A PERDA DA IDENTIDADE CULTURAL COREANA EM PACHINKO, DE MIN JIN LEE.
É inegável o fato de que em todas as nações
mundiais as decorrências de conflitos armados, especialmente os ocorridos no
século XX, foram imensas e desumanas; sem dúvida esses conflitos afetaram
significativamente o cotidiano de toda a sociedade mundial. Entretanto, a
península coreana foi, literalmente, cercada e retalhada por esses atritos. Entre 1904 e 1905 houve a Guerra
Russo-Japonesa, um conflito armado entre o Império Japonês e o Império Russo
cuja intenção era disputar os territórios da Coreia e da Manchúria. O Japão
vence essa contenda conquistando o Império Coreano que passa a ser protetorado
japonês. Contudo, apenas cinco anos depois, a anexação da Coreia como colônia
do Japão é oficialmente firmada. A partir desse momento, em 1910, inicia-se a
Ocupação Colonial Japonesa na Coreia. Essa ocupação foi especialmente cruel com
os coreanos, que eram desumanizados de várias formas: impedidos de utilizar o Hangul (sistema de escrita coreano), a
moeda passou a ser japonesa, nomes coreanos não eram permitidos, muitos
trabalhos eram análogos à escravidão e, obviamente, todos os coreanos deveriam
adotar a cultura de seu colonizador. Ou seja, a identidade cultural coreana foi
confiscada e sua cultura reprimida. Além disso, outros eventos históricos
influenciaram no comprometimento da identidade cultural coreana.
A derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial
abriu espaço para uma nova disputa de poder na península coreana. A União
Soviética tomou o controle da parte norte da península e, enquanto isso, o
exército estadunidense desembarcava na parte sul, para evitar que toda a Coreia
fosse governada pelo exército vermelho. Ambas as potências definiram, em 1948,
a sua zona de influência, separadas por uma linha divisória próxima ao paralelo
38. Contudo, isso não agradou a todos. Logo, inicia-se outro confronto pela
disputa de território e, inclusive, pela disputa de ideologias. A Rússia já
possuía interesses territoriais na península coreana.
Portanto, o país inicia as suas tentativas de
abarcar todo o território coreano, porém os Estados Unidos acaba interferindo
e, então, tem-se início a Guerra da Coréia (1950-1953) dividindo de vez a
península entre Coreia do Norte e Coréia do Sul, divisão mantida até os dias
atuais. Todos esses conflitos e muitos outros são abordados no livro Pachinko, de Min Jin Lee. Publicado pela
primeira vez em 2017, o romance se constitui de um olhar reflexivo dos
acontecimentos pela perspectiva de pessoas comuns. Logo, esses eventos não são
abordados somente sob uma perspectiva histórica, mas sim sob uma perspectiva
humana: no livro temos quatro
gerações coreanas cujas histórias estão expostas entre os anos de 1910 e 1989.
A divisão temporal em Pachinko ocorre por meio de três seções, ou três livros:
Livro I
Gohyang/ Cidade Natal
1910-1933
Livro II
Pátria - Mãe
1939-1962
Livro III
Pachinko
1962-1989
Apesar
da divisão histórica, o livro não possui uma narrativa linear, entretanto isso
não atrapalha a pesquisa. Descobrimos ao longo da leitura que Sunja se apaixona
por Hansu, um coreano pró-japônes. Ao descobrir sobre a gravidez de Sunja,
Hansu diz não poder se casar pois já tem esposa e filhas no Japão. Sunja,
desolada, decide criar a criança sozinha, porém sabe que seu filho sofrerá com
essa decisão. Sabendo sobre a situação o pastor Isak, vindo de Pyongyang,
oferece casamento à garota, porém eles terão de viver no Japão onde Isak foi
designado para difundir a religião cristã.
Inicia-se assim a vida de ambos como Zainichi, coreanos que nasceram e
cresceram sob a ocupação colonial japonesa na Coreia e que agora irão criar os
seus filhos sob o mesmo domínio no Japão. A esperança de uma vida melhor para
os seus descendentes os motiva, contudo as dificuldades serão grandes,
especialmente para os seus filhos, ou seja, para a geração coreana nascida no
Japão durante esse período.
