O KOKUTAI NO
HONGI E A RETOMADA DO BUSHIDO NO JAPÃO IMPERIAL (1937-1945)
Introdução
Esta
comunicação examina a construção e a instrumentalização do conceito de bushido no Japão Imperial,
e, particularmente, seu resgate na década de 1930, através do documento oficial
para a doutrinação das massas intitulado “Kokutai no Hongi” durante a Era
Showa. O objetivo é compreender como e por que a ideologia do bushido foi
resgatada neste período através deste documento.
Trabalhando
com os conceitos de “samuraização”,
proposto por Harumi Befu, e o conceito de "tradição inventada" de
Eric Hobsbawm este estudo analisa como o estado japonês valorizou e remodelou a
tradição samurai ao longo do período Imperial através do ideário do bushido,
contribuindo para a construção da identidade nacional e legitimação das
políticas do estado.
O Bushido no Japão Imperial
O
termo bushido [caminho do guerreiro] já havia aparecido na história japonesa
antes do período do Japão Imperial [1868-1945], mas foi nestes anos que este
conceito ganhou suas feições modernas.
O
conceito de bushido se refere a um conjunto de princípios, fundamentado em
supostos valores tradicionais dos antigos samurais.
Esta
palavra, já presente na obra do samurai Kosaka Masanobu [1527-1578] no século
XVI, ganhou notoriedade a partir da década de 1880 da Era Meiji [1868-1912], em
textos de autores como Yukio Ozaki [1859-1954], Inoue Tetsujiro [1855-1944] e, principalmente, Nitobe Inazo
[1862-1933], cujo livro “Bushido: The Soul of Japan”, publicado em 1899, se
tornou o mais influente tratado sobre o tema no Japão moderno [Benesch, 2014, p. 5; Skoss, 2005, p.
251-253].
Segundo a
definição de Nitobe [2006, p.11] este código de conduta seria baseado no
cultivo de sete virtudes principais: ”justiça, coragem, benevolência,
cortesia, sinceridade, honra e lealdade”.
A principal inovação trazida por esse bushido
moderno foi a transposição do foco da virtude da lealdade dos samurais, que, no
passado, era devida ao senhor de cada guerreiro, e, na Era Meiji, tal
fidelidade foi transferida para a figura do Imperador [Benesch, 2014, p.
115-116].
Dessa
forma, embora seja designado por uma palavra antiga, mesmo que pouquíssimo
notória antes do século XIX, o bushido, como é entendido na modernidade é uma
“tradição inventada”, nos termos de Eric Hobsbawm [2002, p. 9], ou seja, “um conjunto de
práticas” [...] “[que] visam inculcar certos valores e normas” [...] “[através
de uma suposta] continuidade com um passado histórico apropriado”.
O
estabelecimento do bushido como um ethos nacional foi um importante componente
do que Harumi Befu [1985, p. 52] define como o processo de “samuraização” do
Japão, em outas palavras, a valorização e instrumentalização da tradição
samurai pelo estado, como parte da construção da identidade nacional.
Este
processo de samuraização ocorreu a partir da década de 1880, quando o Japão,
após um período de forte ocidentalização de suas instituições, vida material e
costumes, passou a buscar uma política mais nacionalista e de valorização das
tradições nativas [Tipton, 2002, p. 55-56], mesmo que fossem tradições
inventadas.
Como uma ideologia nacional, o bushido ganhou força
nas últimas décadas da Era Meiji, chegando ao seu auge durante a Guerra
Russo-Japonesa [1904-1905].
Com
o fim da Era Meiji e o início da Era Taisho
[1912-1926], ainda foram notáveis momentos de apreço coletivo pelos valores do
bushido, como na reação pública ao suicídio do General Nogi Meresuke
[1849-1912], e a popularidade de histórias ligadas a esta ideologia na ficção
para o consumo popular. Contudo, na prática, este código de honra perdeu força
no cenário político, junto com outros aspectos ideológicos da Era Meiji,
passando inclusive a receber críticas abertas, estando entre os críticos o
famoso romancista Akutagawa Ryonosuke [1892-1927] [Benesch, 2014, p. 117, 125,
130-131].
