Felipe Daniel Ruzene

 

ENTRE ORIENTE E OCIDENTE EM ALBERTO CAEIRO: O POETA-PONTE

 

A produção do escritor português Fernando Pessoa (1888-1935), uma das mais diversas e complexas do Modernismo lusófono, é reconhecida pela diversidade de heterônimos, cada qual com sua perspectiva, história e estilo literário particulares. Dentre eles, Alberto Caeiro (1889-1915) se sobressai como o “mestre ingênuo” dos heterônimos e do ortônimo pessoanos, amplamente reconhecido como o poeta da Natureza e frequentemente vinculado a uma filosofia-poética que associa influências das tradições ocidental e oriental. Embora Caeiro seja visto como o mais grego dos heterônimos pessoanos, ao valorizar a simplicidade e a observação direta da realidade, sendo representante poético das pretensas origens do Ocidente (a Antiguidade greco-latina), seu estilo e visão também vêm sendo amplamente associados às filosofias, pensamentos e tradições que remetem aos ensinamentos orientais.

 

Conclamado por seus discípulos – Ricardo Reis, António Mora, Álvaro de Campos e Fernando Pessoa (ipse) – como “mais grego que os gregos”, “reconstrutor do paganismo”, portador de um “estranho ar grego” e “o próprio paganismo”, sua simplicidade bucólica e rejeição às abstrações metafísicas aproximam-no de uma visão de mundo que ecoa a filosofia naturalista dos pré-socráticos, a aceitação epicurista da realidade existencial e a consciência estoica do infortúnio. Não obstante, porém, há conhecidas teses entre os comentadores da obra poética caeiriana que interpretam suas afinidades com múltiplos sistemas de pensamento orientais. Para além de gregos e romanos, Caeiro perpassa as tradições textuais da Índia, China, Japão, Egito e Pérsia, por exemplo. Convém ressaltar que, embora a própria cultura greco-latina tenha sido apropriada pelo discurso eurocêntrico no processo de construção da autoimagem ocidental, eles próprios (gregos e romanos) não possuíam um “conceito” de etnicidade ou percepção interna como “ocidentais”, em verdade eram bastante próximos do que se passou a considerar “oriental” – como apresentou Jonathan Mark Hall [2001].

 

Este ensaio, portanto, busca examinar como Caeiro transita entre concepções ou leituras ditas orientais e/ou ocidentais, discutindo o papel de seu pensamento e fazer-poético como uma ponte literária entre essas tradições e questionando até que ponto sua filosofia é influenciada por ou pode ser projetada sobre o Oriente. Distante da lógica rigorosamente dicotômica, homogeneizante e essencialista que gere os conceitos ocidental/oriental, opto por buscar no poeta pessoano um corpus de influências para a construção de sua filosofia-poética. Isto é, entendendo Oriente e Ocidente como “geografia imaginativa” [SAID, 1990, p. 60] para sintetizar múltiplas questões estéticas, culturais, antropológicas e filosóficas, de modo a superar eventuais binarismos metanarrativos. O Oriente que busco em Caeiro não é aquele ideológico, conclamado pela epistemologia eurocêntrica e foco das críticas de Edward Said em seu clássico Orientalismo [1978], mas enquanto espaço e tema histórico-filosófico-literário.

 

Os Orientes em Fernando Pessoa

 

Antes de atentar à obra caeiriana em contraste com a filosofia oriental, convém (ainda que brevemente) voltar à heteronímia. O ideal orientalista, enquanto discurso essencialista produzido e determinado em termos retórico-históricos, esteve presente na formação de Fernando Pessoa – o que se nota, a exemplo, na prosa de Ricardo Reis ou de António Mora sobre o Budismo e o Hinduísmo. Pela biblioteca do poeta lusitano se torna evidente sua relação com o Oriente, vivenciada através dos livros (embora muitos deles da autoria de intelectuais europeus): obras analíticas das tradições culturais, literaturas asiáticas e até escritos de índole esotérica e comercial [PIZARRO, FERRARI, CARDIELLO, 2011, p. 149]. Desse modo, como alude Duarte Drumond Braga [2016, p. 16], a visão pessoana do Oriente perpassa a tradição historiográfica lusitana, alemã, francesa e inglesa, logo marcadamente orientalista – afinal de contas, como expressou Said [1990, p. 35], o orientalismo se expressa enquanto sistema epistemológico, que serve para citar autores e textos. Há de se considerar, porém, a heterogeneidade intrínseca ao projeto de escrita de Pessoa, voltado à multiplicidade, perspectivismo e contradição. Em outros termos, os heterônimos pessoanos articulam a questão orientalista de diferentes modos, dada a dessemelhança de suas dimensões poéticas – embora todos aglutinassem em si o ortônimo. Os múltiplos Orientes presentes na obra de Pessoa, perpassam diferentes contextos, propósitos literários e gêneros textuais, de modo que suas leituras não se limitam ao construto orientalista, tampouco admitem uma única visão do Oriente, em sentido denotativo, singular e definido . Não existe, portanto, um Oriente uníssono em Pessoa, mas “vários orientes ou mesmo orientalismos” [BRAGA, 2016, p. 13] coexistindo, ao mesmo tempo e de diferentes formas, em seus escritos.

