Caroline Trapp de Queiroz e Flavio de Souza

 

XINTOÍSMO E OLHAR EM DIAS PERFEITOS


 

Introdução

“Hirayama concilia seu trabalho como zelador dos banheiros públicos de Tóquio com sua paixão por música, literatura e fotografia. Sua rotina é lentamente interrompida por encontros inesperados que o forçam a se reconectar com seu passado” (IMDb, 2023). A sinopse de Dias Perfeitos, filme de 2023 que representou o Japão como indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, chama a atenção por conta da simplicidade, palavra que ganha novos contornos no roteiro de Takuma Takasaki e Wim Wenders – este último também responsável pela direção do longa-metragem.

 

O que deveria ser algo muito mais próximo de um documentário sobre a incrível arquitetura dos banheiros públicos de Tóquio, segundo palavras do próprio cineasta alemão, em entrevista ao canal do YouTube da crítica cinematográfica Isabela Boscov (2024), acabou por se transformar em um belíssimo filme que fala não só sobre a cidade e seus banheiros, mas sobre as pessoas e suas relações. Não que a cidade fique totalmente em segundo plano, a narrativa do filme ainda é sobre um homem japonês de meia idade trabalhando e vivendo em Tóquio, mas não é a grande metrópole dos cartões postais que vemos em tela, acompanhamos aqui uma cidade vista pela ótica de um singelo e metódico trabalhador.

 

Tóquio é a cidade mais populosa do mundo e, ainda assim, já foi considerada a melhor cidade para se viver (Globo, 2020). Com mais de 14 milhões de habitantes (Tokyo, 2024, p. 03) concentrados numa área onde caberia uma São Paulo e meia, o incentivo para que cada vez mais pessoas se mudem para a capital japonesa é grande, ainda que as moradias se tornem proporcionalmente cada vez menores. Com muita gente, pouco espaço e um ritmo de vida acelerado, típico das grandes metrópoles, como é possível apreciar as pequenas coisas do cotidiano? Essa talvez seja a provocação mais pungente de Dias Perfeitos.

 

No filme, acompanhamos a rotina diária desse fictício zelador de banheiros e, ao longo da narrativa lenta e cadenciada, adornada pelas belas paisagens capturadas no cuidadoso trabalho de fotografia do longa, algumas perguntas vão se apresentando, desenhando a possibilidade de entendimento do modo de viver do senhor Hirayama. Quão importante é cultivar pequenas plantas no apartamento, em uma selva de concreto e aço? Por que Hirayama sempre começa o seu dia admirando o nascer do sol com uma profunda inspirada? Quais sensações são despertadas ao ouvir enquanto dirige para o trabalho House of the Rising Sun, de The Animals, Perfect Days, de Lou Reed, e Feeling Good, de Nina Simone? Qual é o sentido de tirar diversas fotos da copa de uma mesma árvore em um parque qualquer?

 

A escolha da música que inaugurará o dia, em meio à coleção de fitas cassete, o lanche que faz questão de fazer no parque, observando a vida, a busca pela captura do movimento das folhagens das árvores com uma câmera analógica, o ritual da revelação dos filmes transmutados em fotografias, o minucioso processo de desenraizamento das mudas, coletadas no pé das árvores do parque, com a permissão do sacerdote, as regas diárias e a disposição à luz solar, planejada com rigor, o passeio de bicicleta no fim da tarde, o cuidado de si com o alimento que gosta e a casa de banho que frequenta, o livro que lhe faz companhia no cair da noite, são alguns dos recortes que parecem sagrar o cotidiano do personagem e que certamente ajudam a compreender sua personalidade.

 

Nos 124 minutos da obra, o senhor Hirayama parece nos convidar à parada, uma obrigatória suspensão da correria, tão presente no nosso tempo, de aceleradas transformações tecnológicas, informacionais e culturais, chamando atenção às possibilidades que o cotidiano nos apresenta para fruir o agora, independente de se estar em regiões distante das grandes cidades, ou em seu coração. O que parece querer nos dizer é que há um modo de olhar o mundo que abre a possibilidade de experienciá-lo integralmente. No lugar de ver a vida passando diante dos olhos, observar a natureza, apreciar a arte, saborear a gastronomia, conectar-se com as pessoas sem intermediações e dar espaço às miudezas que o capitalismo moderno diz que não têm serventia.

 

No presente texto, mais do que pensar o filme em si, temos por objetivo discutir duas questões que se colocam a partir da reflexão em relação ao longa: 1) o xintoísmo como chave de leitura possível; e 2) o olhar como ato.