Neste período a democracia e o liberalismo em
moldes ocidentais ganharam força, inclusive com a ascensão de alguns governos
partidários, algo incomum no período imperial, fortalecimento de movimentos por
direitos femininos, de grupos excluídos, socialistas, comunistas, e o estabelecimento
do sufrágio masculino universal [Buruma, 2005, p. 49-50]. Este novo cenário se
manteve hegemônico até a crise econômica mundial de 1929.
Isso foi possível pela diminuição da presença
do Imperador [o centro de devoção do bushido] na cena pública, em função de
seus problemas mentais [Benesch, 2014, p. 157], e de eventos que indispuseram
os militares com a opinião pública da sociedade civil, mais especificamente, a
Crise Política de Taisho [1912-1913] e o Escândalo Siemens [1914] [Sims, 2001,
p. 114-115].
No entanto, no interior das forças armadas,
principalmente no Exército, após o fim da Guerra Russo-Japonesa os ideais do
bushido da Era Meiji ganharam ainda mais força, se mantendo influentes entre os
militares através da Era Taisho [Benesch, 2014, p. 114-120], se configurando
como um ethos separado da sociedade civil.
Ao longo da nova era os militares buscaram
promover o bushido na sociedade em geral, junto com outras organizações
nacionalistas civis, e, através da influência sobre o Ministério da Educação,
mantiveram a doutrinação nestes valores no programa de educação e nos materiais
didáticos empregados nas escolas [Benesch, 2014, p. 119-124].
Tal esforço dos militares não resultou nos
frutos por eles desejados no período, pois, embora o governo Taisho estivesse
empenhado em promover os princípios do bushido, a fiscalização e imposição
foram menos estritas no período, e, na prática, esta característica do programa
educacional podia ser simplesmente ignorada pelos professores, tornando pouco
efetivos os resultados da doutrinação [Ienaga,
2001, p. 27-48].
Contudo, apesar dos fracassos no campo
ideológico, as revoltas populares e os movimentos de esquerda serviram para
manter os adeptos do bushido em prontidão, inclusive organizados em muitos
pequenos grupos nacionalistas [inclusive algumas organizações fascistas]
[Benesch, 2014, p. 114, Kasza, 2006, p. 351], sobretudo após a Revolução Russa
de 1917 e a constatação da situação de penúria do campesinato, que levava ao
temor de uma revolução nos moldes dessa, ou da Revolução Francesa de 1789
[Shillony, 1973, p. 10].
Assim, se este ideal falhou em se manter
hegemônico na Era Taisho, os esforços por sua propagação o mantiveram presente,
evitando seu esquecimento.
Apesar da queda da influência política dos
militares na Era Taisho, problemas políticos, sociais e econômicos que se
acumularam neste período logo levariam a queda da aprovação popular pela
democracia liberal e ao retorno do prestígio dos militares.
Entre estes fatos podemos destacar
primeiramente uma severa inflação que se seguiu ao fim da Primeira Guerra
Mundial, prejudicando a qualidade de vida do povo, e levando graves privações
ao campesinato, gerando, inclusive, grandes revoltas populares [Buruma, 2005,
p. 49].
Também podemos destacar os efeitos do Grande
Terremoto de 1923, os tratados desvantajosos ao Japão no campo das relações
internacionais com os países ocidentais, e a crescente percepção da corrupção
política, que arruinou a imagem tanto da nova geração de líderes quanto das
elites econômicas a eles ligadas [Shillony, 1973, p. 4].
A estes fatos ainda se somaram no início da
Era Showa [1926-1989] a Crise Econômica Mundial de 1929, que, além de problemas
gerais no país, desencadeou uma grande fome que atingiu o campesinato do
nordeste do Japão, no início da década de 1930, e o Tratado Naval de Londres
[1930], que mais uma vez colocava o Japão em desvantagem militar em relação às
potências ocidentais, e que foi levado para a aprovação imperial pelo
Primeiro-Ministro sem a aprovação dos representantes das forças armadas no
governo, o que causou o rompimento das alas civil e militar do governo Showa
[Shillony, 1973, p. 4, 7].