Pachinko não é apenas um simples romance que relata a
vida de uma família imigrante, mas sim um tributo à memória de todos os
imigrantes coreanos que tiveram boa parte de sua identidade cultural confiscada
pelo imperialismo japonês e que, mesmo assim, reuniram coragem para buscar uma
qualidade de vida mais digna para a sua família. Ao longo da obra, vemos como
os coreanos sobreviveram e prosperaram mesmo sob as garras do Japão, sem se
importarem com o arco histórico que os envolveu. Tanto, que isso é mencionado
na primeira frase do livro “A história falhou conosco, mas não importa” (LEE,
2018, p.11).
O livro 1 corresponde aos acontecimentos
históricos mencionados em Pachinko
entre os anos de 1910 até 1933, sendo os mais importantes para a pesquisa: A
Ocupação Colonial Japonesa (1910-1945), o Movimento Samil (1919), a Grande
Depressão (1929) e a Invasão da Manchúria pelo Japão (1931).
Ao longo de Pachinko observamos as dificuldades e esperanças de cada geração ao
desejar uma melhoria de vida para os seus descendentes. Infelizmente, essa
melhora acontece apenas para a última geração mencionada no livro e, só ocorre
após duras penas.
No
primeiro livro, Gohyang/Cidade Natal (1910-1933), observamos o início da
ocupação colonial japonesa na Coreia. O governo japonês cobra impostos altíssimos
e, por esse motivo, diversos coreanos vendem ou cedem as suas terras para
pagá-los. Neste ponto do livro temos a história de um casal que possui uma
pensão, eles são os donos do negócio, mas não do lugar. Com a ocupação colonial
o aluguel sobe e o casal passa a dormir no vestíbulo para aumentar o número de
hóspedes. A vida dos civis vai se tornando cada vez mais difícil, como podemos
observar no seguinte trecho:
“...como acontece sempre que um país sofre um
golpe dos seus rivais ou da natureza, os fracos (os velhos, as viúvas e os
órfãos) estavam mais desesperados do que nunca na península colonizada. Para
cada lar que podia alimentar mais uma pessoa, havia multidões dispostas a
trabalhar um dia inteiro em troca de uma tigela de grãos de cevada” (LEE, 2020,
p. 13).
Esse período foi de grande importância para a
história coreana, pois é uma época em que as dificuldades de vida do povo se
elevaram a níveis catastróficos.
Além
disso, a identidade cultural e, consequentemente, a identidade individual coreana
sofreu diversos impactos. Chegou ao ponto do povo coreano não poder utilizar
nomes em hangul em seus registros, sendo permitido apenas nomes japoneses. Como
vemos no seguinte trecho:
“Devido às exigências do governo colonial, era
normal que os coreanos tivessem dois ou três sobrenomes, mas na Coreia ela
[Sunja] praticamente não usava o tsumei japonês que aparecia em seus documentos
de identidade (Junko Kaneda), porque não frequentava a escola e não tinha
nenhuma relação com instituições oficiais. O sobrenome de nascimento de Sunja
era Kim, mas no Japão, onde as mulheres adotavam o nome de família do marido,
ela era Sunja Baek, que se traduzia como Sunja Boku, e em seus documentos de identidade
seu tsumei agora era Junko Bando. Quando os coreanos tiveram que escolher um
sobrenome japonês, o pai de Isak escolheu Bando porque soava como a palavra
coreana ban-deh, que significa “objeção”, o que tornava seu sobrenome japonês
obrigatório uma espécie de piada [...]” (LEE, 2020, 142, acréscimo nosso).
As consequências dos atritos mencionados em Pachinko a respeito dessa identidade
cultural, principalmente em relação à ocupação japonesa, são mantidas por
gerações. Ao retirar o nome de origem coreana, os japoneses deram a cartada
final na negação de uma identidade cultural propriamente centrada neste grupo.