 

Xintoísmo: uma chave de leitura possível

Comumente se encontra referências acerca do xintoísmo como uma religião japonesa tradicional, baseada no culto à natureza, à ancestralidade e aos signos e símbolos do país. Tal qual as religiões produzidas nas socialidades das comunidades originárias de diferentes regiões do mundo, como nas Américas e em África, os elementos da natureza possuem divindades específicas, havendo integração entre o mundo físico e o mundo espiritual. No entanto, ainda que se leia o xintoísmo como religião, é importante atentar-se ao fato de que, do ponto de vista teórico, muito se discute quanto à sua classificação, sobretudo pelo fato de esta classificação valer-se de características ocidentais que estabelecem o que é, e o que não é religião.

 

Nesse sentido, o olhar do outro determina, de certa maneira, a emergência do xintô como religião, na medida em que, antes da chegada do budismo, no século VI, não havia sequer um termo específico para nomeá-lo, de tão “natural, genérica e vasta” (Kaneoya, 2012, p. 01) que a concepção do xintoísmo era para o japonês. De fato, por se tratar de uma forma de viver no mundo, de entender a ancestralidade e a própria história, sua categorização como religião é bastante complexa, já que estamos falando de um modo de compreensão do homem que está profundamente atrelado à realidade, sem separação tangível em relação à natureza, ou seja, sem possibilidade de enxergar um como “eu” e o outro como um “outro” (Moore, 1975). É também por esse motivo que o Japão “pode ser considerado como uma matriz cultural receptiva a elementos estrangeiros, aceitando-os e assimilando-os” (Sasaki, 2011, p. 04).

 

Assim, pode-se considerar, de modo bastante concreto e geral, o xintoísmo como uma maneira de ver e viver, um entendimento que postula formas de ser e estar em relação com elementos da natureza, entendendo-os como elementos de si, sem divisão. O homem, nesse sentido, é parte de um todo, composto pela complexidade da vida, constituída pelas experiências – fundadas na existência da natureza, seus elementos e as divindades que lhes são específicas. Há, dessa forma, “uma forte concepção intuitiva de uma profunda unidade subjacente, biológica e física ao mesmo tempo, entre todos os homens (mortos, vivos e não-nascidos), a Natureza e todas as entidades invisíveis ao homem, porém dignas de veneração” (Herbert, 1977, p. 10). A adoração à natureza constitui-se, então, como “fé primitiva do povo japonês” (Kaneoya, 2012, p. 02), cuja materialização do divino encontra-se nos deuses a ela vinculados, como a deusa do sol, o deus da lua, o deus da montanha, o deus do mar, o deus do vento, entre outros (Harada, 1914 apud Kaneoya, 2012).

 

Entendendo o xintoísmo, então, como cosmogonia, que explica filosoficamente a existência do mundo e da vida para o japonês, e furtando-nos de estabelecer aqui as diferenciações entre o que se compreende por xintoísmo popular e por xintoísmo de Estado, usado para justificar-se no poder (Suzuki, 2024), enfocando Dias Perfeitos, importa tomar o xintoísmo como chave de leitura a fim de compreender o personagem que nos é apresentado. Parece ser justamente com base na cosmovisão de mundo construída a partir do modo de se relacionar com a vida encontrada no xintoísmo que Hirayama vive e se conecta com a vida em seu cotidiano. Para além da referência à natureza como materialidade do divino – não do ponto de vista prático, mas profundamente presente –, o protagonista parece nos convidar a uma relação intrínseca também com a tecnologia, no caso da música e da fotografia, mas conservando modos de produção e fruição dos artefatos culturais que entrelaçam o elemento humano à dimensão das máquinas como uma só coisa.

 

Cientes do risco de cairmos em contradição, talvez seja por isso que Hirayama prefira o analógico ao digital, pois ainda que o resultado – a fotografia, a música – dependa da tecnologia, a mão do homem é indispensável à concretização da experiência como um todo, unindo-se também a dimensões como o tempo e a memória. A contradição, nesse caso, fica a cargo da cisão que parecemos produzir ao colocarmos o analógico de um lado e o digital de outro, em nossa análise, na medida em que, se há, para o xintoísmo, uma divindade em cada elemento da realidade, nos homens, na natureza, nos objetos etc, logo, não parece fazer sentido que essa construção da diferença em relação às tecnologias seja posta em discussão. Sobretudo porque, se o xintoísmo nos diz de uma conexão com a natureza, e se entendemos que a natureza é o que somos, ou o contrário, somos parte e produto dela, também as tecnologias se desenvolvem dentro de uma mesma lógica interrelacional.