Isso levou a invasão e ocupação da Manchúria
pelos militares sem o consentimento do governo civil [Shillony, 1973, p. 8], o
que foi o início da Guerra de Quinze Anos [1931-1945] do Japão, conjunto de
conflitos que também engloba a Segunda Guerra Sino-Japonesa [1937-1945] e a
Guerra do Pacífico [1941-1945] na Segunda Guerra Mundial [1939-1945].
O Kokutai no Hongi
A
conquista da Manchúria foi muito bem recebida pela opinião pública, e, pela
demanda de armamentos e infraestrutura, estimulou a economia japonesa,
aplacando os efeitos da Crise de 1929 [Gordon, 2003, p. 189; Hata, 2008, p. 299]. Esse cenário
desmoralizou o governo partidário vigente e levou o país a adotar governos de
“unidade nacional”, compostos por militares e simpatizantes [Crowley, 1982, p.
130].
Neste
momento o fator da samuraização da população, e, principalmente, das forças
armadas, voltou a ganhar força, com destaque para o período em que o General
Araki Sadao [1877-1966] ocupou o posto de Ministro da Guerra entre 1931 e 1934,
época na qual foi fortalecida a propaganda da ligação direta das forças armadas
com o Imperador, enfatizando sua lealdade, e o uso das espadas dos samurais
[katanas] passou a fazer parte da indumentária dos oficiais militares [Shillony, 1973, p. 31].
Em
meio a essa recuperação do prestígio dos militares, várias tentativas de golpe
de estado, promovidas por grupos de extrema-direita militares e civis, são
reprimidas pelas autoridades, entre os quais os mais notórios foram o
“Incidente de 15 de Maio”, em 1932, e o “Incidente de 26 de Fevereiro”, em
1936, episódios nos quais várias figuras importantes do governo e do grande
capital nacional foram assassinadas [Gordon, 2003, p. 198; Shillony, 1973, p. 36]. Essas tramas, em
sua maioria, tinham o envolvimento da facção dos jovens oficiais das forças
armadas.
Este
“Movimento dos Jovens Oficiais” [“Seinen Shoko Undo”] tinha em suas fileiras
militares de baixa-patente formados em escolas militares, sendo em sua maioria
de origem camponesa, e cujas famílias sofriam com a situação econômica do país,
principalmente após a Crise de 1929. Em função da pobreza, estes jovens não
tinham esperança de ingressar em universidades, e as academias militares e as
forças armadas, principalmente o Exército, acabavam sendo para eles um vetor de
formação e ascensão social [Shillony,
1973, p. 13-25].
Este
movimento, que também contava com o apoio de alguns membros do alto oficialato,
inclusive generais, se radicalizou em função da pobreza do campesinato e da
percepção de corrupção e ineficiência do governo, passando a praticar
assassinatos políticos e tentativas de golpe de estado, que visavam reformar ou
mesmo revolucionar a política nacional [Shillony, 1973, p. 25-37].
No
desenrolar desses acontecimentos, ocorreu um fato central para consolidar esta
nova etapa da samuraização da nação japonesa. Este fato foi o “Incidente Minobe”
[1935], a denúncia da teoria do professor Minobe Tatsukichi [1878-1948] sobre o
papel do Imperador na constituição japonesa.
Desde
a Era Taisho, Minobe era um dos mais influentes juristas do país, membro da
câmara alta do legislativo e um conhecido liberal, defensor do governo
partidário e da expansão dos direitos civis. Sua teoria principal consistia no
argumento de que o Imperador seria um órgão do estado, portanto, sujeito a
limitações constitucionais. Esta teoria foi tomada como um argumento plenamente
aceitável no ambiente liberal-democrático do período [Buruma, 2003, p. 78-79;
Nagao, 1983b, p. 196].
