência como professor de História Medieval, Moderna e Contemporânea.

 

GEERTZ, C. Negara: El Estado-teatro en el Bali del siglo XIX. Barcelona: Paidós, 2000.

 

HALL, K. R. A History of Early Southeast Asia: Maritime Trade and Societal Development, 100-1500. Lanham: Rowman & Littlefield Publishers, 2011.

 

LIEBERMAN, V. Strange Parallels: Southeast Asia in Global Context, c. 800-1830, Volume 1: Integration of the Mainland. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

 

MUNOZ, P. M. Early Kingdoms of the Indonesian Archipelago and the Malay Peninsula. Singapura: Editions Didier Millet, 2006.

 

PIGEAUD, T. G. T.; LEYDEN, P. D. Java in the 14th Century, vol. IV. Dordrecht: Springer, 1962.

 

REID, A. Southeast Asia in the Age of Commerce, 1450-1680: Volume One: The Lands below the Winds. New Haven: Yale University Press, 1988.

 

RICKLEFS, M. C. A History of Modern Indonesia Since c.1200. Stanford: Stanford University Press, 2001.

 

VLEKKE, B. H. M. Nusantara: A History of Indonesia. Haia: W. van Hoeve, 1943.

2 comentários:

  1. George parabéns pelo texto e por trazer essa temática sobre as sociedades do Sudeste Asiático tão rica, mas pouco estudada aqui no Brasil. Para você ter ideia eu só descobri que esse império existiu por causa de um documentário do History Channel ano passado sobre as civilizações do Sudeste Asiático.

    Seu texto mostra diversos fatores que levaram a sociedade ao declínio. Mas na sua opinião qual foi o fator decisivo para o declínio do Império Majapahit? Qual literalmente aprofundou o declínio dessa sociedade tão fantástica?

    Outro ponto, o fator diversidade étnica (Unido ao grande conjunto de ilhas separadas) fortaleceu o desgaste da unidade política do império, aumentando a fragmentação e fortalecendo o surgimento de um declínio mais agudo?

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  2. Caro José Raimundo Neto, muito obrigado pela leitura e comentários.

    De fato, a história do Sudeste Asiático ainda é bastante desconhecida no Brasil. Por isso, eventos como o Simpósio Eletrônico Internacional de Estudos Orientais são tão importantes.

    Julgo que o declínio e a queda do Império Majapahit realmente ocorreu em função do entrelaçamento dos diversos fatores elencados no texto, sobretudo a ascensão do Islã, a instabilidade política causada por disputas pelo poder, e os problemas econômicos ocorridos em função da diminuição do comércio marítimo e da dependência da agricultura de arroz. Assim, é muito difícil separá-los para apontar um que tivesse tido preponderância sobre os outros.

    Com relação ao segundo ponto, ambos os fatores parecem ter acentuado o declínio, embora não me pareçam ter sido tão determinantes quanto os mencionados acima.

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