 

Considerando a história de um Japão forçado à desmilitarização durante a ocupação norte-americana no pós-Segunda Guerra, contando com uma população que envelhece a passos largos, cuja taxa de natalidade se torna cada vez mais baixa e a mão de obra, por consequência, mais escassa, é importante compreender que o investimento em tecnologia respondeu, historicamente, a demandas mais relativas à conjuntura interna do que necessariamente ao fomento de uma indústria de guerra.

 

De toda forma, no contexto de um filme dirigido por um cineasta alemão, o convite à reflexão sobre a relação do homem com a tecnologia pode estar posto, mesmo considerando o que nos apresenta o xintoísmo, e isso pode ajudar a construir uma discussão sobre ética e responsabilidade, na medida em que a questão suscitada no filme talvez não seja a cisão entre o analógico e o digital – que tantas vezes desenha a linha abissal entre as gerações, no apego saudosista a um passado pueril – mas sim a necessidade de colocar em discussão a tecnologia como parte da natureza e, por isso mesmo, seguindo a cosmovisão xintoísta, parte do que também nos constitui e de nós fala.

 

O olhar como ato

O que mata um jardim não é o abandono. O que mata o jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente.

Mario Quintana

 

Como segunda questão suscitada a partir da reflexão sobre o filme, e ainda na baila da ética e da responsabilidade, o olhar se apresenta como elemento concreto da narrativa. No caso, um olhar que é assumido como ato, como decisão de enxergar, que transcende a capacidade de ver algo, de “fitar os olhos em” (Houaiss, 2024) alguma coisa. Esse olhar como ato vai além da mecânica de ver, pois pressupõe ter a atenção capturada pelo que se vê. A captura da atenção, ou uma atenção plena, se faz presente na vida do senhor Hirayama durante todo o filme e em cada ação que o homem se põe a fazer: em seu trabalho, no qual limpa banheiros públicos com um cuidado quase ritualístico, ao dar água e luz às suas mudas de plantas, no pequeno apartamento onde vive, quando observa um homem em situação de rua dançando com as árvores do parque, ao aguardar o nascer do sol para dar play em sua música do dia ou mesmo quando contempla a paisagem com sua sobrinha valorizando o tempo do agora – que se faz agora, e não depois.

 

O quê e o modo como sentimos possui relação total com a visão, pois é o que estabelece se o jardim ao qual se refere o poeta será fitado com a percepção de quem o olhou e de fato o viu, ou com a indiferença de quem, embora o tenha olhado, matou-o por não vê-lo. Na base da diferença entre olhar de forma mecânica e olhar como ato implicado e intencional está o afeto. Quando falamos ou ouvimos falar sobre afeto, não é difícil pensarmos de imediato em situações harmoniosas que confundem-se com o carinho, no sentido da afeição. No entanto, a ideia de afeto transcende seus sinônimos diretos: “adoração, amizade, afeição, admiração, amor, apego, benquerença, carinho, dedicação, dileção, estima, meiguice, querença, simpatia, ternura” (Sinônimos, 2024).

 

O afeto do modo como se compreende nessa discussão se refere muito mais à maneira como determinada situação nos toca, comove ou contagia, do que necessariamente aos sentimentos de apego ou ternura provenientes dela. Nesse sentido, estamos diante do que nos afeta, do que nos toca e nos move, como sujeitos sencientes que podemos escolher ser. O modo como enxergamos o mundo e o outro será, obviamente, profundamente influenciado e impactado pela decisão de nos deixarmos afetar pelo que vemos. Escolher olhar em atrelamento com a dimensão do tempo, a atenção plena, para além da automatização de ver a vida passando. Se nessa escolha, inevitavelmente sofremos as dores que o mundo traz e produz na contradição de nossa existência, por outro lado, também nos surpreendemos com o que se esconde no miúdo do cotidiano, no ordinário que se passa nos passar nos dias.

 

Pode parecer, num primeiro momento, que deixar-se afetar é uma escolha passiva diante da vida, como se ser ativo estivesse relacionado a afetar e não a ser afetado, causar dor e não sofrê-la, talvez. No entanto, olhar, do modo como o senhor Hirayama nos convida a fazer, é um ato que demanda estar presente, entendendo que o “agora é o agora”, ainda que essa presença não pressuponha protagonismo no mundo.