Como as identidades também estão vinculadas às condições sociais e materiais, o
fato de os coreanos terem sido obrigados a utilizar outro nome não foi de
grande ajuda em relação a essas condições.
Afinal, esse grupo étnico continuou a passar
por discriminações: sob a
perspectiva das condições materiais, os coreanos e seus descendentes eram
impossibilitados de ter passaporte japonês, comprar imóveis e, até mesmo,
conseguir um emprego, isso perdurou até por volta dos anos 1989. Assim: “A
identidade está vinculada também a
condições sociais e materiais. Se um grupo é simbolicamente
marcado como o inimigo ou como tabu, isso terá efeitos reais porque o grupo
será socialmente excluído e terá desvantagens materiais [...]” (SILVA, 2000, p.
14).
Mesmo quando os coreanos não podiam opinar ou
se manifestar contra essa prática, vemos em Pachinko
que alguns coreanos escolheram sobrenomes que zombavam da imposição japonesa.
Não era muito, mas essa pequena resistência já demonstrava certo grau de
insatisfação do povo em relação ao imperialismo japonês.
Devemos lembrar que em meio a esses
acontecimentos históricos importantes para a sociedade coreana e asiática de
modo geral, ocorreram de modo paralelo, eventos de importância global. Como a
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que não é mencionada diretamente no livro,
mas indiretamente também afetou o cotidiano do povo. Durante a primeira grande
guerra, o Japão se manteve do lado dos aliados e foi um importante protetor das
rotas marítimas asiáticas. Justamente por esses motivos a fama japonesa no
ocidente crescia aos poucos.
Enquanto isso, os coreanos estavam cada vez
mais revoltados com os tratamentos de submissão que eram forçados a exercer
perante os japoneses e com as boas graças que os nipônicos recebiam do
ocidente. Assim, em 1919, logo após o término da Primeira Guerra Mundial,
explode na Coreia o Movimento Samil, ou Movimento Primeiro de Março. Esse movimento
foi basicamente uma grande manifestação nacionalista contra o imperialismo
japonês que ocorreu na Praça Pagoda na capital coreana, durante a manifestação
houve a participação de líderes religiosos cristãos, cheondoistas e budistas.
Logo: “Enquanto o imperialismo ampliava a sua abrangência e profundidade, a
resistência nas próprias colônias também crescia” (SAID, 1995, p. 281).
Durante a manifestação foi lida a Declaração
de Independência, escrita pelo poeta Choe Nam-Seon, essa declaração ainda é uma
grande referência para o nacionalismo coreano. O movimento ecoou pela Coreia e
mais rebeliões foram acontecendo, das quais foram consideradas subversivas pelo
Japão. Infelizmente, as consequências do Movimento Samil foram catastróficas:
“Dias depois, as manifestações pelo país
ganharam ares violentos, e as autoridades japonesas resolveram agir de maneira
brutal. Mobilizando a polícia, o kenpeitai
e o exército, foram usados rifles e espadas durante semanas contra os
considerados subversivos. Ao todo, cerca de 7500 pessoas morreram, 15 mil
feridos e mais de 46 mil presas e torturadas. Centenas de casas, igrejas e
escolas foram incendiadas. Em 15 de abril, a população de uma aldeia perto de
Suwon foi massacrada dentro de uma igreja local pelas autoridades japonesas. As
notícias aterradoras, no entanto, não chegaram a impactar na imprensa
internacional, pois muitos países ocidentais não assumiram posição crítica
diante de um aliado nos esforços da Primeira Guerra Mundial, o Japão.” (MACEDO,
2018, p. 158)
Em
virtude dos fatos apresentados podemos afirmar que o tratamento dado para os
coreanos pelos japonês foi extremamente cruel. Durante esse período, em todos
os assuntos referentes à independência coreana, nenhum governo externo
ocidental se manifestou ou tomou partido da situação coreana. Obviamente, como
é dito no trecho acima, isso se deve ao fato de que esses países estavam em uma
posição crítica em relação a um dos aliados durante a Primeira Guerra Mundial,
o Japão.