Entretanto,
por sua oposição a Lei de Preservação da Paz, de 1925 [uma lei de combate a
subversão], e seu apoio ao Tratado
Naval de Londres, ele passou a sofrer ataques de membros nacionalistas do
parlamento, e, em 1935, sua teoria foi transformada no foco para estes ataques,
sendo considerada um crime de lesa-majestade e uma subversão da essência do
povo japonês [kokutai]. Com isso ele perdeu suas posições política e acadêmica
e teve seus livros banidos [Nagao, 1983b , p. 196].
Após este episódio, com o argumento de
proteger o Imperador e o kokutai de agressões desse tipo, foi fundado o
“Movimento de Esclarecimento do Kokutai”, encabeçado pela ala mais nacionalista
do Seiyukai, o mais conservador dos grandes partidos da época, juntamente com
aliados de movimentos de extrema-direita nas forças armadas e sociedade civil,
inclusive a facção dos jovens oficiais [Buruma, 2003, p. 78-79; Person, 2017, p. 309; Shillony, 1973,
p. 49-51].
A realização mais relevante deste movimento
foi a publicação do “’Kokutai no Hongi”, por meio do Ministério da Educação, em
1937. Este texto, cuja redação ficou a cargo de oficiais do governo e
acadêmicos das principais universidades do país, foi uma peça de propaganda que
buscava estimular o nacionalismo popular, até o limite do sacrifício, sendo
direcionado especialmente para os estudantes [Hall, 1983a, p. 264].
O título “Kokutai no Hongi”, que pode ser
traduzido como “Princípios Essenciais da Entidade Nacional do Japão”, é
derivado principalmente do conceito de “kokutai”, que entre várias traduções
possíveis, passa a ideia geral de “corpo da nação”. Esse conceito apareceu em
textos do movimento nativista Kokugaku [Conhecimento Nacional] ainda durante a
Era Tokugawa [1600-1868], e originalmente definia as características
particulares de cada povo [ou seja, cada povo possuiria um kokutai],
posteriormente, ao longo da Era Meiji, e principalmente por influência do
trabalho de Hozumi Yatsuka [1860-1912] o kokutai passou a ser entendido
como a essência única do povo japonês, e
começou a ser usado em documentos oficiais a partir do “Rescrito Imperial para
a Educação” de 1890 [Bocking, 2005, p. 77; Healey, 1983a, p. 262-263].
O texto do Kokutai no Hongi é dividido em
duas seções [a primeira sobre as características divinas do Japão, assim como
de suas igualmente augustas origens e lideranças, e, a segunda, sobre vários
aspectos da cultura japonesa como sua religião, ética e política] e busca
difundir a ideologia imperial já presente desde o final do século XIX, ao mesmo
tempo que procura atualizá-la com considerações para acomodar as demandas dos
grupos nacionalistas revolucionários dos anos mais recentes, adaptando-as aos
interesses do estado [Doak, 2007, p. 111-112; Hall, 1983a, p. 264], fazendo
também várias comparações das características nacionais japonesas com as dos
povos ocidentais, exortando pela purificação do Japão da presença de tais
influências [Kokutai no Hongi, 1949, p. 82].
Este texto teve mais de 1,9 milhão de cópias
distribuídas no império japonês, e registradas mais de 51 mil citações a ele em
outros textos entre 1937 e 1945 [Hall, 1983a, p. 264].
O Bushido no Kokutai
no Hongi
O
bushido é abordado no quarto capítulo do Kokutai no Hongi [1949, p. 138-149]
intitulado “Ritos Cerimoniais e Moralidade”, que traz tópicos sobre “Ritos
Cerimoniais”, “Moralidade”, “Bushido” e “Budismo” respectivamente. No texto o bushido é descrito
como um ethos atemporal do povo japonês [Kokutai
no Hongi, 1949, p. 146].
Segundo
este documento:
“O Bushido pode ser citado como uma característica
marcante de nossa moralidade nacional. O mundo que o guerreiro vê, herdou a
completa estrutura e espírito dos antigos clãs característicos de nossa nação.