 

Dessa forma, caso haja momentos de real proximidade entre a poética pessoana e aspectos de um determinado Oriente, eles poderiam ser observados através de um horizonte comparativo que não busca referências diretas ao oriental. Entendemos, pois, que ambas as abordagens são viáveis: aquela que busca compreender as menções literais de Pessoa ao Oriente, como fizeram Braga [2016] ou Pizarro, Ferrari e Cardiello [2012], ou uma análise conotativa em textos nos quais a questão oriental aparece subentendida, tenha sido ocasional ou proposital, permitindo aproximações aparentes entre o poeta e o Oriente – como proponho fazê-lo neste texto. Um exemplo notável deste segundo caso é o de Alberto Caeiro, que em nenhum momento menciona diretamente os pensamentos, filosofias e culturas orientais, embora muitos tenham tentado relacioná-lo a essas tradições. É inegável a repercussão de Caeiro no contexto asiático, em parte por sua condição de confinidade (não declarada) com a filosofia oriental, cabe, portanto, investigar o fundamento e a pertinência dessas proximidades apontadas pelos comentadores pessoanos. Sua receptividade no Extremo Oriente, também serve de argumento para reforçar as possibilidades de afinidade com uma estética oriental de contemplação. Como afirmou Zhou Miao [2016, p. 278], a simplicidade e o estilo de Caeiro fazem com que ele seja “naturalmente bem apreciado” pelo público oriental. Assim, parto da questão: seria possível propor a aproximação caeiriana com o Oriente de modo semelhante à leitura de temas mais visíveis e literais em sua obra poética, como o da Grécia e Roma Antigas, por exemplo?

 

Mestre Caeiro: do outro lado da ponte

 

A relevância de Alberto Caeiro para a poética heteronímica de Pessoa é amplamente reconhecida por seus outros-eu, todavia, as informações sobre a vida do heterônimo são bastante limitadas. Os registros cronológicos de sua vida foram fornecidos por Ricardo Reis, que, em um prefácio à obra de seu mestre, mencionou que Caeiro nasceu em abril de 1889, na cidade de Lisboa, e faleceu precocemente em algum momento de 1915, em decorrência da tuberculose [PESSOA, 1996, p. 329]. Praticamente sem estudos, apenas com educação primária, viveu seus breves anos como camponês ao lado de uma tia-avó, com quem se estabeleceu após a morte de seus pais. No contexto mito-poético pessoano, Caeiro apareceu-lhe em 8 de março de 1914, quando gerou o mestre e os discípulos de sua heteronímia, como escreveu em carta a Casais Monteiro.

 

Em termos poético-filosóficos, Alberto Caeiro destaca-se pela busca de uma percepção imediata da realidade, livre de construções metafísicas e de inquietações abstratas. Para Caeiro, “pensar é estar doente dos olhos” [PESSOA, 2016, p. 26], o que reflete uma visão de mundo que descarta a mediação intelectual em prol da experiência sensorial direta. Essa aversão ao racionalismo pode ser interpretada como uma crítica à tradição epistemológica ocidental, focada no conhecimento abstrato, e como uma conexão com tradições que enfatizam a experiência imediata e a percepção do momento presente. Poeta das sensações, Caeiro compreende que nada se pode afirmar para além do material e, nesse caso, todo pensamento seria uma deturpação a posteriori da coisa-em-si. O mundo, em sua análise, deveria ser sentido e não pensado. Em outros termos, ao contrário do racionalismo, intelectualismo e da busca pela complexidade promovidos pelos modernos, Caeiro privilegia as sensações como forma de entender a realidade e criar poesia, buscando reencontrar a conexão dionisíaca na vivência humana. Assim, Fernando Pessoa [1996, p. 343] afirma que seu heterônimo: “Vê as coisas apenas com os olhos, não com a mente” e o próprio Caeiro escreve:

 

“Porque o único sentido oculto das coisas

É elas não terem sentido oculto nenhum,

É mais estranho do que todas as estranhezas

E do que os sonhos de todos os poetas

E os pensamentos de todos os filósofos,

Que as coisas sejam realmente o que parecem ser

E não haja nada que compreender.” [PESSOA, 2016, p. 54-55]

 

Essa busca por uma percepção sensorial tem levado Caeiro à conhecida tese que interpreta uma suposta afinidade entre sua obra poética e o budismo japonês, ou “zen”, o qual também enfatiza a experiência direta e a aceitação do momento presente, sem construções conceituais ou racionalismos que separam o sujeito observador do objeto observado. Certamente, certos elementos da poesia de Caeiro se alinham à percepção direta da realidade tal como é, uma perspectiva que caracteriza o aprimoramento mental almejado na prática do budismo zen. Nesse sentido, não me parece incoerente a associação dos versos caeirianos com a  tradição dos kōan (公案), gênero narrativo budista que apresenta conclusões inacessíveis à razão, que não podem ser explicadas nos limites lógico-racionais. Um célebre kōan afirma: “Ao nos esforçarmos para entender o zen, as montanhas deixam de ser montanhas e os rios deixam de ser rios; Quando finalmente entendemos o zen, as montanhas voltam a ser montanhas e os rios voltam a ser rios.” Caeiro, de maneira análoga, disserta assim:

 

“Olá, guardador de rebanhos,

Aí à beira da estrada,

Que te diz o vento que passa?

 

Que é vento, e que passa,

E que já passou antes,

E que passará depois.

E a ti o que te diz?

 

Muita coisa mais do que isso,

Fala-me de muitas outras coisas.

De memórias e de saudades

E de coisas que nunca foram.

 

Nunca ouviste passar o vento.

O vento só fala do vento.

O que lhe ouviste foi mentira,

E a mentira está em ti” [PESSOA, 2016, p. 37-38].

 

O conceito de wu wei (无为) no taoísmo, frequentemente traduzido como “não-ação”, representa uma prática de alinhamento com o fluxo natural da vida, sem imposição de vontades ou intervenções. A sabedoria taoísta está em seguir o curso das coisas, permitindo que a natureza se expresse sem interrupções, princípio comparável à visão de Alberto Caeiro sobre a relação entre a felicidade e a ausência de reflexão. Para Caeiro, a felicidade reside na pura vivência do presente, experiência que dispensa análises ou abstrações intelectuais. Seu ideal poético se aproxima da “não-ação” ao negar a reflexão sobre a experiência, buscando apenas a plena entrega ao mundo sensível – perspectivas que também dialogam no objetivo de harmonia com a natureza e busca pela simplicidade e espontaneidade, advogada no taoísmo a partir do conceito de ziran (自然). A libertação do sofrimento, moksha (मोक्ष), pelo fim do ciclo da existência, saṃsāra (संसार), tema central de diversas religiões de matriz dârmica (como budismo, hinduísmo, jainismo e siquismo), encontra barreiras na poesia caeiriana em sua aversão a qualquer atribuição de significado ou propósito. O “nirvana” de Caeiro, reside em seu mais profundo sentido materialista: a plena existência sensorial. Assim expressa no trigésimo-segundo poema de O Guardador de Rebanhos:

 

“Que me importam a mim os homens

E o que sofrem ou supõem que sofrem?

Sejam como eu – não sofrerão.

Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,

Quer para fazer bem, quer para fazer mal.

A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.

Querer mais é perder isto, e ser infeliz [...]

 

Louvado seja Deus que não sou bom,

E tenho o egoísmo natural das flores

E dos rios que seguem o seu caminho

Preocupados sem o saber

Só com o florir e ir correndo.

É essa a única missão no Mundo,

Essa – existir claramente,

E saber fazê-lo sem pensar nisso” [PESSOA, 2016, p. 50-51].