Cerca de dez anos após o Movimento Samil, em
1929, surge a Grande Depressão que apesar de ter ocorrido nos EUA oscilou a
economia mundial. O Japão estava envolvido com projetos globais que buscavam
uma modernidade cada vez maior, devido a essa crise na bolsa de valores a
economia japonesa foi agravada. Como consequência os japoneses passaram a
defender o fascismo militar e a expansão para a China.
Desde que o governo japonês matou o senhor da
guerra da Manchúria, em 1928, o exército japonês passou a expandir a sua
dominação sobre esse país. Enfim, em 1931, eclode a invasão da Manchúria pelo
Japão. Nesse momento histórico os coreanos continuam sofrendo com as altas
taxas dos impostos, com a guerra ao lado do seu território e com as decisões
tomadas pela metrópole japonesa. As coreanas sofrem ainda mais, pois é nesse
momento que os japoneses levam as mulheres da colônia para se tornarem mulheres
de consolo do exército japonês durante a guerra. No trecho abaixo podemos ver
como tanto a Grande Depressão quanto a Invasão da Manchúria prejudicaram o povo
coreano:
“O inverno que sucedeu a invasão da Manchúria
pelo Japão foi difícil. Rajadas de vento
cortante atravessavam a pequena pensão, e as mulheres precisaram enfiar algodão
entre as camadas de roupa. Durante as refeições, os hóspedes, repetindo o que
ouviam no mercado dos homens que sabiam ler os jornais, diziam que aquilo se
chamava Depressão e estava assolando o mundo inteiro. Os americanos pobres
passavam tanta fome quanto os russos pobres e os chineses pobres. Em nome do
imperador, até os japoneses estavam enfrentando privações. Os prudentes e
fortes, não havia dúvida, sobreviveriam àquele inverno, mas as notícias
vergonhosas eram frequentes demais: crianças que iam dormir e não acordavam,
meninas que vendiam sua inocência por uma tigela de macarrão e idosos que se
recolhiam para morrer sozinhos a fim de que os mais novos pudessem comer.”
(LEE, 2018, p. 19)
Todos os trechos acima retirados de Pachinko, apesar de constituírem um
romance de ficção, são baseados em fatos históricos e explicitam de modo claro
como os eventos mencionados até o momento foram catastróficos para a população
coreana. Sabemos que a Primeira Guerra Mundial e a Grande Depressão tiveram
consequências negativas para o mundo, porém para os coreanos a situação foi
ainda pior. Afinal, esse povo já estava sofrendo com as políticas japonesas em
meio a ocupação colonial. Foi, principalmente, durante esse período que a
identidade cultural coreana foi fortemente reprimida pelos japoneses.
É necessário mencionar que Sunja cresce na Coreia em meio a ocupação
colonial japonesa, portanto, como vimos em trechos anteriores, até mesmo o seu
nome é confiscado. Logo, é um fato que todos os coreanos nascidos e crescidos
no mesmo período histórico que Sunja também tiveram seus nomes modificados para
serem aceitos no padrão japonês. Essa questão é de grande relevância para a
perda da identidade cultural dos coreanos.
Em 1933, Sunja vai para o Japão com o marido
Isak, ambos buscam uma vida melhor para a família, pois com a Coreia sendo
colônia japonesa, os coreanos não possuem oportunidades dignas de estudo ou
trabalho. A partir de então a família se torna Zainichi, termo que define os coreanos que vivem e trabalham no
Japão. Infelizmente, a situação dos coreanos na metrópole japonesa é tão ruim
quanto na Coreia. Além disso, outros acontecimentos históricos surgem para
desestabilizar o imperialismo nipônico.