Tal qual Hirayama, Palomar, personagem de Ítalo Calvino (1994), olha o cotidiano com intencionalidade de ato e encontra, no mais ordinário, elementos para as reflexões mais complexas:

“[...] uma pedra, uma figura, um signo, uma palavra que nos cheguem isolados de seu contexto são apenas aquela pedra, aquela figura, aquele signo ou palavra: podemos tentar defini-los, descrevê-los como tais, só isto; se além da face que nos apresentam possuem também uma outra face, a nós não é dado sabê-lo. A recusa em compreender mais do que aquilo que estas pedras mostram é talvez o único modo possível de demonstrar respeito por seu segredo, tentar adivinhar é presunção, traição do verdadeiro sentido perdido [Calvino, 1994, p. 90).”

 

Palomar é também o nome de um famoso observatório astronômico, o que traça entre a pessoa e o lugar uma correlação marcada pelo ato da observação, mas com uma diferença crucial: enquanto o observatório nos permite olhar a amplitude do espaço, o observador se atém às minúcias do cotidiano, e é aqui que ele parece dar as mãos a Hirayama, como que para, juntos, nos chamar atenção ao fato de que as grandes questões do mundo encontram-se também no miúdo da vida, que talvez torne os dias um pouco mais perfeitos.

 

Considerações Finais

O filme de Wim Wenders é uma janela aberta a muitas reflexões, que podem se espraiar em diferentes direções – inclusive opostas. Neste texto, buscamos direcionar nossa interpretação em dois sentidos: primeiro, pensando o xintoísmo como o que constitui subjetiva e culturalmente o protagonista da história, e o que ajuda a compreender os rituais com os quais adorna o cotidiano de sua vida, numa leitura possível a partir dessa cosmovisão em específico; e o segundo na direção do olhar como ato, que parece ser ao que tanto protagonista, quanto diretor parecem nos convidar, provocando na experiência de apreciação da narrativa fílmica, profundas reflexões quanto ao ritmo de nossa própria vida e intensidade de nossas relações com o outro e com o mundo, de maneira geral.

 

Referências

Caroline Trapp de Queiroz é professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Flavio de Souza é estudante do curso de graduação em Administração da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

 

BOSCOV, Isabela. “Dias Perfeitos”, filme idem — e Wim Wenders vai ao Oscar. Youtube. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Qcmce0aufXY&ab_channel=IsabelaBoscov

 

CALVINO, Italo. Palomar. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

 

GLOBO. Redação Gq. Tóquio é eleita a melhor cidade do mundo para viver; veja lista completa. 17/11/2020. Disponível em: https://gq.globo.com/Lifestyle/noticia/2020/11/toquio-e-eleita-melhor-cidade-do-mundo-para-viver-veja-lista-completa.html

 

HERBERT, Jean. La comogonie japonaise. Paris: Dervy-Livres,1977.

 

IMDB. Dias Perfeitos. IMDd.com. Disponível em: https://www.imdb.com/title/tt27503384/

 

HOUAISS. Verbete “olhar”. Dicionário Houaiss. Disponível em: https://www.dicio.com.br/olhar/

 

KANEOYA, Iochihiko. Xintoísmo: mitologia e influência na formação da cultura e do caráter do povo japonês. In: Semana de história da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 8., 2012, Florianópolis. Apresentação de trabalho. Florianópolis: Ufsc, 2012. p. 1 - 46. Disponível em:

http://www.nipocultura.com.br/xintoismo-mitologia-e-sua-influencia-na-formacao-da-cultura-e-do-carater-do-povo-japones/ .

 

MOORE, Charles. The japanese mind. Hawaii: University Press, 1975.

 

SASAKI, Elisa Massae. Valores culturais e sociais nipônicos. In: Encontro sobre Língua, Literatura e Cultura Japonesa, 4., 2011, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: Associação dos Professores de Língua Japonesa do Rio de Janeiro, 2011. Disponível em:

http://www.nipocultura.com.br/wp-content/uploads/2012/02/SASAKI-Elisa-Massae-Valores-culturais-e-sociais-niponicos-Rio-Kyooshikai-jul2011.pdf

 

SUZUKI, Tae. Budismo e xintoísmo no Japão. 123 Japonês. 18/05/2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kXCPmUw40Sg&ab_channel=123Japon%C3%AAs

 

SINÔNIMOS. “Afeto”. Disponível em: https://www.sinonimos.com.br/afeto/

 

TOKYO City Profile and Government. Tokyo Metropolitan Government. Tokyo: Kitajima Co., Ltd., 2024. Disponível em: https://www.english.metro.tokyo.lg.jp/documents/d/english/tokyo-city-profile-and-government_2023-pdf-1

4 comentários:

  1. Obrigado por este texto. Fiquei pensando no quão leve ele desenvolveu o xintísmo como lente, e no que isso implicou. Uma espécie de escrita que fez jus ao objetivo. Gostaria de deixar como pergunta somente uma inquietação que me percorreu: acaso Hirayama, no seu cotidiano (e esta palavra é proposital) estaria representando também um elogio ao Japão? Uma espécie de apagamento da realidade complexa e contraditória do etarismo no país? Pergunto porque a narrativa me pareceu positiva e afirmativa, e o xintoísmo me parece mobilizado pelo estado também para nos fazer crer que não há contradições nesse todo constante que é o fluxo do tempo e da vida dos sujeitos.