 

O poeta afirma a catalepsia mediada pelas sensações. Isto é, defende o conhecimento das coisas apenas pela percepção sensorial dessas coisas, não pela racionalização, abstração ou superação do mundo material. Essa concepção apresenta determinado espírito estoico ou epicurista – como percebeu Ricardo Reis [PESSOA, 1996, p. 322] – e, também, avizinha-se de concepções budistas e taoístas, cujos princípios filosóficos se relacionam com a valorização da simplicidade e da natureza, transcendendo as mediações do intelecto. Como adverte Lao Tzu [2019, p. 56] em seu Tao Te Ching (道德經): “Quando aparecem o conhecimento e a inteligência, surge a grande mentira”; na versão de Caeiro: “O que lhe ouviste foi mentira, / E a mentira está em ti”. Entretanto, as vertentes filosófico-asiáticas apresentam um objetivo final metafísico, a iluminação no budismo ou o caminho da imortalidade no taoismo, os quais representam um despertar espiritual para a conexão com a natureza. Não a natureza literal e material caeiriana, mas a “natureza búdica” (仏性) ou “tao” (), que admitem a metafísica transcendental e atribuem uma dimensão espiritual ao mundo natural – como nos kami () xintoístas. Isto é, enquanto o zen e taoísmo propõem (cada qual a seu modo) uma aceitação da realidade que leva a uma jornada de despertar espiritual, Caeiro se mantém em uma perspectiva puramente materialista, na qual a realidade é simplesmente observada e aceita, sem qualquer interpretação transcendente e a natureza é desprovida de qualquer espiritualidade; ele a vê como algo puramente físico e concreto – “O vento só fala do vento”. Note, por certo, que não suponho que hinduismo, budismo, xintoísmo e taoísmo sejam iguais ou que tenham sido recepcionados diretamente pela poética caeiriana, mas compreendo a possibilidade de, ora aproximarmos, ora distanciarmos, as concepções filosóficas dessas diversas perspectivas.

 

Como bem aponta Richard Zenith [1999, p. 106], Caeiro não enxerga a natureza como um meio para alcançar a compreensão espiritual ou como verdade absoluta e universal; ao contrário, vê-a com materialidade e finalidade em si. A sua poesia não busca transcender o mundo, mas experimentá-lo, sentí-lo: “Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la / E comer um fruto é saber-lhe o sentido” [PESSOA, 2016, p. 37]. Eis a crítica de Paulo Borges [2016, p. 108] às associações entre o budismo e Caeiro, ainda que o poeta apresenta uma forma de desapego que pode parecer semelhante ao zen, na verdade, são profundamente distintas. No zen, o desapego é considerado uma prática espiritual que conduz à iluminação, um caminho do despertar da alma; por outro lado, para Caeiro, essa falta de apego surge de uma completa indiferença em relação ao que é transcendental, não há qualquer realidade oculta. Ele não se empenha em buscar verdades metafísicas, mas apenas em estabelecer uma conexão direta e não interpretativa com o mundo visível. Assim, apesar de compartilhar com o budismo japonês e com o taoísmo chinês a recusa à intelectualização (oposições ao confucionismo), Caeiro se distingue por sua perspectiva estritamente imanente da realidade, onde não há espaço para um vazio espiritual ou mistério. Seu desapego é uma reafirmação da vida em sua essência, sem a exigência de um significado oculto ou místico. Nos termos de Jerónimo Pizarro [2012, p. 174]: “Pessoa é ‘partes sem um todo’, como a natureza e como Caeiro, por ser esta uma definição sumária e precisa do conceito de fragmento. Quando procuramos construir um todo a partir de algumas das suas partes, correremos o risco de criar um objecto fantástico”.

 

Considerações finais

 

Longe de esgotar o tema do Oriente em Fernando Pessoa, meu argumento é de que a filosofia da poética caeiriana se aproxima de perspectivas ocidentais e orientais, todavia, o próprio Caeiro sabia que, em sua organização impiedosamente materialista e plenamente objetivista, havia superado qualquer pensamento anterior. Enquanto os antigos gregos, romanos, chineses e japoneses conseguiam compreender, até mesmo através de suas crenças religiosas, uma totalidade natural do Universo, para o poeta português não existe essa totalidade; há apenas os elementos que não simbolizam nada além do que realmente são. Como no poema já apresentado: “o único sentido oculto das coisas / É elas não terem sentido oculto nenhum” [PESSOA, 2016, p. 54]. Desse modo, não há significado intrínseco, nem mesmo à natureza, apenas existência – eis a verdade objetiva das coisas. Assim conclui Caeiro: “Fiz a maior descoberta que nenhum antes fez e ao pé da qual todas as outras descobertas são entretimentos de crianças estúpidas. Dei pelo Universo. Os gregos, com toda a sua nitidez visual, não fizeram tanto” [PESSOA, 1994, p. 214].