Ao longo das outras seções do romance, também
é abordado eventos históricos conflituosos que nos conduzem a outras reflexões
sobre as diversas trocas culturais, essencialmente impostas, que ocorreram na
Coreia devido aos eventos mencionados no quadro acima. Temos no romance um
trecho referente à Segunda Guerra Sino-Japonesa e vemos claramente a
perspectiva social em relação a essa
contenda:
“No entanto, todos os coreanos que conhecia
consideravam absurda a guerra que o Japão tinha deflagrado na Ásia. A China não
era a Coreia; a China não era Taiwan; a China podia perder um milhão de
habitantes e seguir em frente. Algumas regiões podiam cair, mas era uma nação
incomensuravelmente vasta, capaz de resistir apenas pela determinação e pelos
números. Os coreanos queriam que o Japão ganhasse a guerra? Claro que não, mas
o que aconteceria com eles se os inimigos do Japão vencessem? Será que os
coreanos conseguiriam se salvar? Não parecia provável. Então salve sua própria
pele: era nisso que os coreanos acreditavam intimamente. Salve sua família.
Encha sua barriga. Fique atento e seja cético em relação às pessoas que estão
no comando. Se os nacionalistas coreanos não conseguirem recuperar seu país,
deixe que seus filhos aprendam japonês e tente seguir adiante. Adapte-se. Não era simples assim? Para
cada patriota lutando por uma Coreia livre, ou para cada coreano desgraçado
lutando em nome do Japão, havia dez mil compatriotas no país e em outros
lugares que estavam apenas tentando colocar um prato de comida na mesa. No fim das contas, o estômago era seu
imperador.” (LEE, 2018, p. 194-195, grifos nossos)
É inegável o fato de que a maior preocupação
das camadas mais baixas da sociedade não era a conquista pela independência
coreana ou a liberdade do domínio japonês, mas sim a luta pela sobrevivência.
Com as guerras, tanto as mundiais quanto as do continente asiático, a primeira
preocupação do povo era o bem estar da família e a última preocupação dos
governantes era o povo.
Um dado importante é o fato de que a Segunda
Guerra Mundial, a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a Ocupação Colonial Japonesa
na Coreia terminaram em 1945. Obviamente isso não é uma coincidência, o Japão
sofreu com a alta demanda de homens enviados para o auxílio no controle
colonial, para a Guerra Sino-Japonesa e para a Guerra Mundial. Logo, durante
esse período, as forças japonesas estavam se enfraquecendo cada vez mais e,
como consequência, os cofres também.
Portanto, após a rendição do imperador japonês
Hirohito para as forças aliadas, o Japão perde a sua influência e o seu poder.
A Coreia pode enfim começar a aspirar a sua tão sonhada independência. Assim, o
governador-geral japonês na Coreia, Endo Ryusaku (1886- 1963), entra em contato
com forças nacionalistas coreanas. Devemos lembrar que os movimentos
nacionalistas coreanos nunca pararam totalmente, mesmo com a forte repressão
japonesa.
A força do Japão durante esse período
histórico denotava, para a sociedade asiática da época, uma soberania desse
povo. Assim, quando essa suposta soberania cai por terra após as perdas durante
as guerras mencionadas do livro II de Pachinko,
os japoneses expressam sua frustração nos imigrantes que passam a ser ainda
mais maltratados.
Portanto, podemos verificar que os episódios
históricos que perpassaram a sociedade coreana foram de fundamental importância
para o seu hibridismo cultural atual, influenciando em todos os aspectos
sociais e culturais dessa nação. E, infelizmente, comprometendo boa parte de
sua cultura tradicional.
Referências
Gabrielly
Fernanda Spizamilio Silva,
Mestranda em
Estudos Literários pelo PPGL- UNESP.
Pesquisadora
financiada pela CNPq.
Licenciada em
letras com habilitação português-francês pela UNESP (Universidade Estadual
Paulista) "Júlio de Mesquita Filho". Câmpus de São José do Rio
Preto/SP (IBILCE-Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas).
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Francieli Alves. Coreia do Sul: a Criação do Hangul como Objeto Cultural e de
Organização Socioespacial. Orientador:
Eliane Kuvasney. 2022. 74 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em
Geografia) - Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Foz do Iguaçu,
2022. Disponível em: http://dspace.unila.edu.br/123456789/6743. Acesso em: 18 jul.
2023.