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    1. Olá, Mateus! Obrigado pelo comentário. Concordamos com você que o Japão tem questões delicadas quanto ao tratamento às pessoas idosas de seu arquipélago. Assim como no Brasil, desconheço qualquer lei que impeça idosos de idades avançadas trabalharem até seu último dia de vida. O tal etarismo que você cita talvez não seja problema nenhum na cultura nipônica (assim como é o nepotismo, por exemplo). Repare que usamos o vocábulo cultura. Não sabemos lhe dizer legalmente.
      E considerando o que o Xintoísmo “prega” em sua essência básica – o culto à natureza e aos ancestrais como estilo de vida –, para nós do Atlântico é um pouco mais complicado entender isso e mais difícil ainda aplicar na vida cotidiana. Com essa perspectiva em voga, podemos inferir que o Xintoísmo em si, e por si só, não “dita” e nem atribui adjetivos e características nas ações, pessoas e objetos. Isso é uma ação individual e exclusivamente humana.
      Além disso, parece (pelo menos para o nosso entendimento) que o Xintoísmo diz que as coisas são o que são e o que enxergamos de valor, até mesmo tratando-se do tempo. Talvez por isso Hirayama não nos deixe esquecer que “今度は今度. 今は今 (Kondo wa kondo. Ima wa ima)”, “Depois é depois. Agora é agora.”

      Caroline Trapp de Queiroz.

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  2. Primeiramente gostaria de agradecer por compartilhar o texto. Gostaria de saber sobre a perspectiva de vocês em relação de como a análise do filme, via um olhar Xinto, percebe as relações pessoais (isto é, a interação entre seres humanos em sociedade). Pois segundo o texto, está bem claro a proposta da relação ser humano com a Natureza, ou o ambiente em volta, no qual, se faz possível a proposta de haver um cotidiano que permite subversões a um espaço marcado pelo consumo e às pressões sociais. No entanto, o aspecto que pelo filme, fica em aberto são as questões humanas e sociais que parecem sem resposta, o que problematiza a então expressão "Dias Perfeitos". Dessa forma, gostaria de saber do posicionamento de vocês a respeito de como a perspectiva Xinto lidaria com a questão social.

    Agradeço novamente pelo texto.
    Levi Yoriyaz

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    1. Olá, Levi! Nós que agradecemos a sua pergunta. Caso você esteja se referindo às questões sociais (interpessoais) trazidas ao longo do filme, pode parecer sim que há uma falta de ações e conclusões dos dilemas ou situações apresentadas. Acompanhamos esse simpático senhor que está evitando, de alguma forma, lidar com suas pendências de cunho familiar e por isso temos a chegada abrupta de sua sobrinha e depois a irmã de Hirayama.
      E o que seria a perfeição? Vamos usar o próprio idioma japonês para tentar responder e entender as relações. A árvore que Hirayama observa e fotografa tem elementos simbólicos e Hirayama leva para sua casa uma muda oriunda dessa árvore, estabelecendo uma relação de continuidade com a aquela sua amiga fincada no parque/templo.
      Descansar em japonês é 休み (yasumi). O ideograma tem a junção de dois radicais; 人 (hito/pessoa) + 木 (ki/árvore). Lembramos aqui não se tratar de um alfabeto, mas de um idioma que possui dois silabários (hiragana e katakana) e os ideogramas (kanjis). E ao “cortar” a árvore, temos o nascimento de um livro 本 (hon).
      Perceba que mesmo algo negativo como cortar uma árvore, pode ser enxergado pelos japoneses como algo positivo dependendo das intenções. Talvez Hirayama não consiga resolver todos os seus problemas e ter seus dias perfeitos, mas é nítido o esforço que ele vem fazendo para não deixar que as árvores de sua vida habitem apenas em suas fotografias e não em seu jardim, ou quem sabe, até mesmo em sua humilde biblioteca.

      Flavio de Souza.

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