Assim embora os ensinamentos do Budismo e do Confucionismo tenham sido
seguidos, estes foram superados. Ou seja, embora haja um senso de dever ligando
mestre e servo, este se desenvolveu em um espírito de autossacrifício, onde a
morte é encontrada com perfeita serenidade. [...]
Este é o mesmo Bushido que foi vertido de um
feudalismo obsoleto no tempo da Restauração Meiji, e que elevado em esplendor
tornou-se o caminho da lealdade e do patriotismo e tem evoluído ante nós como o
espírito das forças imperiais” [Kokutai no Hongi, 1949, p. 144-146].
Assim como o “Bushido” de Nitobe Inazo, o texto de maior relevância
sobre o tema no Japão Imperial, o Kokutai no Hongi caracteriza a lealdade como
um traço essencial do bushido, pois, enquanto o texto da Era Meiji afirma que
“[são] as duas características predominantes da vida emocional de nossa raça: — Patriotismo e Lealdade” [Nitobe, 2006,
p. 17], “lealdade ao soberano” [Nitobe, 2006, p. 16], o texto da Era Showa
afirma que “a lealdade é nosso caminho fundamental como súditos, e é a base da
nossa moralidade nacional”, “na lealdade nós obtemos a vida” [Kokutai no Hongi,
1949, p. 83] e “Cumprir o caminho da lealdade, considerando a vida e a morte
como uma coisa só, isso é o Bushido” [Kokutai no Hongi, 1949, p. 145].
No entanto, um aspecto da virtude da lealdade sob o bushido que recebe
no Kokutai no Hongi uma atenção especial, e diferente do que ocorre no livro de
Nitobe é a disposição ao sacrifício, disposição esta que marcaria o
comportamento das forças armadas imperiais desde a Guerra Russo-Japonesa, mas
que atingiria seu clímax nos anos finais da Segunda Guerra Mundial.
No livro de Nitobe o tema do autossacrifício é tratado brevemente, sendo
dito que “Das causas [...], com as quais nenhuma vida era por demais cara para
ser sacrificada, estava o dever da lealdade” [Nitobe, 2006, p. 60],
argumentando, no entanto, que uma lealdade cumprida ao sacrifício da própria
consciência, ou seja, por razões flagrantemente condenáveis, recebe “um lugar
inferior na avaliação dos Preceitos” e que em tal situação “o caminho leal que
ele [o súdito] deveria seguir seria usar todo meio disponível para persuadi-lo
[seu mestre] de seu erro” mesmo que a custa do “derramamento de seu próprio
sangue” [Nitobe, 2006, p. 67].
Por sua vez o Kokutai no Hongi faz muitas
exortações ao autossacrifício dos súditos do Imperador, sendo este o argumento
central sobre a relação entre lealdade e sacrifício:
“Lealdade significa reverenciar o Imperador como
nosso eixo, e segui-lo cegamente. Por obediência cega entende-se nos colocarmos
em segundo plano, e servir ao Imperador com dedicação. [...]
Portanto, oferecer nossas vidas em prol do
Imperador não significa o chamado autossacrifício, e sim que deixamos de lado
nossos egos insignificantes para viver sob sua divina graça e pelo
engrandecimento da genuína existência do povo” [Kokutai no Hongi, 1949, p. 80].
O texto apresenta ainda argumentos como: “leais
súditos sacrificaram suas vidas pela nação desde os tempos da Restauração
[Meiji]”, e “o clímax da harmonia [social, é o] sacrifício da vida de um súdito
pelo Imperador [Kokutai no Hongi, 1949, p.
77, 100].
Nos lembrando de que de forma efetiva o Imperador
não governava o Japão Imperial, mas sua soberania legitimava o aparato de
estado e seus representantes, as exortações deste texto oficial por lealdade,
obediência cega e disposição ao sacrifício da própria vida, o faziam
objetivamente em nome dos ministros e oficiais que representavam o Imperador,
ou seja, aqueles que de fato governavam o país.