Olá, no início do texto você diz que a narrativa do livro não é linear, contudo a evolução dos eventos é conduzida de forma histórica sob anos subsequentes, portanto fiquei curiosa sobre quais seriam os recursos narrativos que quebram a linearidade factual? Seria alguma relação com as manifestações identitárias?
ResponderExcluirVictoria Toscani Burigo Fernandes
Olá, Victoria!
ExcluirDigo que a narrativa não é linear, pois o livro tem alguns lapsos de tempo. Como entre o livro 1 e o livro 2, o livro 1 (Gohyang/Cidade Natal) termina em 1933 e o livro 2 (Pátria mãe) começa em 1939. Temos aqui um lapso temporal de seis anos, em outras partes do romance também ocorrem saltos temporais entre os capítulos. Logo, algumas questões históricas ocorridas dentro desses recortes são mencionadas superficialmente e, outras, em mais detalhes. O narrador também passa a voz da narração entre as personagens e as vezes retorna a uma outra personagem após alguns anos. Fiz a separação histórica de modo linear e conduzi a pesquisa dessa forma para auxiliar em fins de estudo. Sobre a questão de ter alguma relação com as manifestações identitárias, acredito que não diretamente, porém se pegarmos alguns acontecimentos históricos e analisarmos sob a perspectiva de alguma personagem em questão, pode haver uma ligação indireta.
Atenciosamente,
Gabrielly Fernanda Spizamilio Silva.
Olá Gabrielly! Parabéns pelo seu texto, foi muito bem construído!
ResponderExcluirPoderia comentar sobre como os eventos históricos descritos em Pachinko, como a imposição de nomes japoneses e a repressão cultural, moldam a luta dos personagens coreanos pela preservação de sua identidade e dignidade enquanto tentam sobreviver em meio à discriminação e às dificuldades materiais no Japão colonial?
Olá, Natália! Obrigada pelo comentário!
ExcluirAcredito que a repressão cultural dos japoneses, cada vez mais forte até o término da ocupação colonial, foi de fundamental necessidade para que as lutas coreanas em relação a preservação de sua identidade acontecessem. Pois, infelizmente, caso os japoneses instaurassem um regime mais "humano" e menos agressivo, os coreanos não se rebelariam da forma como se rebelaram. A cada aspecto cultural coreano que os japoneses proibiam era mais um motivo para a resistência coreana continuar e, inclusive, se fortalecer. A imposição dos nomes japoneses, por exemplo, foi uma cartada desumana e imensamente cruel, que motivou diretamente movimentos de resistência maiores.
Obrigada pela pergunta,
Gabrielly Fernanda Spizamilio Silva
Olá, Gabrielly! Queria dar os parabéns pelo seu texto e pela reflexão que você está desenvolvendo. Seu texto me fez pensar em muitas coisas. Entre elas, por exemplo, se a não repercussão do massacre ao Movimento Samil que você menciona se deu apenas por questões políticas de um alinhamento de nações ocidentais com o Japão (como você traz na citação) ou se também por uma provável falta de difusão pela Europa/EUA de conhecimento sobre a Coreia. Digo isso pois bem no final do século XIX sai um livro intitulado "Corea: the Hermit Nation", do orientalista americano William Elliot Griffis, que vai justamente tentar "apresentar" a Coreia para o público ocidental (que, em geral, só tinham ouvido falar de China e Japão), classificando-o como um "país ermitão". Assim, o caráter "isolado" do reino coreano (imagem que acredito que não mudou muito até 1919), as dimensões geográficas, além de todo um orientalismo presente no pensamento ocidental talvez tenham contribuído para o não conhecimento internacional do massacre feito pelo Japão (além dos motivos políticos que você aponta).
ResponderExcluirMas, na verdade, eu gostaria de fazer uma outra pergunta e deixar uma sugestão bibliográfica para, quem sabe, fortalecer ainda mais seu trabalho.