 

Alberto Caeiro, um dos heterônimos mais enigmáticos, representa uma síntese original e intrigante de elementos culturais ocidentais e orientais. Sua obra, caracterizada por uma filosofia de simplicidade e observação direta do mundo, desafia as fronteiras convencionais das “categorias” conclamadas por Oriente e Ocidente. Enquanto é amplamente considerado o “mais grego” dos heterônimos, aproximando-se das raízes (supostamente) ocidentais em seu apreço pela natureza e pela percepção sensorial, Caeiro também evoca – ainda que de maneira não declarada, transversal à obra ou, talvez, incalculada – elementos que se assemelham ao pensamento clássico oriental, pela sua rejeição da dualidade entre sujeito e objeto e pela busca de uma experiência direta do mundo. Essa fusão é, de certa forma, uma ruptura com a epistemologia ocidental, que privilegia a divisão e o entendimento racional do mundo. Caeiro, por outro lado, propõe uma forma de saber que não é intelectual, mas sensorial e direta. A relação de Caeiro com a filosofia grega é clara em sua busca pela simplicidade e na maneira como se conecta ao “ser das coisas”. Seu pensamento ressoa com o ideal grego de um saber adquirido através da observação direta e da experiência com a realidade. No entanto, sua perspectiva se distingue ao desviar-se do intelectualismo característico da filosofia clássica, aproximando-se da concepção oriental de uma contemplação livre de objetivos intelectuais.

 

Assim, Caeiro vai além da divisão entre Oriente e Ocidente, apresentando uma síntese poética que estabelece um diálogo com ambas as tradições, sem se comprometer inteiramente a nenhuma delas. Na obra caleidoscópica de Fernando Pessoa, os diálogos possíveis são incomensuráveis, de modo que podemos ler a obra poética-heteronimia com os olhos voltados para os clássicos pensadores ocidentais, ou mesmo para os interesses pessoanos no Oriente. Em suma, as afinidades entre a obra caeiriana e o pensamento oriental não devem ser interpretadas como uma aceitação literal dos princípios religiosos dessas tradições, mas como uma abordagem poético-filosófica que sugere modos de vida imediatos e concretos, distantes de qualquer interpretação espiritual ou transcendente. Caeiro se revela, portanto, um poeta-filósofo que, ao ressoar e explorar os limites das tradições ocidentais e orientais, constrói uma perspectiva singular que exalta o mundo sensível, valorizando uma existência que dispensa o abstrato.

 

 

Referências

 

Felipe Daniel Ruzene é Mestrando em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), sob orientação da Prof.ª Dra.ª Renata Senna Garraffoni. E-mail: felipe.ruzene@ufpr.br.

 

BORGES, Paulo. “As coisas são coisas? Alberto Caeiro e o Zen”, in Pessoa Plural: a journal of Fernando Pessoa studies, n. 9, 2016, p. 110-130.

BRAGA, Duarte Drumond. “Um roteiro pessoano sobre a Índia”, in Pessoa Plural: a journal of Fernando Pessoa studies, n. 9, 2016, p. 11-36.

HALL, Jonathan Mark. “Quem eram os gregos”, in Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 11, 2001, p. 213-225.

LAO TZU. Tao Te Ching: o tratado do caminho e da virtude. Tradução: Fāng Chén. [S.l.]: Projeto Luz do Oriente, 2019.

PESSOA, Fernando. Poemas Completos de Alberto Caeiro. Lisboa: Presença, 1994.

PESSOA, Fernando. Páginas íntimas e de auto-interpretação. Lisboa: Ática, 1996.

PESSOA, Fernando. Obra poética de Fernando Pessoa. vol. 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.

PIZARRO, Jerónimo; FERRARI, Patricio; CARDIELLO, Antonio. “Os Orientes de Fernando Pessoa”, in Cultura ENTRE Culturas, n. 3, 2011, p. 148-185.

PIZARRO, Jerónimo.  Pessoa existe?. Lisboa: Babel, 2012.

SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

ZENITH, Richard. “Alberto Caeiro as Zen Heteronym”, in Portuguese Literary & Cultural Studies, n. 3, 1999, p. 101-110.

ZHOU MIAO, Cristina. “Repensar a qualidade Zen de Alberto Caeiro”, in Cadernos de Literatura Comparada, n. 28, 2013, p. 79-89.

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