Conclusão
Podemos
concluir, portanto, que a dinâmica entre períodos liberais e conservadores no
Japão Imperial refletiu uma constante tensão e adaptação do país às pressões
internas e externas ao longo do tempo. A Era Meiji e os períodos Taisho e Showa
foram marcados por uma alternância entre influências liberais ocidentais e
conservadoras marcadas pelo projeto de samuraização gestado ainda na Era Meiji,
e efetivamente resgatado após a Crise de 1929 período no qual ocorreu a ascensão
de um governo autoritário, que usou o Kokutai no Hongi como um instrumento para
esta nova samuraização e para o condicionamento do povo a se sacrificar em prol
das políticas do estado, feitas em nome do Imperador.
Referências:
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Mail: edelsongeraldo@yahoo.com.br
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Edelson parabéns pelo texto!!!!!
ResponderExcluirUma dúvida: podemos afirmar que o uso do bushido no KOKUTAI NO HONGI foi uma das principais causas responsáveis pela construção de um pensamento fanático e totalmente disciplinado que levou a sociedade japonesa e os soldados japoneses aos atos de ação extrema de autosacrifício, quando enfrentavam os soldados americanos (como podemos ver nos casos de batalhas como Guadalcanal, Iwo Jima, Batalha do Mar da Filipinas e Okinawa)?
José Raimundo Neto.
Obrigado pela leitura José.
ExcluirO Kokutai no Hongi certamente serviu para resgatar e atualizar a disciplina e fanatismo em alguns setores da população, mas estas características já estavam presentes (e tiveram um auge na Guerra Russo-Japonesa, no início do século XX), não sendo construídas apenas a partir da publicação dessa peça de propaganda.
Edelson Geraldo Gonçalves.
Podemos dizer que outro fator importante do bushido integrado ao KOKUTAI NO HONGI foi a influência deste no desenvolvimento da ideia dos Kamikazes? Poderia falar mais sobre esse aspecto?
ResponderExcluirSim, o bushido foi uma justificativa ideológica para os kamikazes, mas o uso dessa tática teve motivos práticos, pois os kamikaze eram em geral pilotos com pouco treinamento, atuando em uma situação (a partir de outubro de 1944) em que dispunham de poucos aviões, combustível e munição. Dessa forma os ataques suicidas eram uma forma de maximizar a eficiência do piloto, fazendo com que um militar e um avião que provavelmente seriam perdidos de qualquer forma causassem grandes danos estruturais (principalmente em porta-aviões inimigos) e baixas entre os adversários do Japão.
ExcluirEdelson Geraldo Gonçalves.
Pode ser dito também que um dos motivos pela escolha americana do uso das armas nuclerares contra o Japão está ligado a disseminação do KOKUTAI NO HONGI na sociedade japonesa? A medida que os americanos já haviam elaborados diversos cálculos dos números de baixas americanas em caso de uma invasão convencional às ilhas japonesas (principalmente depois dos resultados das batalhas de iwo jima e okinawa). Assim, os americanos sabiam que seria bastante difícil enfrentar uma sociedade disciplinada com um pensamento tão focado no autosacrifício? Gostaria que você falasse mais sobre esse aspecto e possível relação entre o KOKUTAI NO HONGI e sua influência na tomada da decisão americana em relação ao uso de armas nucleares (retirando da equação o fator de disputa geopolítica entre americanos e soviéticos no pós-guerra).
ResponderExcluirEu diria que o uso das armas nucleares teve três razões principais: 1) o teste dos armamentos e exibição dos mesmos para os soviéticos, 2) a tentativa de fato de poupar as vidas dos soldados, evitando uma invasão direta de todo o território japonês (que trazia a expectativa de uma carnificina enorme, para os dois lados, já que todo o povo japonês seria mobilizado na luta) e 3) buscar encerrar a guerra rapidamente, evitando uma maior participação dos soviéticos na Guerra do Pacífico, e atuação destes no Japão do pós-guerra (e estudos recentes mostram que o temor pela intervenção soviética foi mais decisiva para que as elites japonesas aceitassem a rendição do que as bombas atômicas propriamente ditas, as bombas acabaram servindo como um argumento razoável para a rendição).
ExcluirEdelson Geraldo Gonçalves