A pergunta é: você acha que "Pachinko" pode ser lido como um "romance de família", subgênero do romance histórico conforme definido por Carlos Reis em seu Dicionário de estudos narrativos (2018)?
Em relação à sugestão bibliográfica, como você usa (e acredito que de maneira adequada) Edward Said (que fala de orientalismo) mas o agente colonial é um país oriental, queria sugerir dois textos (ambos de intelectuais japoneses) que pensam a recepção e a relação que o Japão tem com a teoria saidiana. Basicamente, eles falam que o Japão ao mesmo tempo é vítima e difusor do orientalismo, seguindo a ideia de Said. Por isso, acho que podem ajudar em seu estudo. Seguem as referências.
NISHIHARA, Daisuke. Said, Orientalism and Japan. Alif: Journal of Comparative Poetics, Cairo vol 1, n.25, fev. de 2005. p. 241-253
HARADA, Yoko. The occident in the orient or the orient in the occident?: reception of Said's orientalism in Japan. Faculty of Arts, Social Science & Humanities Papers, Wollongong, jan. de 2006.
Parabéns mais uma vez pelo trabalho.
José Carvalho Vanzelli
Olá, José! Agradeço pelos seus comentários.
ExcluirEm relação a falta de difusão sobre a Coreia nos EUA, acredito que, de fato, a população estadunidense não possuía muito conhecimento sobre esse pequeno país. Contudo, os governantes sabiam da situação coreana antes mesmo dos acontecimentos relacionados ao Movimento Samil, especificamente na época em que o país estava prestes a cair em mãos japonesas.
Em 1905, o presidente estadunidense Theodore Roosevelt se impressiona com as reformas da monarquia constitucional japonesa e se oferece como mediador de paz para os conflitos no leste asiático. Assim, o secretário William Taft e o chanceler Katsura Taro assinam o acordo Taft-Katsura, tratado que reconheceu o domínio japonês na Coreia e a interferências dos EUA nas Filipinas. Enquanto isso, o imperador coreano Gwangmu tentou desesperadamente buscar o apoio dos EUA pelo reconhecimento da independência coreana segundo o tratado de Paz, Amizade e Comércio de 1882, esse tratado afirmava e reconhecia a independência coreana.
Contudo, Roosevelt não voltou atrás e após as suas ações com o acordo Taft-Katsura, o tratado anterior não foi respeitado, tornando-se nulo. Desse modo, “[...] o império coreano, com mais de quatro mil anos de tradição, e quinhentos anos de dinastia, teve seu termo efetivo nas mãos japonesas.” (MACEDO, 2018, p. 150). Inicia-se aqui o Tratado de Protetorado de 1905.
Por esse motivo, acredito que a posição assumida pelos EUA em relação a Coreia foi muito mais por conta da ligação política com o Japão e menos por uma questão de falta de conhecimento. Mas, como eu mencionei antes, duvido muito que, na época, a população estadunidense e, inclusive, a europeia soubessem sobre as questões políticas envolvendo países geograficamente menores como a Coreia.
Porém, também é importante dizer que existe uma possibilidade de que nem mesmo o próprio governo estadunidense soubesse, em detalhes, da catástrofe que foi o Movimento Samil. Já que a imprensa coreana da época era supervisionada pelo Japão.
Em relação a sua pergunta, acredito que o romance Pachinko pode sim ser lido como um "romance de família", inclusive pelo fato de que as principais decisões das personagens são tomadas pensando no bem da família. E, além disso, é um dos poucos romances históricos que perpassa a história de quatro gerações da mesma família.
Os dramas familiares também envolvem fortemente a narrativa do livro, mesmo que Sunja seja a protagonista, ela é, dependendo do trecho do livro em questão, uma jovem coreana se despedindo da mãe em sua terra natal e uma matriarca conversando com o neto no Japão. O filho dela, Noah, descobre, após anos, que o seu pai biológico é um homem de moral questionável. Enfim, são diversos temas familiares envoltos na mesma narrativa.
Também agradeço muito pelas suas sugestões! Recentemente eu estava procurando algum material que trate mais sobre o ponto de vista japonês em relação a essa ideia de oriente. Tenho certeza que esses textos serão muito úteis.
Obrigada, novamente, pelas indicações.
Gabrielly Fernanda Spizamilio Silva
Excelente o seu texto! E muito intrigante também! Na época da ocupação japonesa os coreanos foram obrigados a adotar a cultura japonesa e deixar de 'lado' sua própria cultura, inclusive sendo obrigados a renunciar seus nomes coreanos. Após a ocupação japonesa, existe alguma relação do hangul com o idioma japonês? Ou os coreanos conseguiram resgatar o hangul sem a interferência do idioma japonês em seu uso?
ResponderExcluirSuelen Bonete de Carvalho.
Olá, Suelen! Obrigada pela pergunta!
ExcluirSim, o Hangul foi resgatado sem interferências japonesas. Mesmo que, após anos do fim da ocupação colonial japonesa, muitos coreanos ainda aprendessem a língua dos japoneses como uma forma de assimilação cultural e, inclusive, status. O Hangul foi reaparecendo cada vez mais nas escolas. Acredito que, devido ao fato de ser um alfabeto criado pelo Rei Sejong ainda no século XV, o seu apagamento completo dentro da sociedade coreana seria algo bem complexo.
Atenciosamente,
Gabrielly Fernanda Spizamilio Silva.
Olá Gabrielly!!! Parabéns pelo seu texto!!!
ResponderExcluirA dominação japonesa na Coreia foi realmente brutal, o país sofreu uma niponização severa, com a proibição inclusive, do uso do coreano nas escolas. Pachinko como você bem frisou, apesar de ser uma obra de ficção/romance, nos permite traçar um panorama dessa proibição cultural sofrida pela Coreia. Mesmo com a obrigação do envio de quase toda a produção de arroz para o Japão, sendo o arroz a principal base da alimentação coreana em todas as refeições, você acredita que uma das principais frente de resistência cultural coreana tenha acontecido através da alimentação?
Olá, Maria! Obrigada pela pergunta.
ExcluirAcredito que a alimentação tem sim importância frente a resistência cultural coreana. Na série, de mesmo nome, baseada no livro Pachinko tem algumas cenas que relatam um pouco sobre isso. No casamento de Sunja e Isak os noivos comem arroz branco, Sunja fica emocionada com o gesto. Logo depois entendemos o motivo, pois vemos a cena em que a mãe de Sunja pede para o vendedor de arroz, que é seu conhecido, uma pequena quantidade de arroz branco e ele diz que não pode vender para os coreanos, pois além de ser um produto extremamente caro, o destino do arroz branco coreano era o prato dos japoneses. A mãe de Sunja explica que é o casamento de sua filha e, compadecido, o vendedor cede um pouco de arroz. Isso se deve pelo fato de que o arroz, como você disse, ser a base da alimentação coreana e, em épocas festivas como o casamento, acreditava-se que comer arroz branco poderia trazer prosperidade. Por isso, Sunja fica emocionada com a atitude da mãe, pois sabe quão difícil era para um coreano comer arroz branco naquela época.
Também há uma parte do livro, que eu cito nesse trabalho, onde vemos a seguinte menção: " [...] Para cada lar que podia alimentar mais uma pessoa, havia multidões dispostas a trabalhar um dia inteiro em troca de uma tigela de grãos de cevada” (LEE, 2020, p. 13). A tigela de grãos de cevada era a substituição do arroz branco. Logo, ela se tornou a base da alimentação do povo coreano dessa época. Demonstrando que até a alimentação coreana tradicional foi, em determinado período, restrita pelo Japão. Assim, vemos que com a alimentação coreana retornando ao que era após o fim da ocupação colonial japonesa, temos também, uma vitória cultural coreana.
Atenciosamente,
Gabrielly Fernanda Spizamilio Silva.